Acórdão nº 1744/2006-6 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Abril de 2006 (caso None)

Magistrado ResponsávelANA LUÍSA GERALDES
Data da Resolução20 de Abril de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I - 1. Maria Cândida… instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra: Maria del Pilar … Pedindo que se decrete a validade do documento que junta, como disposição testamentária, a fim de produzir todos os seus efeitos em Portugal.

Alegou, em síntese, que no dia 16 de Novembro de 1994, faleceu José Francisco …, no estado de solteiro, com nacionalidade Espanhola, tendo deixado apenas como herdeiras a Autora, sua irmã, e uma sobrinha, a Ré.

Invoca ainda que, em 8 de Novembro de 1999, encontrou entre os papéis do falecido um testamento hológrafo datado de 14 de Janeiro de 1991, onde o de cujus declarou como expressão da sua última vontade que a Autora seria a sua única herdeira.

Sendo à luz da lei Espanhola tal testamento válido, deve o mesmo ser reconhecido como tal.

  1. A Ré, citada, contestou pedindo a improcedência da acção; argumenta, para o efeito, que o falecido não deixou qualquer testamento, pelo que a pretensão da Autora não pode proceder.

  2. Foi realizado julgamento tendo o Tribunal "a quo" proferido sentença na qual julgou a acção improcedente, por não provada.

  3. Inconformada, a Autora Apelou, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões:

    1. Entende a Recorrente que a sentença proferida em 1ª instância está ferida de nulidade, nos termos do disposto no artigo 668°, n.º 1, alínea b), do CPC, porquanto se limita a fazer uma referência genérica e remissiva para a reprodução de determinado documento, o doc. de fls. 15 do autos, em sede de factos dados como provados, sem dele extrair qual a matéria de facto significante para a decisão de direito, para além de que omite outros elementos de prova carreados para os autos (documental e testemunhal), não permitindo que se saiba qual o raciocínio lógico-jurídico gerado que conduziu à decisão perfilhada.

    2. E ao dizer-se, na sentença, que o reconhecimento da pretensão da Autora dependia, antes de mais, da prova que à Autora competia, de que o escrito que consta dos autos era da autoria do falecido, nos termos do disposto no art. 342° do CC, não se analisou criticamente as provas carreadas para os autos, na medida em que apenas se limitou a mencionar que a Autora não logrou fazer tal prova.

    3. Esta premissa de direito da sentença - "validade de um testamento à luz da lei Espanhola" - pressuporia que o julgador extraísse, na sua fundamentação, o conhecimento prévio da norma jurídica aplicável ao caso, aferindo-se de seguida a problemática do ónus probatório.

    4. Ora, a sentença ao subsumir-se, em sede de fundamentação de direito, às normas do ordenamento jurídico Português, citando o artigo 342° do CC, tout court, sem remissão às normas de direito material Espanhol, que é a lei competente para regular o caso concreto, praticou um erro na determinação da norma aplicável.

    5. Acresce que os factos foram incorrectamente julgados: verificou-se que as testemunhas da Autora arroladas sob os nºs 1 e 2, Vitória Clara … e Orlando …, declararam que a letra e a assinatura do doc. de fls. 15 dos autos era da autoria do falecido José Francisco … F) Não obstante, a sentença perfilhou a tese de que a Autora não logrou fazer prova de que o escrito era da sua autoria, julgando incorrectamente aqueles factos, que deveriam ter sido dados como provados através do suporte probatório testemunhal e documental junto aos autos.

    6. a sentença ao subsumir-se, em sede de fundamentação de direito, às normas do ordenamento jurídico Português, citando o artigo 342° do CC, tout court, sem remissão às normas de direito material Espanhol, que é a lei competente para regular o caso concreto, praticou um erro na determinação da norma aplicável.

    7. Ora a Recorrente indicou três testemunhas no âmbito da produção de prova realizada na audiência de discussão e julgamento. Prescindiu de uma testemunha faltosa. Ambas as testemunhas presentes declararam que a letra e assinatura constante do doc. a fls. 15 dos autos era do falecido, mas tais depoimentos não foram, contudo, suficientes para convencer o Tribunal "a quo" de que, de facto, a assinatura foi feita pelo punho do José Francisco Alvarez.

