Acórdão nº 96P982 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Janeiro de 1997

Magistrado ResponsávelAUGUSTO ALVES
Data da Resolução15 de Janeiro de 1997
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Pelo Tribunal de Círculo de Oliveira de Azeméis, sob acusação do Ministério Público, procedeu-se ao julgamento de: 1 - A., S.A., sociedade anónima com sede na rua ..., em São B da Madeira; e, de, 2 - B, identificado a folha 831, vindo a final a ser condenados: - A.., S.A., pela prática de 1 crime continuado de abuso de confiança, previsto e punido pelos artigos 24, ns. 1 e 5 do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, na versão do Decreto-Lei 394/93 de 24 de Novembro, por força dos artigos 7 e 9 n. 2 do mesmo diploma, na pena de 110000000 escudos de multa; - B, pela prática de 1 crime continuado de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelo artigo 24 ns. 1 e 5 do mesmo Regime, na versão de Decreto-Lei 394/93 referido e por força dos artigos 6 n. 1 e 10 do mesmo diploma, na pena de 2 anos de prisão. II - Inconformados, recorrem de tal decisão para este Supremo Tribunal de Justiça ambos os arguidos. Na respectiva motivação o recorrente B formula as conclusões seguintes: 1 - Ao contrário do que sustenta o Acórdão recorrido, justifica-se que o arguido, por dificuldades de tesouraria, entre dois males - não pagar o IVA e não pagou aos trabalhadores e despesas indispensáveis à manutenção da co-arguida, empresa de reconhecida viabilidade - optasse pelo menor, ou seja, não pagar o IVA -; 2 - É de presumir que o próprio Estado apoiasse tal opção, pois não é concebível um Estado cívico, que prefira receber cerca de 109000000 escudos de impostos, a ver privados de recursos as famílias de cerca de oitocentos trabalhadores, cidadãos seus, por não serem pagos os seus salários e por, ainda pior, virem a ser lançados os mesmos no desemprego, pelo encerramento da empresa. 3 - O disposto nos artigos 34 a 36 do Código Penal sufraga tal entendimento. 4 - E não se diga, como no acórdão recorrido, que tal conduta não deverá ser considerada legítima, face à economia de mercado, concorrencial, em que diz viver-se, pois iria privilegiar as empresas que não cumprem as suas obrigações fiscais relativamente àqueles que as cumprem, já que tal argumento é incompatível, v.g. com os artigos 29, 3 da Lei n. 16/92 de 6 de Agosto, e os artigos 119, 120 e 121 do Decreto-Lei n. 132/93 de 23 de Abril, que provam precisamente o inverso. Isto posto, 5 - Face à matéria de facto assente, a A no período (de Dezembro de 1993 a Dezembro de 1994) em que não pagou o IVA (à taxa de 17 porcento), do montante de 109709313 escudos, teria recebido de clientes cerca de 640000000 escudos e não cerca de 6800000000 escudos, como por erro de cálculo consta do acórdão recorrido. 6 - Com os 800 trabalhadores, ainda que estes ganhassem, em média, o ordenado mínimo nacional (49300 escudos - Decreto 79/94 de 9 de Março - a A teria de desembolsar, no indicado período, no pagamento de salários, subsídios de Natal de 1993, e de férias e de Natal de 1994, cerca de 788000000 escudos (49300x16=788000000). 7 - Além disso, para manter a empresa a funcionar, com o mínimo para tanto indispensável, teve de pagar aos fornecedores de matérias primas e a EDP, fornecedora de energia eléctrica, pelo que umas centenas de milhares de contos acresceram a esses 788000000 escudos. 8 - Assim, sem um milagre na sua tesouraria, semelhante ao da multiplicação dos pães, é inquestionável que a A tinha de seleccionar pagamentos, dando preferência aos indispensáveis a assegurar a subsistência dos trabalhadores e à sobrevivência da própria empresa, sendo certo que, com o seu encerramento, aqueles cairiam no desemprego. 9 - Por isso, dando por um lado como provados factos que legitimam tais conclusões e por outro repudiando-as, o Acórdão recorrido entra em contradição insanável na sua fundamentação e comete erro notório na apreciação da prova. 10 - Ao não dar como provado que, se não fossem pagos os ordenados dos 800 trabalhadores de A, degradar-se-iam as condições de vida, tanto suas como das suas famílias, e, ainda, ao não dar como provado que, se não fossem pagas as despesas indispensáveis à laboração da empresa (e, consequentemente, se esta, por tal motivo encerrasse), não seriam lançados no desemprego os seus trabalhadores, o acórdão recorrido atenta contra a lógica e o bom senso, cometendo um erro notório na apreciação da prova. 11 - Ao não dar como provada que a proposta de dação em cumprimento apresentada pela co-arguida A, através do arguido, seu administrador, ao Ministério das Finanças para solver as suas obrigações fiscais, inclusivé do IVA, não tivesse sido rejeitada, mas ao admitir que ela se mantêm em análise, o acórdão recorrido entra em contradição na sua fundamentação. 12 - Ao não aceitar factos invocados pela defesa, por não definitivamente provados, o acórdão recorrido revela que o douto Colectivo apreciou a prova em violação do princípio "in dubio pro reo", consagrado no n. 2 do artigo 32 da C.R.P., o que põe em causa toda a apreciação que faz da matéria de facto, pelo que esta não pode oferecer uma base segura à decisão de direito. 