Acórdão nº 014/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Junho de 2010

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução17 de Junho de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório O CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA A…, veio recorrer, por OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS, nos termos conjugados dos artigos 102º da LPTA, 24º do ETAF/84, 763º e 765º do CPC, na redacção anterior ao DL nº 329-A/95 de 12 de Dezembro, do acórdão do TCA Norte, datado de 15.10.09, que confirmou a sentença do TAC de Coimbra, datada de 3.2.09, que, concedendo provimento ao recurso contencioso de anulação instaurado por C…, declarou nula a deliberação daquele Conselho, de 27.5.98, que o puniu com a sanção disciplinar de despedimento com justa causa.

Para tanto alegou: 1. O presente recurso jurisdicional tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte nos autos supra identificados, que julgou improcedente o recurso jurisdicional interposto pelo CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA A… (…), tendo declarado a nulidade da sanção disciplinar aplicada ao Recorrido, C…, em 27.05.1998. Está agora em causa, no essencial, a identificação do regime jurídico aplicável à apreciação e à sanção das faltas cometidas pelos funcionários da Recorrente e a subsistência - ou não -, na ordem jurídica, das sanções de despedimento com justa causa concretamente aplicadas. Na verdade, adoptando uma interpretação do artigo 36.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 48953, de 5 de Abril de 1969, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 461/77, de 7 de Novembro, diversa da que veio a ser sancionada pelos tribunais administrativos, o CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA A… aprovou, em 11 de Agosto de 1993, um novo Regulamento Disciplinar aplicável, indistintamente, a todos os seus trabalhadores e funcionários. Segundo tal Regulamento, todos os funcionários e trabalhadores da A… passavam a ficar sujeitos, globalmente, ao regime jus-laboral aplicável aos trabalhadores do sector bancário.

  1. Ora, de acordo com a posição adoptada na jurisprudência, tal Regulamento excedeu os limites da correspondente habilitação legal e deve, portanto, ser judicialmente desaplicado. Na sequência disso mesmo, tem sido questionada a legalidade das várias decisões sancionatórias adoptadas pelo Recorrente - algumas dessas reacções acabaram por surgir vários anos após terem sido proferidas as decisões sancionatórias, a pretexto da nulidade que supostamente decorreria daquela desaplicação e que, nessa linha, permitiria ressuscitar processos disciplinares decididos e consolidados há muitos anos - por invocarem o regime aplicável por efeito daquele Regulamento aos seus funcionários sujeitos a um vínculo laboral de Direito Público. Foi isso, precisamente, que sucedeu no caso de que emergiu o aresto recorrido, não pondo o recorrido C… em causa a prática dos factos que determinaram a cessação do vínculo laboral com a A… nem a respectiva gravidade.

  2. Toda a matéria vertida nos presentes autos reconduz-se, pois, à (i) identificação do regime disciplinar efectivamente aplicável aos funcionários da Recorrente e (ii) à identificação das consequências da invocação de regime formalmente inaplicável, na determinação da sanção disciplinar de que foi objecto C…. A esse respeito, avulta, concretamente, a questão de saber se é aplicável in casu o Regulamento Disciplinar aprovado pelo Decreto de 22 de Fevereiro de 1913, completado pelo Decreto n.° 19.468, de 16 de Março de 1931, como sempre tem sido entendido por esse Venerando Tribunal e pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, ou se, diferentemente, deve aplicar-se o Estatuto Disciplinar dos Funcionários Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 24/84, de 16 de Janeiro, como foi agora inovatoriamente sustentado pelo Tribunal a quo. Estribando-se, de resto, na aplicação do referido Decreto-Lei n.° 24/84, de 16 de Janeiro, o Tribunal a quo considerou prejudicada a posição sustentada pelo CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA A…, com fundamento em Parecer de Direito junto aos autos subscrito pelo Professor Doutor SÉRVULO CORREIA, segundo a qual a aplicação do Regulamento Disciplinar de 1913 não determina automaticamente a invalidade da decisão sancionatória aplicada sob invocação (formal) do Regime Jurídico da Cessação do Contrato de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro. Quanto a este último aspecto, torna-se necessário, efectivamente, avaliar em que medida a invocação de norma inaplicável se projecta na própria materialidade do acto e no procedimento que o precedeu, uma vez que a mera variação terminológica ou a simples invocação formal de base legal errónea não se revestem, por si só, de relevância invalidante.