    8. Assim, vem a Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 706° nºs 1 e 2 do CPC, juntar um parecer técnico sobre a letra e assinatura do falecido, pois a junção do presente exame pericial só se tornou necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância, mormente no que diz respeito à norma jurídica aplicável ao caso, com a qual a Recorrente não contava.

    9. Nestes termos, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, julgando-se a acção procedente.

  4. Foram apresentadas contra-alegações.

  5. Corridos os Vistos Legais, Cumpre Apreciar e Decidir.

    II - Factos Provados: - Foram dados por provados os seguintes factos: 1.

    José Francisco … nascido em 14/2/1938, de nacionalidade Espanhola, com única e última residência conhecida em Rua Guilhermina Suggia, n.º 28, Algueirão, Mem-Martins, faleceu em 16/11/1994.

  6. No escrito de folhas 15 consta, designadamente, que: "Eu, José Francisco …, declaro, minha Herdeira Universal, minha irmã, Maria Cândida …, como única Herdeira, dos meus bens, a saber: - ... ? ... da casa em... ? - 1/2 (correspondente ao total da minha parte) do prédio sito em R. António...? - Os meus livros e as minhas moedas.

    Todos os meus pertences pessoais.

    Lisboa 14 de Janeiro de 1991.

    Assinatura" III - O Direito: 1.

    Podem sintetizar-se, nos seguintes termos, as questões suscitadas pela Recorrente na presente Apelação: 1ª - A nulidade da sentença, por falta de fundamentação; 2ª - A alteração da matéria de facto produzida em audiência de discussão e julgamento; 3ª - Saber qual a lei aplicável ao caso concreto: se a lei Portuguesa, se a Espanhola; 4ª - Extrair as consequências jurídicas do que antecede, nomeadamente, aferir da validade formal do testamento versado nos autos à luz da lei que lhe for aplicável.

    Posto isto, temos que: 2. Quanto à nulidade da sentença: Invoca a Recorrente que a sentença é nula por falta de fundamentação, uma vez que não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a improcedência da acção.

    É verdade que a sentença recorrida se limita a uma referência breve e sincopada (demasiado sincopada, diríamos nós), quer aos factos provados quer às razões que determinaram a conclusão de improcedência da acção, numa ligeireza que a complexidade dos autos desmerecia.

    Contudo, tendo em conta que defendemos o entendimento jurisprudencial dominante de que a nulidade só se verifica quando estivermos perante uma falta absoluta de fundamentos, e não quando a decisão proferida é meramente deficiente e perfunctória, não se conclui pela violação do art. 668º, nº 1, al. b), do CPC.

    Por outro lado, constando do processo todos os elementos de prova para julgamento da presente acção, pois a prova apresentada é em parte documental - incorporada nos autos - e em parte assenta em prova testemunhal - sendo certo que os depoimentos das testemunhas se mostram gravados -, sempre caberá a esta Relação proceder, se assim o entender, à alteração da matéria de facto e à subsequente aplicação do direito, por força do princípio legal inserido no art. 712º, nº 1, alínea a), do CPC, suprindo, caso existisse, e por esta via, qualquer nulidade da sentença.

  7. Quanto à alteração da matéria de facto: 3.1.

    Alega a Recorrente que os factos foram incorrectamente julgados, porquanto foram dados como não provados, quando deveriam ter sido considerados provados.

    Conforme se expressou no ponto anterior, constam dos autos os depoimentos produzidos em audiência de discussão e julgamento pelas respectivas testemunhas, bem como os documentos apresentados.

    Pelo que, nesta matéria, sempre cabe no âmbito dos poderes da Relação qualquer modificabilidade da decisão de facto que se pretenda introduzir. Poder que nunca deixaremos de exercer desde que se mostrem reunidos os respectivos pressupostos legais.

    Ora, a questão dos autos remete-nos para uma outra, bem mais complexa: a de saber se é possível dar como provado, com base nos únicos dois depoimentos testemunhais produzidos e com ausência de qualquer prova pericial, os factos que integram o único quesito da base instrutória - cf. fls. 82.

    Ou seja: saber se o documento de fls. 15 contém a assinatura e a letra pertencentes ao falecido José Francisco …, feitas pelo seu próprio punho.

    É que estando em causa na acção o reconhecimento e a validade formal de um testamento, impõe-se apurar, previamente, se o escrito/documento de fls. 15 junto aos autos ("testamento") era da autoria do falecido, tendo sido escrito e assinado pelo próprio José Alvarez, porquanto só depois de assente...

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