Acórdão nº 0322/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelANTÓNIO MADUREIRA
Data da Resolução18 de Outubro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO 1. 1. A…, SA e B…, devidamente identificadas nos autos, intentaram, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, contra IHERA – Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente, acção de responsabilidade contratual, pedindo, a final, que o Réu fosse condenado a pagar às Autoras a quantia de Esc. 145.009.997$00, ao abrigo do artigo 215°, n° 2, do DL n° 405/93 [alínea a)], ou, em alternativa, a quantia de Esc. 141.834.555$00, a título de danos emergentes e de lucros cessantes, nos termos do artigo 177°, n° 1, do DL 405/93 [alínea b)]; em qualquer dos casos acrescido de 99.429.999$00, a título de manutenção em obra dos meios técnicos e humanos afectos à empreitada, nos termos do artigo 6° A do CPA e artigo 227° do CC [alínea c)]. E, ainda, juros de mora à taxa legal, os quais diziam ter ascendido, em 30 de Novembro de 2000, aos seguintes valores: i) Esc. 8.144.398$00 relativos ao pedido formulado na alínea a) anterior, ou, em alternativa, e sem conceder; ii) 7.966.050$00, relativos ao pedido formulado na alínea b) anterior, em qualquer dos casos acrescido de iii) Esc. 6.225.727$00, relativos ao pedido formulado na alínea c) anterior. E, ainda, juros moratórios vincendos até integral pagamento, custas e procuradoria condigna.

Por sentença do TAC de 29/10/2010, a acção foi julgada totalmente improcedente e o Réu absolvido do pedido.

Com ela se não conformando, as Autoras interpuseram recurso para este Supremo Tribunal, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões: A. As Recorrentes pretendem requerer a reapreciação da matéria julgada não provada pelo Tribunal a quo, entre outra, a matéria vertida nos quesitos 6° a 10º que se reconduz aos prejuízos que invocaram.

  1. Tendo procedido à audição dos depoimentos das várias testemunhas inquiridas, aquando da realização da audiência de discussão e julgamento, as Recorrentes verificaram que o depoimento da testemunha C…, prestado no dia 21 de Outubro de 2010, deixa de ser completamente perceptível a partir do minuto 1:28:00 até ao minuto 1:34:30, embora, a partir do minuto 1:24:00, apenas se oiça a dita testemunha a espaços. Registe-se que, posteriormente, no período de 1:39:00 até 1:42:00 também se deixa de ouvir, o mesmo sucedendo a partir de 2:02:00.

  2. Estamos parente uma evidente deficiência no registo do depoimento da testemunha C… que inutiliza em parte o registo do referido depoimento.

  3. Trata-se de uma passagem muito relevante para a boa decisão da causa, porquanto a testemunha estava a começar a depor sobre a matéria vertida nos quesitos 6° e seguintes da base instrutória, os quais foram julgados não provados.

    E.

    Essa matéria integra os danos invocados pelas Recorrentes; nada mais do que um dos pressupostos cuja verificação é necessária para que o pedido de indemnização formulado pelas Recorrentes possa ser julgado provado, pelo que, como naturalmente se alcança, esta matéria é fulcral para as Recorrentes.

  4. Na fundamentação da resposta à matéria de facto, o Tribunal a quo considerou que apenas a testemunha D… se pronunciou sobre essa matéria, tendo o seu depoimento sido marcado por afirmações meramente genéricas, o que é falso.

  5. O Tribunal a quo se olvidou do depoimento da testemunha C…, que foi num sentido bem mais concreto do que a testemunha D…; até porque a testemunha C… referiu ter sido a pessoa que calculou os prejuízos sofridos pelas Recorrentes.

  6. A impossibilidade de consultar o depoimento mencionado na íntegra é impeditiva da reapreciação plena da prova pretendida pelas Recorrentes, o que põe inevitavelmente em cheque a boa decisão da causa, ou melhor dizendo, essa impossibilidade tem uma influência manifestamente significativa quer no exame quer na decisão da causa.

    I. A falta de gravação de prova (ou a sua deficiente gravação) que impede a reapreciação da matéria de facto constitui nulidade processual sujeita ao regime dos artigos 201.°, 202.°, 203.°, 205.°, 206.°, n.° 3 e 207.° do Código de Processo Civil, pelo que, igualmente nos termos do artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 39/95, de 15 de Fevereiro, pelo que deve ser ordenada a repetição do julgamento na parte afectada, nomeadamente deverá ser ouvida novamente a testemunha C… sobre a matéria vertida nos quesitos 6° a 10° da base instrutória.

  7. A testemunha C… foi quem procedeu aos cálculos constantes no documento a fls. 516. Em audiência de discussão e julgamento, a testemunha confirmou igualmente os valores incluídos nesse documento, designadamente os constantes no anexo II, que traduzem a matéria vertida no quesito 6° da base instrutória, pelo que o Tribunal a quo deveria ter necessariamente julgado provado essa matéria – vd. depoimento da testemunha C… gravado em CD, início a 11:38:50 e fim da inquirição a 12:59:01 e acta de audiência de julgamento do dia 21 de Outubro de 2009, a fls. ... dos autos.

