Acórdão nº 01071/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelFERNANDA MAÇÃS
Data da Resolução03 de Outubro de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I-RELATÓRIO 1.

A………………., identificado nos autos, intentou no TAF de Coimbra acção, sob a forma de processo ordinário, emergente de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, contra o Município de Coimbra, peticionando a condenação do Réu no pagamento da quantia de 31.940.290$40, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, que foi julgada parcialmente procedente.

  1. Não se conformando, o Município de Coimbra veio interpor recurso para este STA, formulando as seguintes conclusões das suas alegações: “1 — O acidente ajuizado ocorreu por culpa de terceiro; 2 — O que afasta a presunção de culpa; 3 — Por outro lado e face à matéria de facto apurada, o ora recorrente afastou a presunção de culpa; 4 — Provando que: — o buraco em causa foi aberto por terceiro; — o qual não pediu autorização, nem comunicou que ia abrir um buraco no passeio; — que tem brigadas que percorrem as diversas vias municipais, em actividade de fiscalização; 5 — Consequentemente, a presente acção deve ser julgada improcedente, por não provada; 6 — Não o tendo assim decidido, a douta sentença violou, entre outros, os art°s. 483°, 487° e 493°, todos do Código Civil e Dec. Lei 48.051.

    Termos em que, e com o douto suprimento, deve ser julgado procedente o presente recurso, absolvendo-se o Réu, tudo com as legais consequências, Assim se fazendo JUSTIÇA.” 3.

    Por seu turno e também inconformado, A……………. veio interpor recurso para este STA, apresentando alegações, das quais se extraem as seguintes conclusões: “1.- Para que o montante indemnizatório devido ao autor a título de incapacidade temporária para o trabalho cumpra a finalidade de reparação integral dos danos, em respeito aos arts. 483°, nº. 1; 562°; 564°. e 566°. do Código Civil, toma-se necessário que tal montante indemnizatório seja calculado por referência não só aos rendimentos que o autor auferia em virtude da sua actividade privada, mas também aos rendimentos que auferia enquanto funcionário público e que ficaram provados no ponto 28 da factualidade apurada.

  2. - Ficou provado que o autor esteve incapaz para o serviço desde a data do acidente (15.01.1997) até 19.10.1998 (cfr. pontos 21 e 26 da factualidade apurada), ou seja, durante todo esse período esteve impossibilitado de exercer a sua actividade profissional, pelo que perdeu toda a remuneração correspondente. É o que decorre das regras da experiência e da própria natureza das coisas.

  3. - Ao autor cabia a prova dos factos constitutivos do direito alegado, ou seja, cabia-lhe provar que durante determinado período de tempo esteve incapacitado para o trabalho (cfr. art. 342°., n°. 1 do Código Civil). Prova essa que se logrou fazer e consta daqueles pontos 21 e 26 da factualidade apurada.

  4. - Já a prova dos factos impeditivos do direito do autor ser indemnizado por esse período de incapacidade para o trabalho, nomeadamente a prova de que a sua entidade patronal lhe tenha pago normalmente durante esse período o seu vencimento, só podia caber ao réu (cfr art. 342°, n° 2 do Codigo Civil) Prova essa que não foi feita.

  5. - O réu nem sequer invocou tal facto em sua defesa. Nem na contestação, nem em qualquer outro momento processual. Pelo que, e em obediência ao princípio do dispositivo, ao mesmo não pode ser dada qualquer relevância processual (cfr. mis. 264° e 489°., 11°. 1 do Cód. Proc. Civil).

  6. - Para cálculo do montante indemnizatório devido ao autor a título de incapacidade temporária para o trabalho e respectiva perda de rendimentos, e no que aos rendimentos que este auferia em virtude de exercer a sua actividade profissional no sector público diz respeito, é ainda de considerar os montantes que este auferia a título de subsídio de refeição.

  7. - O subsídio de refeição incorpora o conceito de retribuição consagrado no artigo 258°., n°. 2 do Código de Trabalho, na medida em que este surge como uma prestação de carácter regular e periódica realizada em dinheiro, criando no trabalhador a expectativa legítima do seu recebimento.

  8. - Deve por isso o subsídio de refeição integrar a retribuição para efeitos de cálculo de qualquer indemnização devida por lucros cessantes àquele que em condições normais a ele teria direito.

  9. - Ainda para cálculo deste montante indemnizatório devido ao autor a título de incapacidade temporária para o trabalho, e agora no que diz respeito aos rendimentos por este auferidos enquanto profissional liberal, é de atender ao montante global dos rendimentos auferidos e declarados em sede de IRS pelo autor no ano anterior ao do acidente. Rendimentos esses que são no valor de Esc. 2.973.033$00, como ficou demonstrado pelo documento junto aos autos a fls. 3.

  10. - Errou a sentença recorrida ao calcular este parcelar indemnizatório por referência ao valor de Esc. 2.271.233$00, uma vez que, como resulta daquele documento de fls. 31, este é um valor que não corresponde à totalidade dos rendimentos auferidos pelo autor mas apenas um valor relevante para efeitos de determinação do imposto devido naquele ano pelo autor.

