Acórdão nº 01494/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Julho de 2004

Magistrado ResponsávelCÂNDIDO DE PINHO
Data da Resolução08 de Julho de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Subsecção da 1ª Secção do STA I- A...

e mulher, B...

, recorrem jurisdicionalmente da sentença do TAC de Lisboa que, nos autos de acção ordinária para efectivação de responsabilidade civil extracontratual movida contra o Estado Português, numa parte decidiu pela procedência da excepção peremptória de prescrição, e na parte restante julgou a acção improcedente. Nas alegações, concluiu: «1. Os actos da Administração em foco nesta acção integram um conjunto sequencial, relacionados entre si, tiveram por objectivo ou alvo o A., e também como resultado necessário e iniludível atingir o A. marido, provocando-lhe danos. Trata-se de actos e/ou condutas marcadamente anómalos e deles se destacam os principais que são claramente ilegais ou viciados, consubstanciando actos ilícitos.

  1. A ilicitude da apreciada conduta da Administração também se revela no empenho que os seus agentes colocaram em atingir o A. marido de forma directa, iníqua, ilegal, com manifesto abuso e desvio de poder, ou ainda sem qualquer critério adequado, que culminou com a produção de um estado incapacitante ao A., levando ao seu afastamento do trabalho e à impossibilidade do seu retomo, já em Junho de 1991 e depois dessa data, acabando por ter de se aposentar.

  2. No que concerne à prova, ainda que o respectivo ónus fosse dos AA, eles produziram a prova que lhes competia e era possível e exigível, designadamente no que concerne aos despachos de delegação de competências, para verificação da sua inexistência, juntando a cópia da respectiva publicação em Diário da República.

  3. E sendo um documento oficial e por se reconverter a uma disposição legal reguladora da actividade da administração, também se pode entender que dela caberá oficioso conhecimento ou indagação por parte do Tribunal.

  4. Certo é que os AA. cumpriram com diligência o que deles era exigível a esse respeito, inclusive pelas regras da repartição do ónus da prova. E, tendo-a feito, como fizeram, devia ter sido dado como provado o facto não haver delegação de competências ao Director de Serviços, para o aludido acto, para o qual não tinha competência própria.

  5. Ora, quer a dita deslocação do A. marido da Tesouraria de Cascais para a de Carcavelos e colocação nesta quer os actos pelos quais foi determinada e executada, incluindo aqueles praticados pelo Tesoureiro Gerente da TFP de Cascais e relativos à proibição de o A. entrar nela, se erguem como actos ilegais e ilícitos, aliás pelos quais começou a conduta censurável que se imputa ao Estado, praticada pelos respectivos agentes, dirigentes dos serviços e superiores hierárquicos do A. marido.

  6. No que concerne à resposta ao quesito 4°, os documentos citados e constantes dos autos contradizem-na, não sendo os depoimentos testemunhais o meio idóneo para a respectiva prova, mas sim o documental, tanto mais quando competia ao Estado o ónus da prova e ele próprio, mais do que os particulares, dispõe dos elementos e documentos apropriados à respectiva prova, que lhe competia fazer, de modo cabalmente esclarecido.

  7. O próprio senhor Tesoureiro Gerente da 1ª TFP de Cascais, reconheceu ter sido movido por animosidade contra o A, como disse seu depoimento prestado em Tribunal e que ficou registado por gravação: nele, esse mesmo superior hierárquico do A. reconheceu expressamente, no seu depoimento, que agiu contra o A. e que nisso foi motivado por ter ficado contrariado com a reacção de desagrado do A. quanto à transferência para a 2ª TFP de Carcavelos.

  8. Tal notação não podia ser desatendida pela sentença recorrida, pelo relevo que tem em relação à matéria de facto em apreço na acção, pois trata-se de um elemento de prova directo e insofismável. Tanto mais que ao Tribunal a quo também fundamentou no depoimento dessa testemunha as suas respostas aos quesitos; não se vendo como nessa parte tão importante tenha sido ignorado ou silenciado.

  9. Ora, as palavras e o sentido desse concreto depoimento, aliás repetido quando sobre isso instado, é de molde a conduzir a respostas completamente diferentes e no sentido de "provado", quanto aos quesitos 23°, 24° e 33°, assim devendo ser alteradas.

  10. Além disso, esse elemento é importante para a apreciação da causa (aliás, em conjunto com o facto da animosidade revelada pela outra Tesoureira Gerente, da 2ª TFP de Carcavelos, de que a própria sentença dá expressiva conta), pois são factos que também relevam para afastar a tese da prescrição invocada na acção, dada a qualificação que tais condutas têm de receber, com o aumento do prazo prescricional, bem como porque se erguem como factos novos, que permitem esse outro enquadramento e qualificação, do qual nasce o direito à reparação e à acção, bem como o cômputo do correspondente prazo prescricional de cinco anos (cfr. art° 498°, nºs. 2 e 3, do Cód. Civil).