  8. Os danos emergentes suportados pelas Recorrentes ascenderam a 69.329.800$00 e os lucros cessantes ascenderam, por sua vez, a 72.504.755$00, o que, em conjunto, totaliza aos tais 141.834.555$00.

    L. Uma análise ao documento junto a fls. 516, e aos anexos II e III, permite a mesma conclusão.

  9. Pelo exposto, deve a resposta proferida pelo Tribunal a quo ao quesito 6° deve ser revogada e, consequentemente, a matéria vertida nesse quesito deve ser julgada provada.

  10. O Tribunal a quo parece ter-se olvidado de fundamentar a resposta que deu ao quesito 18° da base instrutória, o que configura a nulidade da sentença, pois nada refere sobre o mesmo.

  11. A testemunha E… confirmou o teor do quesito, pelo que a resposta devia ser positiva, no sentido de se dever julgar provado. Recorde-se que esta testemunha afirmou que toda a facturação passava obrigatoriamente por si – vd. depoimento da testemunha E… gravado em CD, início a 11:16:21 e fim da inquirição a 12:24:31 e acta de audiência de julgamento do dia 21 de Janeiro de 2010, a fls. ... dos autos.

  12. Pelo exposto, deve o quesito 18° da base instrutória ser julgado procedente, por provado.

  13. A reapreciação que se pede com o presente recurso visa a sanação de uns manifestos erros de julgamento e de falhas evidentes na apreciação da prova, pelo que não se fere o princípio da liberdade de julgamento ou livre de apreciação.

  14. As Recorrentes lograram demonstrar o valor dos prejuízos sofridos e que se encontram por ressarcir, na sequência da recusa do visto, por parte do Tribunal de Contas, pelo que demonstraram assim um dos pressupostos da responsabilidade civil: o dano.

  15. Qualquer dos fundamentos justificativos da recusa de visto é imputável ao dono da obra. Com efeito, à excepção da nulidade do contrato, os fundamentos de recusa do visto não seriam detectáveis nem controláveis pelo empreiteiro 15.

    15 Neste sentido, vd. Parecer do Professor Pedro Romano Martínez, junto aos autos, págs. 6 e 7.

  16. Há uma impossibilidade total de execução da obra, isto é, de cumprimento do contrato, sendo essa impossibilidade imputável ao dono da obra.

  17. No artigo 215.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 405/93 constam dois tipos de rescisão: a rescisão por conveniência do dono da obra, que no Direito privado se chama “Desistência do dono da obra”16, porque, na realidade, não é uma verdadeira rescisão, e a rescisão requerida pelo empreiteiro no exercício do direito que lhe foi conferido; e a rescisão decidida pelo dono da obra a título de «sanção» aplicável ao empreiteiro (n.° 3).

    16 Vd. artigo 1229.° do Código Civil.

    V. Independentemente da crítica à solução legal de equiparar as situações de rescisão por conveniência do dono da obra à rescisão pelo exercício do direito do empreiteiro 17, importa qualificar a primeira hipótese.

    17 Vd. Pedro Romano Martinez e Marçar Pujol, in Empreitadas de Obras Públicas, Coimbra, 1995, pág. 322.

  18. A rescisão por conveniência do dono da obra, à imagem do que ocorre na desistência prevista no artigo 1229° do Código Civil, assenta no seu poder discricionário; não há qualquer impossibilidade de execução do contrato, mas o dono da obra prefere que a obra não se realize. Nos presentes autos não é isso que se verifica, pois a cessação do contrato não assentou no poder discricionário do dono da obra, mas antes na impossibilidade total de execução da obra por ineficácia do contrato.

    X. Do Regime Jurídico da Empreitada de Obras Públicas não consta a previsão para as situações de impossibilidade total de execução do contrato imputável ao dono da obra, pelo que, nos termos do artigo 236.º do REOP, se deverá recorrer ao disposto no Código Civil. 18 18 Cfr. Parecer do Professor Pedro Romano Martinez, ob cit., pág. 10.

  19. Nos artigos 801.º e 802.º do Código Civil contrapõe-se a impossibilidade culposa de cumprimento total e parcial, respectivamente.

  20. O artigo 801.º, n.° 1 do Código Civil equipara a impossibilidade total de cumprimento imputável a uma das partes ao incumprimento culposo da obrigação; deste modo, em qualquer dos casos (impossibilidade culposa e incumprimento culposo), a contraparte pode resolver o contrato com direito a ser indemnizada (artigo 801.º, n.° 2 do Código Civil).

    AA. Esta equiparação entre a impossibilidade total e culposa e o incumprimento total e culposo deve ser transposta para o Regime Jurídico da Empreitada de Obras Públicas. Assim sendo, a rescisão por parte do empreiteiro no exercício do seu direito (artigo 215. n.° 1 do REOP), nomeadamente como consequência do incumprimento culposo de obrigações do dono da obra (p. ex. art. 194°, n.° 2 do REOP, no que respeita à mora prolongada de pagamento do preço), tem de ser equiparada à impossibilidade total e culposa de execução do contrato imputável ao dono da obra.

    BB. Por via da sustentada equiparação de regimes entre a impossibilidade e o incumprimento culposos, a solução prevista no art. 215° do REOP aplica-se às situações em que o contrato, na sua totalidade, não se pode executar por causa imputável ao dono da obra.

    19 19. Cfr Parecer do...

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