Acórdão nº 00030/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Maio de 2006 (caso None)

Magistrado ResponsávelIvone Martins
Data da Resolução03 de Maio de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juizes da Secção de Contencioso Tributário (2ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul: A. O RELATÓRIO A..., LD.ª, id. nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Leiria que julgou improcedente a impugnação do IVA dos anos de 1991, 1992 e 1994 no montante global de 39.950.000$00 e respectivos juros compensatórios, no montante global de 30.471.441$00, dela vem recorrer para este Tribunal, apresentando alegações e onde formula as seguintes conclusões: 1- Por escritura pública de trespasse, datada de 23 de Dezembro de 1991, a recorrente formalizou a transmissão que efectuara, de facto, a favor do BCI, da maioria, se não da totalidade, dos bens e direitos que compunham o seu estabelecimento comercial de tecidos, modas e confecções, instalado no rés-do-chão do n.º 13 do prédio urbano sito no Largo de 5 de Outubro, em Leiria.

2- O preço acordado para a referida transmissão foi de 235.000.000$00 (€1.172.175,06), sendo que: 5.000.000$00 foi o valor atribuído às instalações eléctricas; 15.000.000$00 às instalações de ar condicionado; 5.000.000$00 às alcatifas; 190.000.000$00 aos granitos e outras beneficiações (bens corpóreos) do locado; e 20.000.000$00 o valor respeitante ao direito de gozo do locado.

3- O conceito contabilístico de trespasse não coincide -e não coincidia também à data da verificação do facto tributário - com o sentido que lhe é dado pelo direito civil. Em termos contabilísticos basta a transmissão de um conjunto de activos que integrem, em parte, um estabelecimento comercial para se encontrar preenchido o conceito de trespasse; o qual é também enformado pela mera transmissão de valores incorpóreos: local arrendado, chave do estabelecimento e /ou outros activos incorpóreos.

4- A sentença recorrida, corroborando a posição defendida pela Administração tributária, considerou, escudada numa sua interpretação das declarações negociais, que o negócio celebrado entre a recorrente e o BCI não foi o de trespasse, mas, sim, o de denúncia/rescisão de contrato de arrendamento contra o pagamento de uma indemnização no já referido valor global de 235.000.000$00, mantendo a liquidação adicional de IVA de 1991.

5- O postulado em que assenta a referida interpretação judicial e que levou a infirmar a qualificação, de trespasse, que as partes atribuíram à escritura pública outorgada no dia 23 de Dezembro, é o da celebração, posterior à da outorga dessa escritura pública de trespasse, de um contrato de arrendamento envolvendo a mesma entidade (o BCI) - na qualidade de arrendatária - que naquela escritura pública de trespasse figurava como trespassaria.

6- Neste sentido, considerou a referida sentença recorrida que a qualificação adequada da mencionada escritura pública de "trespasse" era a de denúncia/rescisão do contrato de arrendamento contra o pagamento de uma indemnização.

7- Todavia, no entender da recorrente, o negócio que mereceria ser objecto de qualificação, porquanto de designação desajustada com os efeitos que produziu, foi o posteriormente celebrado entre o BCI - já na qualidade, afinal e em virtude do referido contrato de trespasse, de arrendatário - e a Senhoria.

8- Com efeito, levando em linha de conta que o BCI pretendia exercer no locado a sua actividade bancária; que, para o efeito, realizou, nesse mesmo local e sem a necessária autorização prévia da Senhoria, obras com esse fim, e, bem assim, que a escritura pública de trespasse o investiu na qualidade de arrendatário do indicado local, conclui-se que a escritura pública outorgada pelo BCI e a Senhoria não é, afinal, uma escritura que possa ser qualificada de "arrendamento" mas, ao invés, de "aditamento (alteração) ao contrato de arrendamento".

9- É essa a conclusão que se impõe em face da situação de incumprimento do contrato de arrendamento, que implicava a precariedade do direito do"novo"arrendatário e, bem assim, da actividade (não contemplada no contrato de arrendamento) que este pretendia exercer no locado.

10- Essa qualificação é também a única que permite apreender o sentido da cláusula desse contrato (dito de arrendamento), relativa à duração do contrato, que preceitua que o mesmo tivera o seu início no dia 7 de Setembro de 1991 e, ainda, daquela que contempla a autorização para a realização de obras de adaptação, afinal, à data da outorga do contrato, já concluídas.

