Acórdão nº 01012/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelPIRES ESTEVES
Data da Resolução07 de Setembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: B…, magistrado do Ministério Público, com a categoria de Procurador Adjunto, a exercer funções junto dos Serviços do Ministério Público, no Palácio da Justiça, Rua …, … , intentou a presente acção administrativa especial da deliberação de 22/6/2009 do Conselho Superior do Ministério Público, que lhe aplicou a pena disciplinar de inactividade por um ano, por estar inquinada com vários vícios.

Na sua contestação a entidade ré defende, em síntese, que o acto objecto da acção não padece de qualquer vício que possa vir a determinar a declaração da sua nulidade ou a sua anulação.

Nas suas alegações, o autor formula as seguintes conclusões: 1ª - O acto sancionatório é nulo porque assume como pressupostos de facto elementos recolhidos por funcionários da ASAE, no exercício de poderes de polícia criminal, habilitados pelo DL. n° 274/2007, de 30/7, sem que tal diploma tivesse sido precedido pelo exercício da competência legislativa da Assembleia da República, já que estava em causa matéria da sua reserva constitucional de competência legislativa; 2ª - Na verdade, a determinação legislativa do regime das forças de segurança constitui reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos da alínea u) do artigo 164° da Constituição; 3ª - Por isso, a atribuição de poderes de polícia criminal à ASAE só podia ser efectuada através de lei da Assembleia da República; 4ª - Não o tendo sido, conclui-se que o Decreto-Lei n.° 274/2007, de 30 de Julho, padece de inconstitucionalidade orgânica; 5ª - Os actos consequentes e que executem disposições legislativas inconstitucionais são, eles próprios, nulos por ausência absoluta de cobertura legal; 6ª - Pela inconstitucionalidade orgânica da ASAE pronunciaram-se os doutos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, proferidos nos Processos nos 358/08.3CLSB.Ll-9 e 1670/09.OYRRLSB-9, de 25/06/2009 e 17/12/2009, respectivamente; 7ª - Igualmente, o acto impugnado é também ilegal, já que o inquérito foi convertido em processo disciplinar por autor incompetente; 8ª - A competência disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público não pode ser genericamente delegada no Senhor Procurador-Geral da República e, por este, subdelegada; 9ª - Efectivamente como decorre do n.° 1 do artigo 35º do Código do Procedimento Administrativo, só pode haver delegação de poderes mediante prévia norma de habilitação e nos seus exactos termos: 10ª - Por outro lado, o artigo 31.º estatui que «O Conselho Superior do Ministério Público pode delegar no Procurador-Geral da República a prática de actos que, pela sua natureza, não devam aguardar a reunião do Conselho; 11ª - A lei não permite qualquer delegação genérica, mas apenas daqueles actos que, através de um juízo de necessidade concreto, se afigurem como impossibilitantes de aguardarem reunião do Conselho. E tal juízo só pode ser efectuado casuisticamente; 12ª - Com efeito, mesmo, mesmo que se tivesse entendido que o senhor Procurador-Geral da República (e não o senhor Vice-Procurador-Geral da República) pudesse praticar o acto de abertura do processo disciplinar sempre se teria de concluir que a validade de tal acto estava dependente de adequada fundamentação visando justificar a urgência.

13ª - Na inexistência de fundamentação quanto à impossibilidade de aguardar pela reunião do CSMP, a conversão do inquérito em processo disciplinar sempre se deve ter por inválida; 14ª - Por tal razão, se a conversão do inquérito em processo disciplinar for ilegal, também o é o acto sancionatório; 15ª - Termos em que deve o acto impugnado ser declarado nulo ou, caso assim não se entenda, anulado; 16ª - O acto administrativo é ainda ilegal porque assenta em prova obtida através de meios ilegais; 17ª - O A. já não tinha qualquer intenção de vender qualquer bilhete, porquanto o mesmo já havia sido previamente transaccionado pela sua mulher a uma colega de trabalho; 18ª - A formulação da vontade de vender o bilhete só surgiu, após a recepção da proposta de compra lançada pelos funcionários da ASAE; 19ª - Nos termos do n° 6 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, são nulas todas as provas obtidas mediante ofensa da integridade física ou moral da pessoa; 20ª - Determinando, por sua vez, os n°s 1 e 2 do artigo 26° do Código do Processo Penal que são ofensivas da integridade física ou moral as provas obtidas mediante meios enganosos; 21ª - Sendo que de acordo com o artigo 122° do Código do Processo Penal, a nulidade das provas obtidas por meios enganosos torna inválido o acto em que se verificou, bem como os que dele dependerem e aqueles puderem afectar; 22ª - Termos em que se conclui, um vez mais, pela invalidade do acto impugnado; 23ª - De igual modo, o acto impugnado é inválido por erro nos pressupostos de facto, já que dá por provadas ocorrências que não se verificaram; 24ª - A matéria de facto considerada provada não corresponde ao que foi evidenciado durante as diligências instrutórias, maxime, depoimentos testemunhais; 25ª - Desde logo, nunca o A. como a sua mulher tiveram intenção em vender o bilhete por preço superior ao constante do mesmo, conforme os seus depoimentos juntos ao processo disciplinar; 26ª - Nunca nos contactos telefónicos estabelecidos entre o A. com os funcionários da ASAE foi discutido qualquer preço, não tendo sido nunca referido que o preço era de €450,00; 27ª - Tal como é falso que o A. tenha guardado no bolso as notas bancárias que lhes foram entregues pela pessoa que julgava ser o Sr. C…; 28ª - Mas, ainda que se considerasse como verdade (o que não é) que o A. recebeu as notas monetárias do Sr. Inspector D… e as tivesse guardado num bolso sem as contar, sempre se diria que aquele estaria disposto, assim, a receber pelo bilhete qualquer quantia monetária que este inspector (putativo contraente) estivesse disposto a oferecer-lhe.

