Acórdão nº 0621/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A…, S.A., com os demais sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de improcedência da impugnação judicial deduzida contra os actos de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativos aos exercícios de 1995 a 1997, e respectivos Juros Compensatórios, no montante total de € 4.050,07.

A recorrente finalizou a sua alegação de recurso com as seguintes conclusões: 1. A douta sentença recorrida estriba-se numa fundamentação ambivalente que não dá a conhecer as razões pelas quais operou a qualificação do concreto contrato em causa como sendo de Know-how, assentando num juízo conclusivo de qualificação subsuntiva não reportado às concretas circunstâncias do caso e omitindo os referentes legais pertinentes in casu, razão pela qual padece de nulidade.

  1. Está em causa no presente recurso a tributação, a título de royalties, da retribuição do contrato celebrado pela recorrente com uma sociedade belga com base na cedência (licenciada) de utilização de software (programa de computador).

  2. Nos termos do contrato, ocorre apenas a cedência do uso do software, por aquisição das respectivas licenças, permitindo ao utilizador do programa a sua utilização, configurando-se a retribuição apenas e só como o uso “dos direitos de autor” limitado ao direito de exploração e de execução do programa.

  3. Não está pois em causa a alienação total ou parcial de direitos de autor, revelada pela possibilidade de “autorização de reprodução e distribuição ao público de software que incorpore o programa objecto de direitos de autor ou de modificação e difusão pública do programa”, nem está em causa a transferência das informações e princípios em que assenta o programa, tais como os algoritmos, linguagem, técnicas de programação para utilização desses elementos por parte do adquirente (ou seja, o know-how da elaboração do programa de computador) que permitiriam a classificação do presente contrato como sendo de know-how e em que a retribuição pudesse ser classificada como royalty.

  4. Trata-se, ao invés, da cedência de uso de um software para aplicação directa na actividade da recorrente, ao nível do desenho de estruturas metálicas, não se configurando qua tale como uma transferência da tecnologia que permitiu a criação do programa, mas apenas a aplicação do resultado - programa de computador - no exercício de uma actividade concreta sem conexão com a exploração do know-how aplicado na construção do programa de computador.

  5. Não podendo esse contrato ser qualificado como de know-how, conforme o entendimento manifestado pelo Tribunal a quo.

  6. Os rendimentos resultantes da cedência de software auferidos por entidade não residente e sem estabelecimento estável em Portugal constituem rendimentos comerciais e não rendimentos de qualquer outra categoria, não sendo possível qualificá-los como “rendimentos provenientes da propriedade intelectual ou industrial e da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico”.

  7. Tal decorre do facto do software não constituir um típico direito de propriedade intelectual em Portugal, tendo o legislador nacional reservado o termo “obras” para as criações intelectuais do domínio literário, cientifico e artístico protegidos pelo CDADC e rejeitado intencionalmente a qualificação dos programas de computador como obras literárias, negando mesmo qualquer protecção aos programas que não possuírem criatividade, não obstante lhes poder atribuir, se tiverem criatividade, protecção análoga à dos direitos de autor.

  8. Em todo o caso, a sua qualificação como direito autoral é incompatível não só com o regime legalmente instituído, mas também com os princípios do direito de autor.

  9. De facto, a lei recusou-se a tratá-los como direitos de autor (e.g. obra literária), tanto aquando da rejeição da sua inclusão no artigo 2.º do CDADC (lembre-se que chegaram a constar desse elenco no âmbito do ante-projecto), como, mais recentemente, quando foi transposta a Directiva Comunitária sobre software e foi publicado o Decreto-Lei n.º 252/94, de 20 de Outubro (o diploma do software).

  10. Ao prescrever expressamente que se devem entender como rendimentos da propriedade intelectual os “direitos de autor” são estes e não outros - ainda que tutelados em parte pelo regime autoral - os que se podem entender sujeitos a imposto como tal.

  11. A subsunção dos programas de computador a direitos de autor ou a ampliação do conceito previsto no n.º 5 do artigo 3.° às “realidades tuteladas pelo regime dos direitos de autor e direitos conexos” não se afigura legítima, negando a posição assumida em termos autorais (violando os próprios artigos 11.º, n.º 2, da LGT e 1.º do Decreto-Lei n.º 252/94, de 20 de Outubro), na medida em que se estariam a considerar os programas de computador como “obras” para efeitos autorais quando o legislador português rejeitou essa qualificação; a segunda, consistiria em preencher uma lacuna com o recurso à analogia, de modo a estender a norma de incidência a situações de facto não expressamente reguladas na lei.

