Acórdão nº 083/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Março de 2010
Magistrado Responsável | RUI BOTELHO |
Data da Resolução | 11 de Março de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório O ESTADO PORTUGUÊS vem recorrer da sentença do TAF de Coimbra, de 30.10.09, que julgou procedente a acção ordinária proposta por A... e B...
, e o condenou ao pagamento da quantia de 29.480,80 Euros, acrescida de juros de mora.
Para tanto alegou, vindo a concluir da seguinte forma: 1ª- Tendo em conta a matéria de facto dada como provada, não podem considerar-se verificados os pressupostos da responsabilidade por acto lícito.
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- O art.° 9º do Decreto-Lei n° 48051, considera que o prejuízo sofrido na esfera jurídica do particular, para adquirir relevância ressarcitória, tem de configurar-se como especial e anormal, para além do requisito da existência de nexo de causalidade entre o acto lícito e o dano.
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- É certo que a causa directa e imediata dos prejuízos foi a eliminação do efectivo total da exploração, efectuado por imposição dos serviços do R.
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- Mas a lei exige mais do que uma causa directa e imediata, referindo o art.° 563.° CCivil que “a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, consagrando assim a teoria da causalidade adequada.
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- Ora o abate de todo o efectivo, só ocorreu tendo em conta a contaminação da exploração dos AA com “Brucelose”, pela qual o R Estado não é responsável, antes o são os próprios AA, que não tiveram o devido cuidado com a protecção sanitária da exploração, nomeadamente quando da aquisição de novos animais, uma vez que ficou provado, de acordo com o declarado pelo Veterinário da exploração (al. P da matéria assente e al. O dos factos provados, e doc. 7 da contestação), que a contaminação ocorreu dentro desta, permitindo que o varrasco nº 100, tivesse disseminado a doença.
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- Perante essa circunstância se o R nada tivesse feito, seria responsável por não tomar medidas com vista à protecção da saúde pública, e também para evitar a disseminação de uma doença que poderia causar enormes prejuízos aos próprios AA, pois uma vez verificada a existência da doença os animais não poderiam ser abatidos e comercializados como se nada tivesse acontecido.
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- Ao fazê-lo, o Estado assumiu as suas responsabilidades, mas em nada contribuiu para a produção do facto, pois não foi responsável pela contaminação da exploração.
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- Por outro lado, como resulta da fundamentação das respostas aos quesitos 1º e 2°, e do depoimento da testemunha C..., uma vez declarado o sequestro, estava também imposto o abate, não tendo os AA qualquer alternativa, o que também é reconhecido pela douta sentença.
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- Além disso, como resulta da resposta negativa ao quesito 3°, mesmo que tivessem sido feitas análises sorológicas o todo o efectivo, e estas tivessem dado negativo, mesmo assim todos os suínos teriam de ser abatidos, sendo que as análises realizadas após o abate (resposta ao quesito 8º e al. DD dos factos provados), foram efectuadas apenas como método de trabalho, para permitir à autoridade sanitária ajuizar dos efeitos da doença.
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- Por isso, a imposição do abate é uma causa naturalística do dano, mas a mesma não contém em si a adequação, entendida esta nos mencionados termos legais, para produzir o dano, pois o mesmo decorre da doença, e da inexistência de alternativa ao abate, sendo que o R Estado em nada contribui para o aparecimento e disseminação da brucelose na exploração dos AA.
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- Além disso, provou-se ainda que, o matadouro onde se realizaram os abates foi previamente seleccionado pelos AA, com a ajuda dos serviços do R (vide fundamentação da resposta ao quesito 3.°), e que a calendarização dos abates foi também determinada por estes, em função da melhor altura para a comercialização dos suínos, o que, por via de regra, ocorre por volta dos 6 meses e aos 100 kg de peso (resposta aos quesitos 6.° e 7.° e als. BB e CC dos factos provados), o que quer dizer que, ficaram com uma grande margem de manobra para efectuar os abates.
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- Falece pois o nexo causal, em termos de causalidade adequada, pelo que ao decidir pela verificação deste requisito, a douta sentença viola o disposto no art.° 563.° do CCivil.
