Acórdão nº 048147 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Janeiro de 2002

Magistrado ResponsávelABEL ATANÁSIO
Data da Resolução24 de Janeiro de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A....., com os demais sinais constantes dos autos, recorre jurisdicionalmente do acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 10.05.01, que negou provimento ao recurso contencioso interposto do despacho do Ministro da Justiça, de 9.06.98, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão.

Culminou a sua alegação, formulando as seguintes conclusões: I. Acerca da prática de um mesmo facto punível, seja em termos disciplinares ou criminais, não podem derivar provas contraditórias.

II.No processo disciplinar, não pode ser imputado ao arguido a prática de determinados factos que o processo criminal considera inexistentes.

  1. Outrossim, não se pode sustentar que no processo disciplinar ocorreu um evento e no processo criminal vir dizer que o mesmo evento não se verificou.

  2. Assim, o Tribunal Criminal de Setúbal condenou o recorrente pela prática de adulteração de 3 documentos "vendas a dinheiro" entregues pelo fornecedor do Cartório no valor de Esc.: 89 052$00, sem que o arguido se tivesse apropriado dessa quantia.

V - Por seu turno, no processo disciplinar ora em recurso o arguido foi condenado pela apropriação, à custa do Estado, da quantia referida no número anterior mediante adulteração dos documentos em causa.

VI - O Tribunal Criminal condenou o arguido pela apropriação, à custa do Estado, de Esc.: 343 490$00, sem que tivesse falsificado as facturas correspondentes.

VII - Contudo, em sede disciplinar, o ora recorrente foi condenado pela apropriação, à custa do Estado, de Esc.: 607 598$00, mediante falsificação das facturas correspondentes onde se incluem as que respeitam is verbas não consideradas no número anterior.

VIII - O acórdão ora em recurso, confirma a imputação ao arguido do locupletamento de Esc.: 708 140$00, à custa de diversos interessados numa partilha, enquanto em sede criminal o arguido foi absolvido da prática de tal ilícito.

IX - O recorrente foi condenado em sede disciplinar por locupletamento à custa de utentes de "importância indeterminável" derivada de gratificações e procuradoria ilícita X - O Tribunal Criminal julga inexistente a procuradoria ilicita imputada ao arguido no número anterior e não lhe imputa qualquer locupletamento.

XI - Na sequência do recurso interposto pelo arguido para o Venerando Tribunal da Relação de Évora, pedindo a sua absolvição, o Exmo Procurador Geral Adjunto deste Tribunal Superior emitiu douto Parecer que entende não ser viável a decisão condenatória, nos termos em que se veio consubstanciar uma vez que se dão como provados factos antagonicos e inconciliáveis.

XII - Promovendo a repetição do julgamento.

XIII - O artigo 7º nº 2 do Estatuto Disciplinar possibilita a aplicaçao de uma pena disciplinar mesmo que não haja punição criminal.

XIV - Porém, o processo disciplinar subordina-se ao processo criminal no caso de existir pena acessória de demissão no processo crime (vide nº 3 do art.º 7º do Estatuto Disciplinar).

XV - Motivo porque, não havendo autonomia plena entre os dois processos, e atentos os fundamentos invocados nos artigos anteriores das presentes conclusões, deve ser atendida a repercussão da prova criminal no processo ora em recurso, pretensão a que o douto acórdão recorrido não deu provimento.

XVI - O tribunal "a quo" também julgou improcedente a invocada falta de audiência do arguido consubstanciada na falta de um prazo razoável para apresentação da sua defesa, sustentando que os 20 dias úteis concedidos corresponde ao máximo do prazo normal fixado do art.º 59º nº 1 do Estatuto Disciplinar.

XVII - Sucede que o processo revestia complexidade pelo número e natureza das infracções, o arguido foi confrontado com uma pena de demissão da função pública mediante notificação recebida em cima das férias judiciais, com um processo de milhares de páginas e com a necessidade de compilar documentos e reconstituir factos que se reportam a vários anos passados.

