Acórdão nº 0675/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução16 de Maio de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1. RELATÓRIO 1.1 A Administração tributária (AT), na sequência de uma visita de fiscalização, considerou que a sociedade denominada “A……,S.A.” (adiante Contribuinte, Impugnante ou Recorrida), com referência ao Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 1996, declarou indevidamente como custos fiscais determinadas verbas correspondentes, umas, a amortizações de bens abatidos que não pertenciam ao activo imobilizado e, outras, ao abate de imobilizado corpóreo, motivo por que procedeu às correcções da matéria tributável tidas por pertinentes e à consequente liquidação adicional de imposto e dos respectivos juros compensatórios.

1.2 A Contribuinte deduziu impugnação judicial, pedindo ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a anulação desses actos tributários com os seguintes fundamentos: - invalidade da notificação, a determinar a ineficácia da liquidação; - preterição do direito de audição prévia à liquidação; - falta de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios; - erro nos pressupostos de facto; - erro nos pressupostos de direito.

1.3 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a impugnação judicial procedente. Para tanto, após referir que o invocado vício de invalidade da notificação não contende com a validade do acto impugnado, mas apenas com a sua eficácia, considerou que foi violado o direito de audiência prévia, o que determina a anulação da liquidação.

Isto, em síntese, porque entendeu que, apesar de a Impugnante ter sido notificada para efeito de audição prévia no que concerne ao projecto de correcções à declaração de IRC, já o não foi antes da liquidação, como o exigia o art. 60.º, n.º 1, alínea a), da Lei Geral Tributária (LGT).

1.4 A Fazenda Pública não se conformou com a sentença e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, que foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.5 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: « A. A douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito, na medida em que fez errónea aplicação do disposto no nº 3 do artº 60º da LGT.

B. Ab initio importa salientar que pelo conspecto dos elementos juntos aos autos e atenta a factualidade dada como provada, constata-se que a impugnante vem reiterar, na presente impugnação, os mesmos fundamentos já invocados em sede do exercício do direito de audição no âmbito do procedimento inspectivo que deu origem à liquidação ora controvertida – cfr. al. d) dos factos dados como provados e termo de audição a fls. 15 e 16 dos autos.

C. Tais argumentos foram já, pois, objecto de análise por parte da AT, conforme resulta da conclusão das correcções efectuadas, a fls. 23 a 26 dos autos, ali se concluindo nada trazer a impetrante de novo aos autos que pusesse em causa a decisão tomada pela AT.

D. O direito de audição prévia, integrando o princípio da participação, encontra-se consagrado nos artºs 60º da LGT e do artº 60º do RCPIT e concretiza o direito dos interessados à participação na formação das decisões que lhe digam respeito, devendo ser exercido, concluída a instrução e antes da decisão final, conforme determina o artº 100º do CPA.

E. Porém, o contribuinte que foi ouvido em fase anterior do procedimento de liquidação não tem, em regra, de voltar a sê-lo antes do acto de liquidação.

F. Fundamentando-se a liquidação controvertida unicamente nas correcções sobre as quais a impugnante já se havia pronunciado, não havendo factos novos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que não se impõe à AT que notifique novamente o sujeito passivo para exercer o direito de audição.

G. Considera ainda a Fazenda Pública que a eventual preterição da audiência do contribuinte se degrada em formalidade não essencial, no sentido de ser manifesto que a decisão da AT só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve em concreto, H. porquanto, no caso dos autos, pode dar-se por seguro que o novo exercício do direito de audiência não teria a mínima relevância na liquidação controvertida, pois que a impugnante não provou, já em direito de audição e tendo por base os mesmos argumentos ora utilizados, a indispensabilidade dos custos controvertidos, não tendo ocorrido, entretanto, quaisquer factos novos.

I. E, sendo a impugnação judicial um meio de defesa que pode ser accionado para tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos, no qual são apreciados vícios que afectem a validade do acto impugnado, encontram-se prejudicados os argumentos invocados pela impugnante, no sentido da preterição do direito de audição, a qual se degradaria em formalidade não essencial.

J. Neste sentido, veja-se os doutos Acórdãos do TCAS, de 2003/04/29, proferido no processo nº 07369/02, do Contencioso Tributário e do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 2007/09/26, proc. nº 0903/06.