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- Por outro lado, para que um prejuízo se possa ter por especial é necessário que se prove que um cidadão ou grupo de cidadãos tenha sido, através de um encargo público, colocado em situação desigual em relação à generalidade das pessoas.
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- E para que um prejuízo possa considerar-se anormal, é necessário que ultrapasse o carácter de um ónus natural decorrente da vida em sociedade, mesmo no âmbito de um Estado intervencionista como é o Estado moderno.
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- Traduzindo verdadeiros conceitos indeterminados, a “especialidade” e a “anormalidade” de um prejuízo, representam antes de tudo, realidades cuja exacta determinação depende da situação factual e concreta que lhes está subjacente.
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- Ora, no que respeita ao primeiro requisito, a situação em causa não pode considerar-se especial, pois embora a medida tinha sido imposta apenas aos AA, o certo é que também será aplicada a todos os outros criadores de suínos, em cujas instalações, se venham a verificar contaminações com brucelose.
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- Ou seja, a ordem determinando o abate, não se dirige apenas a um criador, mas a todos aqueles onde se venham a verificar casos de contaminação de animais com esta doença, pelo que pode dizer-se que a medida não visou uma pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa, nem um grupo específico de pessoas, antes recaiu sobre um grupo indeterminado e abstracto, os criadores de suínos, em cujas pocilgas se verifiquem contaminações com brucelose.
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- Para além disso, há que ter em conta que, a medida decorre, do comportamento dos AA quando permitiram a contaminação da exploração com “Brucelose”, situação pela qual o R Estado não é responsável, antes o são os próprios AA, que não tiveram o devido cuidado com a protecção sanitária da exploração, nomeadamente quando da aquisição de novos animais, uma vez que ficou provado, de acordo com o declarado pelo Veterinário da exploração (al. P da matéria assente e al. O dos factos provados, e doc. 7 da contestação), que a contaminação ocorreu dentro desta, permitindo que o varrasco n.° 100, tivesse disseminado a doença.
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- Ou seja, a medida advém do comportamento dos próprios AA, e destina-se, não só a restabelecer a confiança no sector, que de outra forma, se não tivesse sido tomada levaria à desconfiança dos consumidores, por saberem que existiam explorações com animais contaminados com brucelose, sem que tivessem sido tomadas medidas de controle da doença, mas também a evitar a disseminação de uma doença que poderia causar enormes prejuízos aos próprios AA, pois uma vez verificada a existência da doença os animais não poderiam ser abatidos e comercializados, no circuito normal, como se nada tivesse acontecido.
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- Pelo que os prejuízos invocados pelos AA, não podem deixar de ser entendidos como integrados naquele número de sacrifícios que têm de suportar para restabelecer a confiança dos consumidores, ou seja, não podem considerar-se anormais, sendo certo que a medida, como se referiu, decorreu do comportamento destes e não de qualquer outro elemento estranho nomeadamente do Estado, que não é o responsável pela contaminação da exploração.
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- Ao decidir em sentido contrário a douta sentença viola o disposto no art.° 9.° do DL 48.051.
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- Termos em que, por violação dos art.°s 563.° do CCivil e 9.° do DL 48.051, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, com a consequente absolvição do R. Estado do pedido.
Os Recorridos contra-alegaram como segue: 1- O recorrente R. Estado Português interpõe recurso da douta sentença que o condenou a pagar aos AA. a quantia €29.480,80, acrescida de juros (...), alegando, em síntese, que, contrariamente ao acolhido na sentença, não se verifica o nexo causal adequado, nem podem os prejuízos ser considerados especiais e anormais, pelo que, ao decidir como decidiu, a douta sentença viola o disposto no art. 563.° do C.Civil e art 9.° do DL 48.051, de 21.11.67.
2- No recurso jurisdicional interposto, o recorrente discute e impugna, pois, a caracterização dos danos sofridos pelos recorridos como especiais e anormais e do nexo de causalidade adequada entre o acto e o prejuízo, pressupostos da responsabilidade por parte do Estado por actos lícitos, que na douta sentença são tidos por preenchidos.
3- Ora, com o mui devido respeito, a fundamentação expandida e conclusões elencadas no recurso jurisdicional carecem de sustentação fática e vão ao arrepio da vasta e diversa doutrina e jurisprudência que abordam e decidiram da responsabilidade civil extracontratual do Estado por...
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