  11. - Concretizando, o rendimento anual global que o autor auferia à data do acidente em virtude da sua actividade profissional no sector público e privado, era de (Esc. 4.098.512$00 + Esc. 2.973.033$00) Esc. 7.071.545$00, equivalente a um ganho diário efectivo de (Esc. 7.071.545$00 ÷ 365 dias) Esc. 19.374$09.

  12. - E assim atendendo a que o autor esteve impedido de exercer a sua actividade profissional durante 652 dias, o que se traduziu na inerente perda dos respectivos proveitos, no valor de (652 dias x Esc. 19. 374$09) Esc. 12.631.906$00, o que corresponde a € 63.007,68. Montante em que o autor terá de ser indemnizado a título de incapacidade temporária para o trabalho.

  13. - Este montante indemnizatório justifica-se ainda pelo facto de durante todo o período de tempo que decorreu entre 15.01.1997 e 19.10.1998 o autor ter sofrido uma incapacidade não só profissional como geral. Ou seja, o autor não se viu só impedido de realizar a sua actividade profissional mas viu-se também impedido de realizar com autonomia e natural destreza todas e quaisquer actividades da sua vida diária, familiares e sociais.

  14. - Esta incapacidade temporária geral é também ela um dano em si mesma, que assim terá de ser indemnizado, ainda que não se tivesse provado qualquer perda pecuniária daí resultante. O que toma ainda mais adequado e equitativo o montante indemnizatório, no valor de € 63.007,68 (sessenta e três mil e sete euros e sessenta e oito cêntimos) reclamado a título de incapacidade temporária.

  15. - Para uma correcta ponderação e determinação do montante indemnizatório devido ao autor a título de incapacidade permanente parcial, impõe-se a impugnação e posterior correcção por Vossas Excelências da factualidade constante dos pontos 23 e 27 da sentença recorrida.

  16. - Do ponto 23 da factualidade apurada na sentença recorrida não consta, certamente por mero lapso de escrita, o segmento “da perna” que consta do correspondente quesito 25 da base instrutória e que foi dado como provado.

  17. - É esse manifesto erro de escrita que, nos termos do artigo 667°., n°. 1 do Cód. Proc. Civil, importa corrigir, fazendo coincidir integralmente a redacção do ponto 23 da factualidade apurada com a redacção do quesito 25 da base instrutória. E que assim passará a ter a seguinte redacção: “Tais sequelas consistem em consolidação viciosa da tíbia direita, com encurtamento e ligeira rotação externa da perna e do pé direito” 18.- A factualidade constante do ponto 27 deverá ser modificada no sentido de se dar como provado que “o autor sofre de uma incapacidade permanente de, pelo menos, 20%”. E assim em consonância com a prova, insuspeita e aceite por ambas as partes, que resulta do relatório do INML (cfr. art. 712°., n°. 1, al. b) do Cód. Proc. Civil).

  18. - E é por referência a esta incapacidade permanente parcial de 20% que terá de ser calculada a indemnização devida ao autor. E assim apesar de na petição inicial e na base instrutória se ter quantificado a incapacidade permanente parcial de que o autor ficou portador em, pelo menos, 15%. É que tal quantificação do dano IPP não é vinculativa nem limitativa da decisão do Meritíssimo Juiz.

  19. - O julgador apenas está vinculado aos factos objectivos e concretos que são alegados pelas partes, já não está condicionado pelas conclusões e qualificações que desses factos fazem as partes nos seus articulados (cfr. art. 664°. do Cód. Proc. Civil). Ora dizer-se que a IPP tem esta ou aquela percentagem é uma mera qualificação do facto: existência dessa LPP, que assim não vincula a decisão final.

  20. - A percentagem de IPP de que o autor ficou portador, a não ser entendida como uma mera qualificação de um facto, só poderá ser entendida — quanto muito — como um facto concretizador daquele dano de IPP. Pelo que sempre seria de tomar em consideração na sentença final que a IPP de que o Autor ficou afectado é de 20%, tal como resulta da instrução da causa, nomeadamente do relatório pericial do I.N.M.L., em conformidade com o disposto no artigo 264°., n°s. 2 e 3 do Cód. Proc. Civil.

  21. - Refutamos também o entendimento do Meritíssimo Juiz a quo segundo o qual a incapacidade permanente parcial de que o autor ficou afectado não se traduz numa perda concreta da capacidade de ganho pelo que a indemnização que lhe é devida a este título deve ser fixada seguindo as regras da equidade.

  22. - Provando-se que o autor ficou portador de sequelas que lhe dificultam o exercício da actividade profissional, não pode seriamente dizer-se que tal incapacidade permanente não representa para o autor uma concreta diminuição dos seus rendimentos.

  23. - Os esforços acrescidos que o autor tem agora de suportar no exercício da sua profissão significarão, inevitavelmente e num futuro próximo, uma diminuição do seu ritmo de trabalho, uma diminuição do número de horas do seu dia de trabalho, porque física e psiquicamente as lesões de que ficou...

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