Acórdão nº 0390/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelPIRES ESTEVES
Data da Resolução20 de Maio de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Tribunal Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: A Anafre (Associação Nacional de Freguesias) não se conformando com o douto acórdão do STA de 12/11/2009 (fls. 147 a 151) dele interpôs o presente recurso jurisdicional para o Tribunal Pleno, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: 1ª - Quer a Constituição da República, quer o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (conveniência de siglas à parte) expressamente reconhecem a possibilidade de impugnar actos administrativos que estejam contidos em regulações de natureza normativa sendo a fonte (legislativa) de onde emana o acto irrelevante - cfr. arts. 268º nº 4 da Constituição da República e 52º nº 2 do CPTA.

  1. - Não se pode sobrepor o conceito de acto administrativo processualmente impugnável ao que está contido no artº 120º do CPA que o limita, aliás, expressa e literalmente, restrição que não pode ser olvidada, à regulação procedimental administrativa - é isto que o acórdão parece deixar, a tort, escrito.

  2. - Sendo assim o que importa, para estes efeitos de impugnação, é a definição material de acto administrativo.

  3. - No que concerne à verificação de uma omissão, que assim seria insusceptível de constituir objecto de impugnação, parece, a todas as luzes, que jamais se poderá defender que a falta de previsão num acto de um determinado (e eventualmente devido) conteúdo decisório não implica que essa omissão não possa corresponder a uma decisão.

  4. - O que pretendemos assim concluir é que, por vezes o silêncio não corresponde a uma falta de decisão, a um não-acto, a uma não-decisão, consubstanciando antes uma denegação de um direito ou o puro e simples incumprimento de uma obrigação legal - caso dos autos conforme repetidamente é sustentado na p.i. e no parecer junto.

  5. - Aliás, acresce concluir que se demonstrou à saciedade que o legislador orçamental estava ciente que com o incumprimento da Lei nº 11/96, iria causar dificuldades financeiras e funcionais às Freguesias, circunstância que demonstra inequivocamente a existência de um juízo decisório proferido a este respeito - cfr. artº 42º nºs 9 e 10, da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro.

  6. - Nesta conformidade, parece poder sustentar-se, em razoabilidade, ao contrário do que em erro de julgamento foi decidido, que a omissão em que se ancora o acórdão não constitui fundamento legítimo para entender que não estamos face a um acto administrativo.

  7. - No que concerne à consideração que se explica na circunstância da medida impugnada não individualizar (identificar) um ou alguns dos seus destinatários, importa concluir que não é necessário não individualizar (através do nome e da morada) o destinatário do acto, isto mesmo lançando até mão da definição de acto administrativo constante da lei procedimental - cfr. Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves, Pacheco de Amorim, Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2ª ed., pág. 564.

  8. - A não considerar a generalidade e a abstracção ou a individualização e a concretude, como arabescos decorrentes de uma pura especulação teórica (tradução livre da versão francesa do Direito Administrativo de Hartmut Maurer, pág.194), temos que se descobre na jurisprudência deste Supremo Tribunal (o que se interpreta como um dos vários critérios que distinguem norma de acto), uma corrente que afere a distinção pela determinabilidade dos destinatários do mesmo - cfr. Ac. do STA de 14/12/05, proferido no proc. nº 767/04 e Ac. do TP de 14-10-99, proferido no Proc. nº 30543, in Ap. DR de 21-06-2001, p. 1071.

  9. - Ora, o que importa concluir é assim que conforme foi alegado e consta do parecer, o universo dos destinatários deste acto administrativo não só consta do anexo (mapa XX) à Lei do Orçamento, mediante a identificação concreta das Freguesias, como os destinatários são e sempre seriam precisamente determináveis - o que, aliás, se prova e resulta demonstrado pela circunstância de algumas das Freguesias terem impugnado o acto de que se trata, alegando a medida, concreta e específica, do sofrido prejuízo.

  10. - Por último diremos, se bem se entende a nota (Nota 1) que a este respeito é dada à estampa no acórdão, que o aresto parece admitir que, efectivamente, a posição que os impugnantes sustentam a este respeito tem razão de ser e poderá ser admitida -facta concludentia.

  11. - Quanto à generalidade e abstracção, considerando que sobre a primeira já nos debruçámos, o melhor critério a que se chegou, nesta lógica que demos nota de este ser mais um critério diferenciador entre norma e acto, é aferir-se de tal predicado indagando se o acto se esgota na sua própria regulação ou se, pelo contrário, tem uma vocação de aplicação a uma série de situações de facto que se venham a repetir no futuro.

  12. - Nesta conformidade, importa concluir que a supressão que resulta do acto, de que se queixam as autarquias e que tantos prejuízos lhes irão causar, prejuízos esses que se reflectem, entre o mais, na impossibilidade de fazer face a despesas fixas e igualmente na angústia dos autarcas terem de trabalhar para os seus paroquianos sem receber ou pura e simplesmente, em detrimento do interesse público, abandonarem funções, esgota-se numa só aplicação da lei que, aliás, vigora apenas transitoriamente e para o ano de 2009; 14ª - A este respeito, poderíamos até convocar as características definidoras das leis-medida e aí encontrávamos os momentos sobrelevados pelas distintas teorias que tentam a sua definição (individualidade, transitoriedade e concretude), devendo a este respeito ver-se JJ. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª ed., pp. 712 e segs....

  13. - Finalmente, se convocássemos os critérios de descoberta da normativa, nas suas 4 dimensões, também seríamos forçados a concluir estar face a um acto administrativo - cfr. últ. aut. cit., ob. cit, p. 926 e jurisprudência do Tribunal Constitucional aí mencionada a este respeito.

  14. - No que se refere à referência à necessidade de ter de existir uma pretensão dirigida à administração, não é esta, no nosso entendimento, uma justificação válida do sentido decisório, na medida em que, e tal é o que basta, se alinhássemos por esse entendimento ou víssemos na mesma um pressuposto exigível da impugnação jurisdicional então, para além do muito mais que se poderia adiantar em termos de direito processual administrativo, poderiam existir actos administrativos contidos em diplomas que, ao contrário, do que a constituição e a lei referem, por falta desta pretensão jamais poderiam ser (como agora se diz) escrutinados em sede jurisdicional - pense-se numa qualquer lei-medida afrontadora de um qualquer direito fundamental que não tendo sido pedida ou não tendo resultado de uma pretensão dirigida à administração e que assim jamais poderia ser, por isso mesmo, apreciada jurisdicionalmente.

  15. - Concluiremos pois a este respeito, que se se interpretar o estatuído no artº 51º do CPTA da forma como o acórdão recorrido o faz, estaríamos a violar irrefragavelmente o estatuído nos arts. 268º nº 4 e 20º da Constituição da República e, porque não dizê-lo, a fazer uma interpretação que conflituava com o estatuído no artº 52º nº 2 do CPTA e do art. 4º nº 1, al. c) do ETAF (tudo isto para além das razões que subjazem à interpretação em conformidade com a Constituição), que teria de ser resolvida mediante a aplicação do artº 7º do CPTA.

  16. - Para além do que se vem de concluir, recorda-se (no que concerne à pretensa opção política resultante da supressão dos montantes de que se queixam as autarquias), que no caso de que se...

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