Acórdão nº 0367/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelPOLÍBIO HENRIQUES
Data da Resolução17 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO “A…”, já devidamente identificada nos autos, instaurou, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, contra o Estado Português, acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe: a) uma indemnização de 1 783 384 contos (€ 8 915 433. 80) acrescida de juros vincendos à taxa legal, a contar da data da citação e até efectivo pagamento; b) uma indemnização pelos prejuízos ainda não apurados, a liquidar em execução de sentença.

Por sentença de 2008.11.14 o TAC de Lisboa julgou a acção procedente e condenou o réu “a pagar a A. Massa Falida da A…, as quantias que se vierem a liquidar em execução de sentença correspondentes aos danos patrimoniais e aos danos morais provados nos presentes autos, acrescidos de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento.

1.1. Inconformado com a sentença, o Réu Estado recorre para este Supremo Tribunal apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1 – Da matéria provada resulta de forma inequívoca que as obras se destinavam à construção de um hotel de apartamentos pois no ponto T dos factos assentes como provados consta “As obras destinavam-se à construção de Hotel de apartamentos (Apart-hotel) com a seguinte composição: - 5 apartamentos tipo T0; 41 apartamentos tipo T1; 6 apartamentos tipo T2; 3 apartamentos tipo T3”.

2 - Quer do âmbito da vigência do Decreto-Lei 328/86, entrado em vigor em 1/1/1987, quer no âmbito da vigência do Decreto-Lei 49399 de 24 de Novembro de 1969 que aquele substituiu, a construção e instalação dos estabelecimentos hoteleiros, como os hotéis de apartamentos, são da competência da Direcção-Geral do Turismo, em face do disposto, nomeadamente, nos arts. 20º, nº 1, 23º e 24º do Decreto-Lei 328/86 e art. 21º, 22º, 24º, 25º, 35º e 36º do Decreto-Lei 49399.

3 - Na verdade, um hotel de apartamentos é considerado um estabelecimento hoteleiro em ambos os diplomas, nos termos do disposto nos arts. 12º, nº 1 do Decreto-Lei 328/86 e art.15º, nº 1 do Decreto-Lei 49399.

4 - Por outro lado, a Direcção-Geral do Turismo é competente, igualmente, para a execução de quaisquer obras que não sejam de simples conservação na vigência de qualquer um dos diplomas citados, em face do disposto no art. 32º do Decreto-Lei 328/86 e art. 37º do Decreto-Lei 49 399.

5 – Em face do exposto, terá de concluir-se que a CMM não tinha competência para, por si, emitir qualquer licença para a construção de um edifício destinado à construção de um Hotel de apartamentos.

6 - E, sendo assim as deliberações camarárias de 6-10-1986; 6-4-1987 e 30-11-1987, são nulas nos termos do disposto no art. 88º, nº 1, alínea a) da Lei 100/84, de 29 de Março, pois enfermam do vício de falta de poder.

7 - Ora, sendo nulas, tais deliberações não produzem quaisquer efeitos jurídicos, independentemente de ter sido declarada ou não essa nulidade 8 - Assim sendo, o Estado não pode ser condenado com base em responsabilidade civil extracontratual por não se verificarem os seus pressupostos.

9 – Tal responsabilidade tem como pressupostos, de verificação cumulativa, o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade (adequada) entre este e o facto.

10 - Ora, conforme resulta do supra explanado o Estado ou qualquer dos seus agentes não praticou qualquer facto ilícito.

11- Quem agiu, de forma ilícita por ter praticado actos para os quais não tinha competência foi a Câmara Municipal de Mafra.

12 - E, sendo assim, só esta pode ser responsabilizada.

13 – Mal andou, pois, a Mª Juiz ao condenar o Estado.

14 - E ao fazê-lo violou o disposto nos arts. 12º, nº 1, 20º, nº 1, 23º, 24º e 32º do Decreto-Lei 328/86, art. 15º, nº 1, 22º, 24º, 25º, 35º, 36º e 37º do Decreto-Lei 49399 e art. 88º, nº 1, alínea a) da Lei 100/84, de 29 de Março.

15 - Deste modo, deverá ser revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que absolva o Estado do pedido.

