Acórdão nº 0642/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução02 de Maio de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade denominada “A……, S.A.”, a que sucedeu a “B……, S.A.” (adiante Contribuinte, Impugnante ou Recorrente), impugnou junto do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Lisboa a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do ano de 1994, bem como as respectivas liquidação de juros compensatórios, que lhe foi efectuada por a Administração tributária (AT) ter considerado que a venda de salvados resultantes de sinistros ocorridos com os seus segurados não está abrangida pela isenção daquele imposto de que goza a sua actividade seguradora nos termos do disposto no n.º 29 do art. 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e, assim, que deveria a Contribuinte ter procedido à liquidação e entrega ao Estado do imposto referente a essas vendas.

1.2 A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa julgou a impugnação judicial procedente e anulou a liquidação de IVA e as liquidações de juros compensatórios.

1.3 A Fazenda Pública não se conformou com a sentença e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, que foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: « I- Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela “A……, SA” contra a liquidação adicional de IVA n.º 98155618, e contra as liquidações de juros compensatórios n.ºs 98155614, 98155615, 98155616 e 98155617 relativas ao ano de 1994; II- No exercício da actividade de Seguros e no que concerne ao “ramo automóvel”, as seguradoras celebram contratos de seguro, e no caso de existirem sinistros automóveis, têm que indemnizar os proprietários dos veículos sinistrados, sendo que, em alguns sinistros, é tecnicamente impossível reparar os veículos, ou, sendo possível a reparação, esta não é feita uma vez que o seu custo é igual ou superior ao valor de aquisição de um veículo novo; III- Estas situações designam-se por “salvados”, entrando as viaturas na esfera patrimonial das Companhias de Seguros, mediante o pagamento de uma indemnização ao proprietário do veículo sinistrado, não pode deixar de ser considerada uma transmissão, porquanto ocorre a transferência da propriedade do salvado da esfera jurídica do segurado para a esfera jurídica da seguradora.

IV- Sendo a referida transmissão onerosa, visto que resultam contrapartidas patrimoniais para ambas as partes, terá de ser considerada uma transmissão de bens nos termos do artigo 3º do CIVA e, como tal, sujeita a tributação em sede de IVA nos termos do artigo 1.º n.º 1 alínea a).

V- Apesar do n.º 29 do artigo 9º do CIVA estabelecer a isenção de imposto nas operações de seguro, resseguro e nas prestações de serviços conexas efectuadas pelos corretores e intermediários de seguro, aquela norma abrange apenas a actividade Seguradora, ou seja, a prestação de serviços, configurando, a aquisição e venda de salvados, não uma prestação de serviços mas sim uma transmissão de bens.

VI- A venda do salvado para a seguradora, funciona como uma forma daquela obter algum ressarcimento pela indemnização que teve que pagar ao segurado e evitar o enriquecimento sem causa deste, ou seja, mesmo nas situações de perda total do veículo, a respectiva aquisição pelas seguradoras não constitui uma imposição, dependendo, antes, da sua negociação pelo segurado.

VII- Conclui-se pois, que, a venda de salvados não faz parte da actividade das seguradoras, não se encontrando isenta pelo n.º 29 do artigo 9º do CIVA.

VIII- A douta sentença recorrida, preconiza o entendimento de que a venda dos salvados está também isenta pelo nº 33 do citado artigo 9º, na medida em que preenche os dois requisitos deste normativo, isto é, (os salvados) estão exclusivamente afectos a uma actividade isenta (actividade seguradora) e não foram objecto de direito à dedução.

IX- Diga-se, que apesar de não estar expressamente previsto no n.º 33 do artigo 9º do Código do IVA, não se pode deixar de considerar que “… os bens afectos exclusivamente a uma actividade isenta…” são os que não se destinam à venda ou transformação, ou seja, os considerados como imobilizado.

X- A aplicar-se o n.º 33 do artigo 9º a quaisquer bens, independentemente de pertencerem ou não ao imobilizado, revelar-se-ia desnecessário ao legislador prever, que a isenção constante do n.º 14 do artigo 9.º do código do IVA “(…) abrange também as transmissões de bens estreitamente conexas com as prestações de serviços referidas”.

XI- Ora, o n.º 33 do citado artigo 9º do Código do IVA tem por objecto, apenas, os bens exclusivamente afectos a uma actividade isenta, o que não sucede na situação “sub judice”, uma vez que, por um lado, os salvados não são adquiridos pelas seguradoras para serem usados na sua actividade, mas antes com o intuito/fim de serem vendidos, por outro lado, não têm qualquer conexão necessária com essa mesma actividade seguradora, em virtude de entrarem na titularidade daquelas somente de modo incerto ou aleatório.