11- In casu, a situação pode, assim, ser descrita como a de trespasse seguido de alteração do contrato de arrendamento promovida pelo trespassado/actual arrendatário com vista à obtenção da autorização (legitimação) da Senhoria para o exercício de uma nova actividade no locado e para a realização das obras inerentes.

12- Ora, a alteração de contratos de arrendamento, designadamente no que concerne às cláusulas relativas às actividades nele compreendidas, precedida de trespasse, nunca importou, ao que supõe a recorrente, a descaracterização do negócio anterior (o de trespasse).

13- Em abono deste entendimento, convém, por outro lado, notar que a procedência do entendimento judicial quanto a esta questão da qualificação dos negócios jurídicos vertentes redundaria na admissibilidade da existência de dois contratos de arrendamento sobre o mesmo imóvel no período que decorreu entre a data à qual foi dada eficácia retroactiva ao suposto (novo) contrato de arrendamento - ou seja, 7 de Setembro de 1991 (cf. cláusula terceira do mesmo) - e a data da alegada denúncia/rescisão do contrato - ou seja, a data da escritura de trespasse (23 de Dezembro de 1991).

14- Os bens transmitidos por efeito da escritura outorgada pela recorrente no dia 23 de Dezembro de 1991 constituem, na opinião da recorrente, um ramo de actividade autónomo para efeitos contabilísticos e fiscais, pelo que, inexiste, in casu, tributação em sede de IVA -cfr. o n.°4 do artigo 3.°do Código do IVA (o BCI é sujeito passivo de IVA).

15- A qualificação promovida pelo Tribunal a quo, no sentido de que o valor recebido pela recorrente respeita a uma indemnização pela denúncia do contrato de arrendamento, não é de molde a alterar a situação jurídico-tributária da recorrente, uma vez que o recebimento a título de indemnização também não é tributado em sede de IVA.

16- Com efeito, o princípio do sistema comum do IVA, estabelecido na Sexta Directiva 77/388/CEE, de 17 de Maio de 1977, excluído âmbito de incidência do IVA as indemnizações de prejuízos que não tenham natureza remuneratória, conforme sobressai do entendimento relativo aos objectivos de tributação a que se deve dirigir o imposto, como sendo o da tributação pelo consumo, pela despesa, e que se encontra vertido na indicada Directiva comunitária: "consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exactamente proporcional ao preço dos bens e serviços, qualquer que seja o número de transacções ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior à fase de tributação".

17- Na situação em apreço, atentos os factos e o entendimento da sentença recorrida, o valor pago pelo BCI tinha efeitos de ressarcimento do prejuízo causado à recorrente pela renúncia ao contrato de arrendamento que celebrara com a Senhoria e consequente desocupação do local arrendado e, ainda, pela perda das benfeitorias levantadas no locado, pelo que, a esses valores, faltar-lhes-ia um dos pressuposto de tributação em IVA: o da sua caracterização como valores despendidos em actos de consumo.

18- Não é também pela circunstância de a renúncia da recorrente ter permitido à Senhoria a celebração de um novo contrato de arrendamento com o BCI - correspondendo, por isso, a compensação pela rescisão do anterior contrato de arrendamento -, que a indemnização estaria sujeita a IVA: a operação sub judice beneficiaria, neste caso, da isenção prevista no artigo 9.°, n.°30, do Código do IVA, uma vez que o arrendamento também era isento, como, aliás, é entendimento da própria Administração tributária -cfr. Acórdão de 15 de Dezembro de 1997, Processo C-63/92, Lubbock Fine & Co.,do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

19- Acresce que a desconsideração dos bens transmitidos como ramo de actividade independente e autónomo - pressuposto básico da aplicação do regime da não sujeição previsto no n.° 3 do artigo 4.° do CIVA" -, como parece resultar, contraditória e paradoxalmente, do relatório dos Serviços da Administração tributária, também não prejudicaria, pelo menos em parte, a conclusão alcançada relativamente à não tributação em IVA das operações em apreço. Nesta situação, a operação seria obrigatoriamente decomposta numa transmissão de bens corpóreos (prevista no artigo 3.°, n.° l, do Código do IVA) e numa transmissão de...

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