Acórdão nº 0130/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Setembro de 2003

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução24 de Setembro de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A...

interpôs no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, mas dirigido a este Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso de anulação do despacho do Senhor Secretário de Estado do Desenvolvimento Rural e das Pescas de 18 de Julho de 2001 que aprovou e constitui e integra a Portaria n.º 849-C/2001 de 25 de Julho - publicada no Diário da República, I Série-B, n.º 171, de 25 de Julho de 2001, págs. 4564 (3) e (4) - que criou a zona de caça municipal de Portimão pelo período de 6 anos e transferiu a sua gestão para a Federação de Caça do Sul de Portugal, delimitando a área incluída e estabelecendo as demais condições.

O Recorrente sustenta que são materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, as normas do art. 16.º, n.º 2, da Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro, e dos arts. 24.º, 25.º e 26.º do Decreto-Lei n.º 227-B/2000, de 15 de Setembro, em que se baseou o acto recorrido, imputa-lhe vícios de violação de lei, relativos ao acto de aprovação da Portaria referida e por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, e ainda vício de incompetência.

O processo foi remetido pelo Tribunal Administrativo do Círculo do Porto ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, sendo este último Tribunal que ordenou a notificação da Autoridade Recorrida para responder.

A Autoridade Recorrida respondeu, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso e suscitando a questão prévia da incompetência do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa para o conhecimento do recurso.

O Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa proferiu despacho reconhecendo que tinha havido lapso na remessa do processo a esse Tribunal e ordenou o seu envio a este Supremo Tribunal Administrativo.

A recorrida particular, FEDERAÇÃO DE CAÇA DO SUL DE PORTUGAL, contestou, defendendo o não provimento do recurso e a não verificação de uma situação de incompetência.

O Recorrente veio a apresentar alegações com as seguintes conclusões: l. O despacho recorrido é ilegal por se basear nas normas do art. 16º, nº2 da Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro, e dos arts. 24º, 25º e 26º do Decreto-Lei n.º 227-B/2000, de 15 de Setembro, feridas de inconstitucionalidade.

  1. O art. 16º da Lei n.º 173/99 de 21 de Setembro de 1999, ao restringir ao estabelecimento das zonas de caça mediante concessão a necessidade de acordo prédio dos proprietários ou outros detentores de direitos de gozo ou utilização dos terrenos, discriminou e excluiu expressamente as zonas de caça de interesse nacional ou municipal, aí permitindo a desnecessidade do acordo prévio dos titulares de direitos referidos.

  2. Os arts. 24º, n.º 1, 25º e 26º do Decreto-Lei n.º 227-B/2000, de 15 de Setembro de 2000, estabeleceram termos de cuja conjugação resulta uma situação idêntica à do referido art. 16º da Lei n.º 173/99, pelo que também neles é feita uma discriminação e distinção entre os proprietários e detentores de direitos sobre terrenos incluídos em zonas de caça de interesse municipal ou nacional, por um lado, e os proprietários de terrenos incluídos em zonas de caça de interesse turístico ou associativo, por outro.

  3. Deste modo as normas em causa criam uma dualidade de situações que acabam por constituir uma discriminação entre proprietários de terrenos incluídos em zonas de caça municipais e proprietários de terrenos incluídos em zonas de caça associativa ou turística pelo que são inconstitucionais por notória e essencial violação do Princípio da Igualdade de tratamento dos cidadãos.

  4. Por outro lado, as normas em causa, ao permitirem a criação de uma zona de caça de interesse municipal sem necessidade de autorização do proprietário ou usufrutuário, e contra a sua vontade, também são inconstitucionais.

  5. Porque criam sobre o direito de propriedade um ónus efectivo, com redução dos direitos de normal uso e fruição pelo proprietário e com a concessão de direitos de fruição a terceiros, contra vontade dos proprietários, e sem que lhe seja atribuída uma qualquer contrapartida ou compensação, como justo ressarcimento (direito indemnizatório de que o nº2 do art. 62º da C.R.P., como regra geral, faz eco), 7. E porque representam ainda uma redução dos direitos dos proprietários que se vêem proibidos de, com liberdade e mesmo que de acordo com estipulado regime legal e regulamentar, caçar nas suas próprias propriedades, ou conceder esse direito conforme o seu interesse.

  6. Deste modo as normas do art. 16º, nº2 da Lei n.º 173/99, de 21-IX e os arts.24º,25º e 26º do D.L. 227-B/2000, de 15-IX representam uma violação inaceitável e injustificada ao direito de propriedade consagrado e garantido no art. 62º da Constituição da República, direito equiparado aos Direitos, Liberdades e Garantias, pelo que são, com este conteúdo e este sentido, inconstitucionais.

  7. Acresce aos fundamentos do presente recurso os vários vícios do acto de aprovação da portaria n.º 849-c/2001, de 25 de Julho, concretizado no despacho de 18 de Julho de 2001 10. Ao basear-se nas normas atrás indicadas comprovadamente ilegais e inconstitucionais, a Portaria em apreço ficou afectada pelo vício de violação da lei, em duplo sentido.