K. Este último aresto veio determinar que “A audiência prévia tem por escopo a participação dos contribuintes nas decisões que lhes dizem respeito, permitindo-lhes que se manifestem, incidindo essa pronúncia sobre todas as matérias de facto e de direito que no procedimento estejam em causa. Por isso, mesmo que o contribuinte tenha já sido ouvido no procedimento, se justifica uma segunda audiência sempre que haja factos novos, sobre os quais ainda não tenha tido oportunidade de se expressar. Porém, quando a audiência efectuada tenha possibilitado pronúncia sobre todas as matérias do procedimento, por a ele, entretanto, não ter chegado novidade, não se legitima a sua repetição, que redundaria num acto inútil, proibido, aliás, pelo artº 57º, nº 3 da LGT”.

L. Acresce que, entendeu o Tribunal a quo não ter aplicação in casu o disposto no artº 60º, nº 3, na redacção introduzida pelo artº 13º da Lei 16-A/2002, de 31/05, não obstante o mesmo ter carácter interpretativo, pois considera que, remontando a liquidação controvertida ao ano de 2001, nessa altura, tal dispositivo não estava ainda em vigor.

M. Acontece que, prevê aquele número, como bem resulta da douta sentença em análise, que tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do nº 1 do mesmo preceito legal, é dispensada a audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.

N. E, da alínea e) do nº 1 do artº 60º da LGT consta que a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por via de do exercício do direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária, o que se verificou no caso em apreço.

O. De acordo como nº 2 do artº 13º da Lei nº 16-A/2002, 31/05, o disposto no seu nº 1, por via do qual é dada nova redacção ao nº 3 do artº 60º da LGT, tem carácter interpretativo.

P. Entende a Fazenda Pública, sempre com o devido respeito por melhor opinião, tal como decidiu o STA, no Acórdão de 2006/12/12, proc. nº 0917/06, que “Perante a atribuição, pelo legislador, desse carácter interpretativo, não pode discutir-se, nos tribunais fiscais, no âmbito de um concreto litígio, se a norma tem natureza interpretativa ou inovadora, posto que os tribunais não podem deixar de aplicar a lei, e afirmar o seu carácter inovador seria recusar a aplicação do apontado artigo 3º nº 2, o que só seria possível se ele infringisse «o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados» - artigo 204º da Constituição”.

Q. Aliás, é no mesmo sentido que se tem pronunciado o STA, conforme se pode constatar pelo que foi decidido pelo Acórdão de 2007/09/26, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, proc. nº 0903/06, cujo sumário se transcreve: “I - O contribuinte que foi ouvido em fase anterior do procedimento de liquidação não tem, em regra, de voltar a sê-lo antes do acto de liquidação.

II - Esta a interpretação a dar ao artigo 60º da Lei Geral Tributária, mesmo antes de o nº 2 do artigo 3º da Lei nº 16-A/2002, de 31 de Maio, ter dado nova redacção ao seu nº 3, com carácter interpretativo”.

R. No mesmo sentido, veja-se ainda, por todos, o Acórdão de 2007/10/24, do Pleno da Secção do CT, proc. nº 0131/07.

S. Entende o STA que considerando o carácter interpretativo da alteração perpetrada pelo artº 13º da Lei nº 16-A/2002, de 31/05, o quadro normativo é o mesmo, quer antes, quer depois da alteração em crise, T. pois, como resulta do disposto no artº 13º, nº 1 do Código Civil, a norma interpretativa integra-se na norma interpretada, retroagindo os seus efeitos ao inicio da vigência desta, tudo se passando como se a lei nunca tivesse tido outra redacção que não a dada pela norma interpretadora (v. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, 2ª Edição, anotação ao artº 13º), U. sendo que, já antes da referida alteração, a norma vigente (artº 60º da LGT) comportava tal interpretação.

V. Como ensinam Baptista Machado, in “Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil”, pp. 287-288 e Nuno Sá Gomes, in “Manual de Direito Fiscal II”, p. 334, são interpretativas as leis que têm por escopo fixar o sentido de uma norma jurídica anterior, que suscite controvérsia sobre o seu significado e o fixam dentro do quadro dessa controvérsia.

W. E, a lei interpretativa, que é uma interpretação autêntica da lei, é vinculativa.

X. Entende ainda o STA que “Nem outra interpretação é imposta ou, sequer, aconselhada pela norma constitucional do artº 267º nº 5, nem pelas dos artigos 8º e 100º a 103º do Código de Procedimento Administrativo”.

Y. Face ao exposto, não pode a Fazenda Pública aceitar o sentido da decisão tomada, ora sob recurso, porquanto a mesma padece de erro de julgamento na aplicação do direito, por ter violado o disposto no artº 60º, nº 3 da LGT, na versão que lhe foi dada pelo artº 13º, nº 2 da Lei nº 16-A/2002, de 31/05, devendo, em consequência, anular-se a douta...

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