XVIII - Dificuldades que também se consubstanciaram na constituição de um advogado que assumisse a sua defesa num período de descanso judicial, e com a agravante de ser obrigado a consultar livros de escrituração no 2º Cartório Notarial de Setúbal, sito a 50 Km do seu local de trabalho.

XIX - Acresce que o poder discricionário relevado pelo douto acórdão recorrido tem de ser balizado em termos de adequação à complexidade do processo em causa e com observância do art.º 59º nº 5, do Estatuto Disciplinar, violado pela instrução atentos os circunstancialismos mencionados em XVII e XVIII do presente recurso.

XX - De realçar também que a pena de demissão com repercussões na vida pessoal do arguido e na dos 3 filhos que dele dependem também justificavam o deferimento do pedido de prorrogação, uma vez que é natural que os primeiros 10 dias nem sequer sejam suficientes para digerir a ameaça da perda do pão.

XXI - E provou-se, à sociedade, que o Sr. Instrutor do processo disciplinar errou, de forma grosseira e manifesta, bastando confrontar a prova produzida em sede criminal com a prova produzida em sede disciplinar.

XXII - Não tendo o arguido tempo e oportunidade de demonstrar a sua inocência como o fez na abertura de Instrução e na contestação da pronuncia.

XXIII - Motivo porque o douto acórdão da Vara Mista de Setúbal imputa ao processo disciplinar alguma estupefacção pelo facto de mais ninguém ter sido objecto de investigação e responsabilização no Cartório Notarial Setúbal.

XXIV - O direito de prorrogação do prazo de defesa negado ao arguido e de cujo recurso o Tribunal "a quo" julgou improcedente, violou não só os citados artigos 42º nº 1 e 59º nº 5 do Estatuto Disciplinar mas também as garantias de defesa constitucionalmente consagradas e que vinculam a entidade sancionatória (vide artºs 32º nº 10 e art." 18 nº 1 da Constituição da República Portuguesa, com referência ao art.º 6º nº 3 b) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e ainda art.º 17º da C.R.P.).

XXV - Impugna-se também os critérios de valoração da prova que sobrestimou aquilo que considera circunstancias agravantes e ignorando, de forma sistemática a inegável competência técnica do arguido, com a agravante de desresponsabilizar todos os superiores hierárquicos a quem o arguido devia obediência funcional.

Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências se requer a revogação do douto acórdão recorrido que deu pleno provimento à decisão de Sua Excelência o Senhor Ministro da Justiça.

A entidade recorrida não contra alegou.

O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do improvimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

O acórdão recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: a) - no processo disciplinar instaurado ao recorrente, e apenso aos presentes autos, foi contra o mesmo deduzida a seguinte acusação: «Deduzo contra A......., com certificado do registo disciplinar nos autos a fls. 622, actualmente a desempenhar funções de 2º Ajudante do 2º Cartório Notarial de Almada, acusação em processo disciplinar, nos termos do nº 2 do artº 57º do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Dec Lei. nº 24/84 de 16 de Janeiro, porquanto: 1º No período a que se reportam os factos, infra descritos, o arguido era escriturário no 2º Cartório Notarial de Setúbal, onde se manteve até ao dia 14.04.94, véspera do dia em que tomou posse como 2º Ajudante do Cartório Notarial de Montemor-o-Novo.

  1. Pelas suas mãos passou, por incumbência da notária Lic. B....., ora aposentada, pelo menos desde o inicio do ano de 1991 até à sua saída para Montemor-o-Novo, toda a contabilidade dos Serviços Sociais, cabendo-lhe, assim, guardar as receitas oriundas dos 3% do rendimento ilíquido do Cartório, realizar e liquidar as correspondentes despesas, escriturar o livro auxiliar respectivo, conferir e arquivar a documentação comprovativa dessas mesmas...

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