29ª - Tratar-se-ia, neste caso, de uma oferta de compra, logicamente incompatível com qualquer especulação de preço.

30ª - Todos estes erros relativamente à determinação dos factos, influenciam negativamente a apreciação valorativa do comportamento do A., razão pela qual o acto sancionatório é inválido por erro sobre os pressupostos de facto; 31ª - Finalmente, e sem conceder quanto à relevância disciplinar da sua conduta, o A. considera, que a sanção aplicada é excessiva e viola o princípio da proporcionalidade; 32ª - A determinação da sanção aplicável está sujeita a um juízo segundo critérios acolhidos pelo princípio da proporcionalidade (n° 2 do artigo 266° da Constituição e n° 2 do artigo 5° do Código do Procedimento Administrativo); 33ª - A sanção disciplinar aplicada é manifestamente desadequada e excessiva face aos dados factuais recolhidos e aos objectivos que se pretende prosseguir com o exercício do poder disciplinar; 34ª - Aliás todos os elementos constantes do processo salientam o carácter honesto, trabalhador e funcionalmente irrepreensível do A.; 35ª - Nunca o A. pretendeu locupletar-se com a quantia de €390, nem guardou as notas no bolso, ao contrário do que o R. alega na contestação; 36ª - Pelo que a sanção proposta é legalmente inaceitável por violação evidente do princípio da proporcionalidade.

Termina as suas alegações a entidade ré defendendo que o acto sancionatório não padece de qualquer vício que possa vir a determinar a declaração da sua nulidade ou a sua anulação.

Foram colhidos os vistos legais dos Exmos. Adjuntos.

Resultam dos autos os seguintes factos: 1-No dia 3/9/2008 foi levantado um auto de notícia pela prática de um crime de especulação em bilhete para espectáculo, contra B…, procurador adjunto, por nesse dia, pelas 18,15 horas, no CC Almada Fórum, em Almada, ter transaccionado, mediante o pagamento de 450€00 por um bilhete com o n°45558 para o concerto da artista Madonna do dia 14/9/2008, no Parque da Bela Vista em Lisboa, bilhete este que lhe havia custado 60€00 (fls. 6, 7 e 32 do pi, aqui dadas por reproduzidas); 2-Por despacho do Sr. Vice-Procurador-Geral da República de 18/11/2008, foi ordenado inquérito a tais factos, tendo sido nomeado instrutor (fls. 1 e 2 do pi, aqui dadas por reproduzidas); 3-O início da instrução do inquérito acabado de referir ocorreu no dia 24/11/2008 (fls. 23 do pi); 4-Tendo por base os depoimentos das testemunhas constantes de fls. 32 e 33, 35 e 36, 38 e 40, 45 e 46, 48 e 49 e as declarações do autor de fls. 41 a 44, todas aqui dadas por reproduzidas, o Sr. Inspector do Ministério Público elaborou o relatório de fls. 89 a 102, aqui também dadas por reproduzidas, e onde formula, a final, a seguinte proposta: “1-pelo exposto, propomos a instauração de procedimento disciplinar contra o Lic. B…. 2-Mais propomos, se acolhida esta nossa proposta e dado que o visado foi ouvido neste inquérito, que o Conselho Superior do Ministério Público delibere no sentido deste processo de inquérito constituir a parte instrutória do processo disciplinar, nos termos previstos no n° 1 do art° 214° do EMP”; 5-Em 10/2/2009, e após o recebimento do relatório acabado de referir, O Sr. Vice-Procurador-Geral da República proferiu o seguinte despacho: “Ao abrigo do nº 1, al. u) da deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, de 29/11/2006, publicada no Diário da República, 2° série, n° 249, de 29/12/2006, e do despacho do Sr. Procurador Geral da República de 23/5/2008, publicado no Diário da República, 2ª série, n°110, de 9/6/2008, converto o inquérito em processo disciplinar, constituindo este a parte instrutória do processo disciplinar, atento o auto de declarações de fls. 470 a 475 (art° 214° n° 1 da Lei n° 47/86, de 15/X na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 60/98, de 27/8)” (fls. 105 do pi); 6-Em 25/2/2009, o Sr. Inspector do Ministério Público deduziu contra o ora autor a acusação de fls. 118 a 130 do pi (aqui dadas por reproduzidas) e de que se destaca: «...33° Cerca das 18h15m, o suspeito...

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