  8. Por um lado por a fundamentação e o processo estarem baseados na não exigibilidade do acordo dos proprietários, usufrutuários ou detentores de outros direitos de gozo sobre os terrenos abrangidos, não exigibilidade ilegal por se apoiar em normas inconstitucionais, como comprovado.

  9. Por outro lado, a aprovação da Portaria e a criação da zona de caça em causa também violam a lei por não aplicar neste processo as, necessariamente gerais, regras do art. 16º, nº 2 da lei n.º 173/99, e dos arts. 31º, nº2, al. c) e 32º do D.L. n.º 227-B/2000, no sentido constitucionalmente correcto e com respeito pelo Princípio da Igualdade.

  10. Mas o acto recorrido também está ferido do vício de erro nos pressupostos de facto e de direito, nomeadamente ao considerar que, na aprovação e criação da zona de caça municipal de Portimão, se estava prosseguindo o interesse municipal, ou englobando terrenos ou áreas consideráveis como terrenos cinegéticos não ordenados.

  11. Mal ciente desta situação, ou eventualmente apoiado em informação incorrecta, o despacho do Senhor Secretário de Estado está, assim, baseado em incorrectos e errados pressupostos de facto, no que toca à caracterização e qualificação na zona de caça da área da Quinta do recorrente e de outras áreas limítrofes.

  12. Acresce a falta de elementos que permitam fundamentar a petição da criação da zona de caça e, por maioria de razão, a falta do mínimo de fundamentação justificativa da sua aprovação.

  13. O processo não apresenta uma planta com identificação da área a englobar na zona de caça, não são apresentadas as características e condicionantes urbanísticas do Plano Director Municipal de Portimão ou de outros instrumentos de regulação e ordenamento do território, que permitam verificar da enquadrabilidade da área na pretensão.

  14. No caso concreto da propriedade do recorrente o despacho - pela falta de informação e fundamentação - nem sequer cuidou de verificar se estava a abranger zonas à partida obrigatoriamente excluídas de qualquer zona de caça, nos termos das alíneas h), i) e n) do art. 2º do D.L. 227-B/2000 de 15-IX.

  15. Falta assim um elemento essencial do requerimento de candidatura, exigido pelo art. 24º, nº2, al. b) do D.L. 227-B/2000 e art. 1º, n.ºs. 5 e 7, da Portaria n.º 467/2001, de 8-V.

  16. A chamada "planta de localização", à escala 1:1.000.000, é apenas uma simples fotocópia de um mapa de Portugal, e até tem uma "bola" indicativa aposta em Monchique e não em Portimão, não cumpre a função legalmente exigida, nem dá a informação mínima que justifica essa exigência legal.

  17. Falta também a prova ou verificação de um pressuposto exigido pelo art. 8º, n.º 1, al. b) do D.L. 227-B/2000.

  18. De facto uma zona de caça municipal pressupõe "proporcionar o exercício organizado da caça a um número maximizado de caçadores" que se deverá verificar existir, e na candidatura da Federação o número de caçadores não é especificado e o número de propostos caçadores não é estimado.

  19. Caberia à requerente comprovar como a pretensa zona de caça iria organizar o seu exercício a um número maximizado de caçadores, o que não fez, com notória falta de um pressuposto legalmente exigido.

  20. Não se mostra também que tenha sido solicitado e obtido - ao menos tacitamente - o parecer do Instituto da Conservação da Natureza, como exige o art. 17º, nº3 do D.L. 227-B/2000 citado. Ora tal consulta é essencial para comprovar que a pretendida zona de caça não engloba terrenos não cinegéticos e áreas de protecção ou de refúgio da caça.

  21. A falta deste pressuposto legal constitui violação da lei e vicia a fundamentação do processo e o despacho recorrido.

  22. E não estando comprovada a existência de um qualquer interesse nacional ou municipal em ordenar a área da propriedade do recorrente como zona cinegética, onde não há fauna ou espécies cinegéticas a preservar.

  23. No processo administrativo está junta uma minuta de edital, mas não há qualquer nota ou prova de qualquer publicitação ou publicação de edital, por forma a ser potencialmente conhecido dos seus destinatários.

  24. Acresce ainda que a Portaria em crise estabelece, no seu ponto 5º, que "com carácter excepcional, justificado pela alteração normal das circunstâncias, motivada pela complexidade de procedimentos inerentes à entrada em vigor e consequente execução da Lei n.º 173/99, de 21-IX e do Dec.-Lei n.º 227-B/2000, de 15-IX e em beneficio do princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, não se aplica o determinado no n.º 3 do n.º 7 da Portaria n.º 467/2001, de 8-V'.

  25. Assim, constituindo a Portaria n.º 467/2001 um regulamento dimanado de um Ministério (vide Freitas do Amaral, DIR. ADMVº, III, pág. 51) a Portaria agora em crise, como acto individual...

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