  11. No que concerne ao auto de notícia e subsequente processo disciplinar, pela consideração de faltas injustificadas ao A. nos dias de gozo de licença de casamento, transparece claramente a ilegalidade e ilicitude do acto, violando direitos de personalidade do A. e direitos como funcionário.

  12. A sentença recorrida devia ter dado como provada (v. quesito 10°) a paralisação do processo disciplinar, cerca de seis meses, sem qualquer justificação, na fase da decisão e já quando completamente instruído e com os pareceres finais, quando isso mesmo resulta expressivo dos próprios documentos, designadamente dos despachos que nele existem e como consta do processo instrutor; pois é uma realidade iniludível e absolutamente evidenciada pelo próprio processo (directamente pelos factos verificáveis pelo Tribunal), pelo que se impunha uma resposta positiva de "provado" ao quesito 10°, pelo que se requer seja alterada a negativa.

  13. É absolutamente censurável, ilegal e ilegítima, uma conduta, como no caso, de um superior hierárquico que não se coíbe de, mesmo perante algum desagrado (o que, no caso, nem se provou existir), lance mão de expedientes iníquos para atingir um funcionário seu inferior hierárquico, designadamente fazendo instaurar-lhe processo disciplinar por pretensas faltas dadas por ocasião do seu casamento.

  14. E que declara faltas por doença justificadas com atestado médico, considerando-as, sem mais, injustificadas e dando origem a novo processo disciplinar com a suspensão de vencimento, como ficou provado.

  15. É nula a sentença que recolhe factos trazidos por testemunha e por via da posição processual do Estado, factos esses novos, mas sem qualquer articulado competente; e que o Tribunal vem a considerar, designadamente como consta do teor dos pontos 6.1., 6.2., 6.3. e 6.4. da sentença.

  16. Existe falta de fundamento para as respostas negativas aos quesitos 9º, 10º, 13° e 32°, e para a redução nas respostas aos quesitos 14°, 15°, 16°, 17° e 18°, pois a umas e outras devem ser alteradas, dado que dos autos constam elementos suficientes e seguros para que a todos esses quesitos sejam dadas respostas de "provado", sem qualquer ressalva ou redução.

  17. Ficou assente, face à resposta dada ao quesito 35° que os factos ali aludidos e que acima se analisaram, produzidos pela Administração (ou pelos seus serviços e agentes superiores hierárquicos do A. marido) foram o que motivou o A. a entrar em grave depressão totalmente incapacitante.

  18. Conjugada com as respostas aos quesitos 43°, 43°-A e 47°, resulta que essa doença está intimamente relacionada com o ambiente de trabalho do A., com os problemas que ali lhe foram colocados e com os actos de que foi alvo, ao ponto de se ter desenvolvido, complicado e agravado o sindroma reactivo depressivo, bem como despertados receios, inclusive de carácter persecutório, ansiedade marcada e hipocinésia. Doença que reactivava e se agravava quando era representado o retorno ao meio laboral.

  19. Por isso, esse contexto de doença grave do A. motivou o seu afastamento do trabalho e, depois, como consequência necessária, a sua apresentação em 13.05.1992 (cfr. al. E da especificação).

  20. A sequência dos factos e os danos por eles produzidos relacionam-se lógica e coerentemente, como causa e efeito, devendo ser apreciados no quadro do seu contexto e da interacção que se estabeleceu de uns para outros, concluindo-se necessariamente pela existência de um forte nexo de causalidade entre os factos ilícitos da Administração e os danos produzidos nos AA; sendo que esses factos ilícitos, alguns até qualificáveis criminalmente, na sua sequência contínua e interrelacionada, que vai para lá do ano de 1990, foram aptos a produzir aqueles males ou tiveram-nos, objectivamente, como resultado, sendo que a Administração e/ou os seus dirigentes e agentes nada fizeram para os minorar, nem para os atalhar.

  21. Os factos de onde emerge o resultado danoso, embora nascendo em 1998, desenvolveram-se e continuaram a existir ainda em 1989, 1990 e 1991, sendo que só em Março de 1992 é que se conclui todo esse desenlace com a declaração da incapacitação total do A. e a sua aposentação.

  22. Além da conduta activa da Administração, dos seus dirigentes e agentes, de que o A. foi alvo, dada a sua relação funcional e laboral, também existe uma grave conduta omissiva de não prevenção ou solução de tais males.

  23. Sobretudo pelos actos praticados entre os quais se inclui o facto de uma Junta Médica, em Junho de 1991, ter imposto ao A. o regresso ao trabalho, em vez de acautelar as providências ajustadas...

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