1 - Assim, deve ser anulado o acórdão recorrido, e o processo reenviado para novo julgamento, por Colectivo diferente de do Círculo de Oliveira de Azeméis - artigo 410 n. 2 alíneas a), b) e c), 433 e 436 do Código de Processo Penal -. 14 - Ao considerar que a A não estava tão carecida de recursos que não pudesse, através de testemunha Maria da Conceição, fazer um empréstimo à Sanjo (empresa de grupo), além de lamentavelmente omitir a data de tal empréstimo, muito posterior aos factos (5 de Dezembro de 1995) documentos de folhas 810 e 811, a que se refere o aresto a folhas 833 verso - 5. e 6. linhas antes do fim - e os motivos por que foi feito, o acórdão recorrido defraudou a aplicação do artigo 358 do Código de Processo Penal, referindo-se à prova de um facto que só por essa via, com garantia do contraditório para o arguido, poderia ser considerado na decisão. 15 - O mesmo sucede às referências feitas nos documentos de folhas 19 a 26, 91 a 152 e 424 a 429. 16 - Assim, se o acórdão recorrido não devesse ser anulado pelas razões aduzidas na antecedente conclusão 13, deveria ser anulado por violação do disposto na alínea b) do artigo 379 do Código de Processo Penal. 17 - A manter-se a decisão recorrida, tendo em atenção que o arguido demonstrou, ao longo dos seus 60 anos, ser um cidadão de comportamento normal (na previsão do legislador - um "bonus pater familiae"); que prestou declarações verdadeiras, que aliadas à forma como contestou permitiram integrar a "apropriação" evanescente alegada na acusação; que agiu de boa fé, como decorre de ter enviado as declarações do IVA e ter proposto, como administrador da A, uma dação em pagamento, cerca de três meses antes da apresentação da queixa; sofrer de doença grave; destinarem-se as importâncias do IVA, integrados na massa monetária recebida pela empresa, no pagamento das despesas correntes desta, nomeadamente ordenados, matérias primas e energia eléctrica, deveria, nos termos do artigo 50 do Código Penal, ser suspensa a pena de prisão aplicada ao arguido. 18 - O acórdão recorrido violou, pois, os artigos 34 e 36 do Código Penal, 32 n. 2 da C.R.P. e 358 do Código de Processo Penal, e cometeu as nulidades referidas nas antecedentes conclusões 13 e 16; caso assim se não entenda, violou o disposto no artigo 50 do Código Penal, pelo que deve ser revogado. Por sua vez, A, S.A., da sua motivação extrai as seguintes conclusões: 1 - Um dos magistrados que formou o (formou o) colectivo tomou decisões no inquérito, nomeadamente sobre a prisão de um co-arguido, implicando tal facto ter feito um juízo de valor antecipado ao julgamento sobre os factos submetidos ao mesmo, violando-se assim o disposto no artigo 40 do Código de Processo Penal e 32 n. 4 da Constituição. 2 - Não ficou determinado que os valores referidos no ponto n. 5 dos factos dados como provados na sentença fossem o saldo entre o valor de IVA facturado pela empresa e o valor de IVA pago pela mesma no período a que o imposto se reporta. 3 - Da leitura do ponto 5 dos factos dados como provados tanto se pode inferir que tais valores são os de IVA facturado pela empresa como o dito saldo. 4 - Ora se para haver crime previsto no artigo 24 do RJFA a determinação do valor do imposto não pago é crucial, terá forçosamente de se concluir que não está provado um dos elementos essenciais para a verificação deste tipo criminal. 5 - Na sentença existe uma insanável contradição entre os factos dados como provados nos pontos n. 7 e os ns. 2 e 3 dos factos dados como não provados e dessa contradição resulta sem erro notório na apreciação da prova. 6 - De facto ficou provado que na A trabalham cerca de 800 trabalhadores (15); que após 1991 se abateu sobre a empresa grave crise como sobre toda a economia (17); que a Ré se apresentou aos credores (20) e dos documentos de folhas 27 a 28 se verifica a carência de meios da Ré para solver todos os seus compromissos. 7 - Ora se foi dada como provada esta matéria, determinante das razões pelas quais a Ré não pode pagar as suas obrigações fiscais, não se entende como também pôde a douta sentença ter dado como provado que se a Ré não pagou o IVA foi porque não quis e não porque não pôde. 8 - Tais contradições surgem ainda entre os ns. 6 a 14 da matéria dada como não provada e o que foi dado como provado nos ns. 7, 15, 17, 20 e 21, demonstrando-se falta de sustento fáctico para dar como provada a acusação e como não provada a matéria de defesa. 9 - Também nos pontos 9 a 11 dos factos dados como provados referentes à matéria de dação em pagamento que está dada como provada quanto à sua existência e temos, há contradição com a matéria dos factos dados como não provados nos ns. 4 e 5 da matéria dada como não provada. 10 - Se está provado que o estado mandou avaliar os prédios oferecidos em pagamento, não pode estar não provado que a dação não foi rejeitada. 11 - Tal constitui um erro notório na apreciação da prova. 12 - Por outro lado a douta sentença...

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