Acórdão nº 0502/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução06 de Outubro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: A… interpôs, no Tribunal Central Administrativo, recurso contencioso de anulação do despacho, de 7/02/2003, do Sr. Secretário de Estado da Defesa e Antigos Combatentes que o não qualificou como Deficiente das Forças Armadas (DFA) alegando que o mesmo estava ferido de vícios de violação de lei e de forma e de erro nos pressupostos de facto e de direito.

Sem êxito, já que aquele Tribunal negou-lhe provimento.

Inconformado, o Recorrente agravou para este Supremo Tribunal rematando a sua alegação do seguinte modo: 1. O recorrente foi incorporado no serviço militar em 14/04/58, no Regimento de Lanceiros n.° 2, em Lisboa, como recrutado, e cumpriu uma comissão de serviço em Moçambique, integrado no Destacamento de Intendência do 2.° GCAM, com a especialidade de condutor auto rodas.

  1. No ano de 1962, no desempenho da sua função de condutor auto, quando se deslocava de Nampula para Gilé, numa missão de reabastecimento, foi surpreendido por uma violenta trovoada, que com estrondos violentos, lhe causou traumatismo auditivo bilateral, com posterior baixa ao Hospital Rainha D. Amélia, na Beira, onde se manteve em tratamento ambulatório durante dois meses e meio.

  2. Quanto à relação causal entre a doença e o serviço de campanha, é convicção do recorrente que as circunstâncias em que se desencadeou a sua doença (do foro auditivo) se encontram relacionadas com a comissão de serviço que este cumpriu em Moçambique, nomeadamente com o acidente sofrido.

  3. O recorrente, antes da incorporação sempre gozou de boa saúde não lhe tendo sido diagnosticada qualquer doença do foro auditivo, nem apresentando quaisquer queixas, tendo cumprido cerca de um ano de serviço militar em Moçambique com a especialidade de condutor auto, sem manifestação de qualquer doença auditiva.

  4. O relatório médico junto com a PI (cfr. doc. 2) atesta que a surdez do recorrente surge “desde que esteve na Tropa em Africa, e que pode estar relacionada c/ trauma sonoro”.

  5. Só após decorrido cerca de um ano de comissão de serviço é que a doença do foro auditivo foi desencadeada, em virtude do traumatismo auditivo sofrido, que foi desde logo verificado, quer pelo médico da unidade, quer em posteriores consultas no Hospital Militar da Beira.

  6. As quatro testemunhas ouvidas no processo, confirmaram as declarações do recorrente, nomeadamente, quanto ao temporal que se fazia sentir durante a missão de reabastecimento, quanto às dores de ouvidos e cabeça que o mesmo sentiu e quanto ao tratamento aos ouvidos a que foi submetido na enfermaria da unidade e, mais tarde, no Hospital da Beira.

  7. A doença do foro auditivo do recorrente foi desencadeada pela prestação do serviço militar e em consequência do mesmo, tendo-se manifestado, na sequência das condições a que a prestação do serviço militar o sujeitou, nomeadamente, a referida trovoada (factor desencadeante), facto que foi presenciado por testemunhas.

  8. Tendo a doença auditiva do recorrente tido origem no serviço militar e nas condições concretas especiais deste, face ao ordenamento jurídico vigente, esta terá de considerar-se como adquirida e/ou agravada em serviço e em consequência do mesmo, pelo que, no caso “sub judice” há erro no estabelecimento do nexo causal por parte do douto acórdão recorrido.

  9. No caso vertente, mesmo que se admitisse a base constitucional da doença, o que não se concede, o serviço militar contribuiu decisivamente para o seu desencadear e agravamento, não restando dúvidas sobre a relação causal - em termos de causalidade adequada - com o serviço militar, durante o qual ocorre e é diagnosticada, nem relevando a predisposição patológica nos termos da lei (Base VIII da Lei 2127 de 03AGO65), aplicável ao caso por se tratar de situação análoga, como resultou da prova produzida no processo instrutor.

  10. Da prova testemunhal também decorre que o recorrente continuou a cumprir a sua comissão de serviço, apesar de ter visíveis problemas auditivos, o que, forçosamente, agravou o seu estado clínico, pelo que a análise desse agravamento pelo serviço militar não poderia ter sido ignorada, como o foi, pelo douto acórdão recorrido.

  11. Os relatórios médicos juntos aos autos pelo recorrente, admitem que as lesões auditivas tenham sido provocadas por “uma fulguração auricular” e que “surgem desde que esteve na Tropa em Africa”, e que a surdez pode estar relacionada com trauma sonoro.

  12. Sustenta ainda o douto acórdão recorrido, que o despacho em crise só poderia afastar-se das conclusões versadas no parecer da CPIP, se o mesmo contivesse erros grosseiros.

  13. Pela clareza da análise que ali se fez, transcreve-se, com a devida vénia, o seguinte trecho do douto acórdão do TCA emitido em 26/10/2000 no processo 4581/00: “E nem se diga, como diz a entidade ora recorrente, que o acto impugnado, porque situado no âmbito da discricionariedade técnica, é insusceptível de ser sindicado judicialmente. Na verdade estando em causa um acto inquinado de vício de forma, por falta absoluta de fundamentação, qualquer que seja a qualificação que do acto se fizer (e mesmo que o considerássemos praticado no âmbito da discricionariedade técnica), sempre o mesmo seria susceptível de ser sindicado com aquele fundamento (art.º 268°, n.° 4 da CRP).” 15.

    O douto acórdão recorrido, no entender do recorrente, fez incorrecta interpretação dos elementos de prova juntos ao processo, e bem assim, violou os artigos 1° e 2° do DL 43/76, de 2OJAN; 37° (Lei 30/87, de O7JUL) - artigo 44° na redacção da Lei 174/99, de 21SET - da Lei do Serviço Militar, e artigo 78.°, 1, a) e b) (DL 463/88, de 15DEZ) - artigo 72°, n.° 1 na redacção do DL 289/2000, de 14NOV - do Regulamento da Lei de Serviço Militar, pelo que deverá ser anulado.

    Contra alegando, a Autoridade Recorrida formulou as seguintes conclusões: A) O Acórdão ora posto em crise não incorre em erro de julgamento por não ter julgado a doença de que padece o Recorrente (hipoacusia bilateral) como adquirida é/ou agravada em serviço; B) Com efeito, cabendo a aferição do nexo causal entre a doença diagnosticada ao Recorrente e a prestação do serviço militar, no âmbito do procedimento administrativo de qualificação como deficiente das Forças Armadas, à CPIP/DSS do Estado-Maior do Exército, no parecer emitido por esta entidade foram ponderados todos os elementos fáctico e clínicos existentes no processo administrativo e, em conformidade, aquela entidade entendeu que a doença de que padece o Recorrente não tem relação com o serviço militar prestado em Moçambique; C) Considerou aquela entidade médica militar que, por um lado, a actual doença do Recorrente não se encontra relacionada com qualquer barotraumatismo auditivo, resultando, antes, de lesões orgânicas dos tímpanos e elementos anatómicos do ouvido médio produzidas por otites e, por outro lado, que em termos clínicos, uma trovoada, mesmo intensa, nunca seria susceptível de causar perda ou diminuição da audição; D) Quanto à prova testemunhal foi o Tribunal certeiro quando entendeu que os depoimentos das testemunhas apenas tiveram o mérito de contribuir para “estabelecer a história clínica, não assumindo qualquer relevância científica que possa abalar a credibilidade das perícias e...

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