XII- Assim, a venda de salvados, não fazendo parte do imobilizado, não se encontrando afectos exclusivamente à actividade seguradora, não preencherá o 1º dos requisitos do n.º 33 do artigo 9º do CIVA.

XIII- Quanto ao 2º dos requisitos, ou seja, os bens transmitidos não terem sido objecto do direito à dedução, a tributação dos “salvados” em sede de IVA deverá efectuar-se, ou pelo Regime da Tributação pela Margem (se o anterior proprietário do veículo sinistrado não for sujeito passivo de IVA, ou, se for, não tiver procedido à dedução do imposto suportado no acto da aquisição do veículo por se encontrar excluído desse direito), ou pelo regime Geral de IVA no caso de ter sido exercido o direito à dedução do imposto aquando da aquisição do bem.

XIV- Deste modo, esta venda de salvados está sujeita a imposto e dele não isenta, pelo que a impugnante estava obrigada a cobrar IVA na venda dos salvados nos termos do artigo 3.º n.º 1 do CIVA, à taxa de 16% (em vigor em 1994) nos termos do artigo 18º n.º 1 alínea c) do mencionado código.

XV- São, ainda, devidos os Juros Compensatórios liquidados nos termos do artigo 89.º, n.º 1 do CIVA e artigo 83.º do CPT, uma vez que houve atraso na liquidação do imposto que não se pode deixar de considerar imputável ao contribuinte.

XVI- A manter-se na ordem jurídica, a douta sentença ora recorrida revela uma inadequada interpretação e aplicação do disposto nas supra citadas normas legais.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a douta sentença que determinou a anulação dos actos tributários impugnados» (As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente são transcrições, aqui como adiante.

) 1.5 A Impugnante não contra alegou.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa fez correcto julgamento quando considerou que a venda de salvados pelas companhias de seguros estava isenta de IVA, o que, como veremos, passar por indagar do âmbito de aplicação das normas sobre isenção daquele imposto, designadamente (Seguimos aqui o recente acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 19 de Abril de 2012 no processo com o n.º 101/12, ainda não publicado no jornal oficial nem disponível no sítio http://www.dgsi.pt/, para o qual remeteremos integralmente na fundamentação.

) a) qual o sentido e alcance do art. 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de Abril, sobre a distinção entre “actividade de seguro directo e ou resseguro” e “actividades conexas e complementares”; b) se o conceito de actividades conexas e complementares supra referido corresponde ao mesmo estabelecido pelo legislador do IVA no art. 9.º, n.º 29, quando se refere a prestações de serviço relacionadas com operações de seguro e resseguro efectuadas por correctores e intermediários de seguros; c) qual o sentido e alcance da isenção estabelecida no art. 9.º, n.º 33, do CIVA e a sua relação com a actividade de aquisição/venda dos salvados.

* * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença recorrida procedeu ao julgamento da matéria de facto nos seguintes termos: «Dos autos resulta provada a seguinte factualidade com relevância para a decisão: A) A impugnante encontra-se registada, para efeitos fiscais, pelo exercício da actividade de “Seguros e Resseguros”, CAE 820100, actividade no âmbito da qual efectua a aquisição de salvados resultantes de sinistros ocorridos com os seus segurados, procedendo posteriormente à sua venda (cfr. nota de apuramento, informação da DSPIT e print, a fls. 40 a 42 dos autos e fls. 40 do PAT apenso); B) Na sequência de uma acção de inspecção efectuada pela Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária (DSPIT), da Direcção de Finanças de Lisboa, aos exercícios de 1993 e 1994, foi apurado e corrigido o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), no montante de 1.664.256$00, para o exercício de 1994, único em causa nos presentes autos (cfr. nota de apuramento e informação da DSPIT, a fls. 40 a 42 dos autos); C) Conforme o teor da referida informação, a correcção que constitui o objecto da presente impugnação, relativamente à alienação de salvados, foi efectuada pela Administração Fiscal com os seguintes fundamentos: «IMPOSTO EM FALTA, CONFORME ARTIGO 3º DO CIVA: “SALVADOS” 1 - O contribuinte durante o ano de 1994 não liquidou IVA na venda dos “salvados”, apesar desta ser qualificada como uma verdadeira transmissão de bens no sentido que a esta deve ser dado pelo artigo 3º do CIVA, pelo que se encontra abrangida pela letra ou pelo espírito do citado artigo, razão pela qual é considerada como operação passível de tributação, à taxa de 16%, para o ano de 1994, de acordo com a alínea c) do artigo 18º do CIVA. Consequentemente, apurou-se imposto em falta no montante de 1.664.256$00 (…)» (cfr...

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