  12. Os princípios gerais de interpretação parecem-nos exigir aqui que o direito fiscal receba aquela qualificação tal quale a mesma é feita no âmbito daquele ramo do direito, impossibilitando-se o preenchimento de lacunas com o recurso a interpretações engenhosas de equiparação. Na verdade, neste domínio particular, os princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade impedem tal equiparação para efeitos de tributação.

  13. Os rendimentos provenientes da cessão do uso de programas de software (e,g. intangíveis) não podem ser sujeitos a tributação em Portugal como rendimentos da propriedade intelectual sob pena de violação da lei e de inconstitucionalidade dos artigos 3.° n.º 5 e 5.º n.º 1, m), do CIRS, aplicável de acordo com o disposto no artigo 3.° 1, d) do CIRC quando interpretados no sentido de que aí se consideram abrangidas realidades tuteladas pelo regime dos direitos de autor e direitos conexos, por violação do princípio da legalidade fiscal. O mesmo se dizendo da norma do artigo 4.º n.º 3, c) do CIRC se interpretado na mesma dimensão normativa.

  14. Por outro lado, caso os programas de computador não sejam considerados como uma obra literária, artística ou científica num determinado Estado, esse mesmo Estado está impedido de subsumir os pagamentos correspondentes ao termo royalties e de os tributar em conformidade com o artigo 12º de qualquer convenção bilateral que se possa eventualmente invocar uma vez que a aplicação do n.º 2 desse artigo exige que o software seja classificado como obra literária, artística ou científica.

  15. Portugal tem seguido o Modelo de Convenção da OCDE (versão de 1977) que dispõe no seu artigo 12.º, relativamente às royalties, que estas constituem “retribuições de qualquer natureza atribuídas ou pagas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, bem como os filmes e gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão, de uma patente, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secreto, bem como pelo uso de um equipamento industrial, comercial ou científico e por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico”.

  16. Tem sido esta a formulação presente em praticamente todas as convenções bilaterais assinadas por Portugal, sendo que não obstante a reserva formulada no sentido do Estado português se reservar “o direito de tratar e tributar como royalties os rendimentos a título de software que não sejam obtidos da transferência total de direitos relativos a software”, apenas na Convenção Bilateral assinada com o Estado de Singapura foi acolhida tal formulação.

  17. Daí decorre, como salienta Francisco Sousa da Câmara, que o “Estado Português não utilizou o direito (a que se arrogou) na celebração das suas convenções bilaterais”, devendo ser perscrutado nos diversos textos pactícios o regime regulador das relações fiscais entre os Estados signatários.

  18. Assim sendo, a “reserva” introduzida no âmbito da convenção modelo não se sobrepõe às concretas condições bilaterais convencionadas entre os Estados se o respectivo conteúdo não constar desses específicos instrumentos pactícios, sendo o conteúdo acordado bilateralmente aquele que estabelece as condições acordadas em termos de regulamentar as relações entre os países que firmam a convenção bilateral.

  19. É absolutamente irrelevante para a aferição do conteúdo da convenção Portugal-Bélgica, a menção de que Portugal se reserva o direito de tributar como royalties os rendimentos derivados do software quando essa “cláusula” não se encontra expressamente prevista no texto bilateralmente acordado, significando, desse modo, que Portugal não fez valer nos acordos bilaterais a reserva que fez constar da Convenção Modelo, sendo até posterior à celebração do acordo aqui em causa.

  20. Nestes termos, não pode subsumir-se a factualidade em causa no âmbito da previsão do artigo 12.º da Convenção, outrossim deve a mesma ser reconduzida ao âmbito do estipulado no artigo 7.º desse texto, não sendo tributável o rendimento ilegalmente exigido in casu pela administração fiscal.

    Termos em que e nos mais de direito, se requer a V. Exas. que, na procedência do recurso, se dignem revogar a sentença recorrida e, em substituição da mesma, proferir douto acórdão que julgue a impugnação totalmente procedente, com todas as legais consequências.

    1.2.

    Não foram apresentadas contra-alegações.

    1.3.

    O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso, aduzindo para o efeito a seguinte argumentação: «A recorrente insurge-se contra o entendimento do tribunal “a quo” ao qualificar o contrato celebrado como um contrato de...

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