1.2. A autora, em recurso subordinado, apresenta alegações com as seguintes alegações: a) O presente recurso subordinado vem interposto da douta sentença proferida pelo tribunal “a quo” que, julgando a acção procedente, condenou o Estado Português a pagar à Autora as quantias correspondentes aos danos patrimoniais e aos danos morais provados nos presentes autos, mas que relegou a liquidação destes para a execução de sentença.

b) A Autora entende, porém, que os autos contêm os elementos probatórios necessários para o efeito, nomeadamente quer em termos de prova documental, quer testemunhal, que teriam permitido, aliás, ao tribunal “a quo” considerar provada toda a matéria de facto atinente à quantificação daqueles danos.

c) Através do presente recurso impugna-se, assim, a decisão proferida sobre a matéria de facto, considerando a Autora e ora Recorrente que os quesitos 13, 14, 16, 17, 18, 22, 23, 24, 25, 26, 27.2, 27.4 e 27.5 se encontram incorrectamente julgados.

d) Os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida são: d 1) Em termos de prova documental, o relatório da empresa B…, junto aos autos a fls. (…), assim como os próprios dois pareceres juntos posteriormente pelo Estado Português.

O referido relatório da B…, determina o valor dos prejuízos sofridos pela Autora/Recorrente em diversas vertentes: (i) as perdas pelas vendas não realizadas; (ii) os custos de reparação das partes não destruídas mas afectadas pela demolição; (iii) os custos financeiros sofridos pela não disponibilidade dos fluxos financeiros que teriam resultado se as vendas previstas tivessem sido concretizadas no tempo esperado, seja pela impossibilidade de os fazer render, seja pelos sobrecustos financeiros decorrentes das moras e perante a Caixa Geral de Depósitos.

Cabe salientar, que no mencionado relatório os valores atinentes à perda dos resultados da venda do prédio a construir, em regime de “time-share”, foram apresentados como valores médios que se praticavam no mercado à época; que no cálculo das margens financeiras não obtidas pela A… foram consideradas taxas médias para depósito a prazo segundo fonte do Banco de Portugal e que os valores relativos à receita efectiva foram recolhidos da contabilidade da Massa Falida constante do processo de falência, correspondendo à realidade verificada.

d.2) Em termos de prova testemunhal temos os depoimentos das pessoas inquiridas, indicadas pela Autora/Recorrente, nas sessões de audiência de discussão e julgamento ocorridas em 07 e 14 de Maio de 2008, cujos depoimentos se encontram registados nas gravações a que fazem referência as actas das respectivas audiências, supra melhor enumeradas.

e) Em face do exposto, parece curial que deve proferir-se decisão que altere a resposta dada à matéria de facto mencionada na alínea c) destas conclusões, e consequentemente, seja arbitrado o montante indemnizatório da condenação, reportado aos danos patrimoniais demonstrados nos autos.

f) No que se refere ao cômputo dos danos morais provados nestes autos, e a sua adequação ao caso concreto, o tribunal “a quo” em obediência aos disposto no art. 496º, nº 1 do Código Civil deveria ter aplicado o critério da equidade na determinação do montante indemnizatório.

Nestes termos e nos melhores de direito que V.Exas certa e mui doutamente sempre suprirão requer-se que o presente recurso seja julgado procedente, e em consequência, proferida decisão que liquide o montante indemnizatório no qual o Réu foi condenado a pagar à Autora, pelos danos patrimoniais e morais provados nos autos.

1.3. O réu Estado apresentou contra-alegações, relativamente ao recurso subordinado da autora, concluindo: 1 – A Massa Falida da A…, interpôs recurso subordinado da sentença, na parte que relegou a liquidação dos danos para execução de sentença.

2 - Para tanto afirma que “ os quesitos 13, 14, 16, 17, 18, 22,23, 24, 25, 26, 27.2, 27.4 e 27.5, se encontram incorrectamente julgados”.

3 - E alicerça a sua tomada de posição, “Por um lado, … no relatório da empresa B…, junto no decurso da audiência de discussão e julgamento” e “Por outro lado, … os depoimentos das diversas testemunhas indicadas pela autora…” 4 Ora, tais meios probatórios, alicerces da posição do recorrente, não impõem tomada de posição diferente da versada na sentença sobre recurso, no que reporta à liquidação dos danos.

  1. O relatório a que se refere a recorrente em face do que se dispõe no art. 389º do Código Civil não vincula o julgador.

  2. Na realidade, está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova.

  3. E, tal princípio, nos termos do disposto no art. 396º do Código Civil, abrange igualmente a prova testemunhal que é o outro alicerce da discordância da recorrente.

  4. Como se afirma no Acórdão da Relação de Coimbra de 16-05-2006, processo 887/06 disponível em www.dgsi.pt: I – “ O controle de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação da prova e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova pelo julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade”.

    II – “… Na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, pois que a valoração do depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição”.

    III – “ O que é necessário é que no seu livre exercício da convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto provado ou não provado, possibilitando, assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão.” 9º Ora, da leitura da fundamentação da resposta dada aos factos controvertidos, onde se incluem os impugnados pela recorrente, resultam, de forma clara as razões que conduziram às...

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