  3. Como se referiu, porém, a orientação agora expendida no acórdão recorrido contraria a boa doutrina, contínua e reiteradamente afirmada por esse Venerando Tribunal, encontrando-se verificados todos os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, nos termos do artigo 24º, alínea b’), do ETAF, e do artigo 763.° do CPC. Com efeito, e também segundo o entendimento há muito estabilizado na jurisprudência, a admissibilidade do recurso ora interposto exige que os acórdãos em confronto tenham perfilhado, de forma expressa, (i) soluções opostas relativamente à mesma questão fundamental de direito, (ii) na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica e (iii) tendo por base situações de facto idênticas (cfr., por último, o Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 19.03.2009, Processo n.° 1102/08). Analisemos, portanto, cada um destes pressupostos, invocando-se como acórdão-fundamento do presente recurso o aresto proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, em 05.07.2005 (rec 755/2004), cuja copia impressa, extraída de www.dgsi.pt, se junta como Doc. ANEXO. Esse acórdão faz eco da posição adoptada pelo Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no aresto datado de 24.05.2005 (rec. 927/02) - também reiterada no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo de 25.10.2005 (rec. 831/2004) -, mas é, destes três arestos, aquele que mais explicitamente se encontra em oposição com o acórdão recorrido, designadamente quanto ao enquadramento jurídico e também ao desvalor de que, ao menos em abstracto, poderia padecer a decisão sancionatória impugnada.

  4. Dito isto, começando pelo primeiro pressuposto enunciado acima, a divergência entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento coloca-se quanto às seguintes questões fundamentais de direito: a) Qual o regime jurídico aplicável aos funcionários da Recorrente que não optaram pela transição para o regime jurídico do contrato individual de trabalho aquando da transformação da A… em sociedade anónima, nos termos do artigo 7.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 287/93, de 20 de Agosto, e que, como tal, mantiveram o vínculo anterior? b) Quais as consequências da invocação, na sanção disciplinar impugnada, de regime disciplinar diferente do efectivamente aplicável (não entrando, apenas por agora, em linha de conta com a irrelevância invalidante, in concreto, dessa divergência, conforme sustentado pela recorrente no tribunal a quo? Nulidade ou mera anulabilidade? Quanto à primeira questão, a divergência expressa entre os dois acórdãos é flagrante. Assim, no acórdão recorrido, decidiu-se, em conclusão, que «(...) aplicável à situação dos autos, é o regime disciplinar do funcionalismo público - ED - Dec. Lei 24/84, de 16 de Janeiro» (cfr. 14). Diversamente, no acórdão-fundamento havia-se decidido, à luz da doutrina fixada no Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 24.05.2005, e em consonância com os mencionados Pareceres da Procuradoria-Geral da República, que “C.) em matéria disciplinar, antes da referida transformação em sociedade anónima e antes de ser proferido o Despacho n.° 104/93, era aplicável aos trabalhadores da A… o Regulamento Disciplinar dos Funcionários Civis, de 22 de Fevereiro de 1913, por ser o que, de acordo com o Decreto n.° 8162, de 29 de Maio de 1922, o primitivo regulamento da B…, era o aplicável, em matéria disciplinar, aos funcionários civis” (cfr. cit. Doc. ANEXO, p. 13). Já quanto à segunda questão enunciada, a divergência entre os dois julgados é igualmente explícita. No acórdão recorrido, e reproduzindo integralmente os fundamentos adoptados noutra decisão, entendeu-se que o acto administrativo recorrido é nulo nos termos do disposto no artigo 133.°, n.° 2, alínea), do CPA (...)“ (cfr. p. 16). Já quanto ao acórdão-fundamento, diversamente, entendeu-se que a aplicação ou a invocação, em concreto, do regime jurídico da cessação do contrato de trabalho - sendo aplicável, afinal, o Regulamento Disciplinar de 1913 - geraria apenas mera anulabilidade: “(..) o acto recorrido, ao aplicar, sem suporte legal, um regime sancionatório diferente do que deveria ser aplicado, enferma de vício de violação de lei que justifica a sua anulação (art. 135.° do C.P.A.)” (cfr. cit, Doc. ANEXO, p. 17). Temos, como tal, inequivocamente verificado o primeiro pressuposto, acima enunciado, da admissibilidade dos recursos por oposição de julgados.

  5. Passando ao segundo pressuposto referido, ou seja, a inexistência de alteração legislativa sobrevinda, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 763.° do Código de Processo Civil e da jurisprudência desse Venerando Tribunal, constantemente reiterada, a sua verificação in casu é igualmente manifesta. Na verdade, conforme já foi aflorado acima, a matéria controvertida nos presentes autos centra-se na identificação do regime disciplinar aplicável aos funcionários sujeitos a um regime laboral de direito público, após a entrada em vigor do referido Decreto-Lei n.° 287/93, de 20 de Agosto, que transformou a A… em sociedade anónima. Na posição que fez vencimento no acórdão recorrido, a entrada em vigor daquele diploma teve por efeito sujeitar os funcionários da Recorrente ao regime do Decreto-Lei n.° 24/84, de 16 de Janeiro, entendimento este que nunca foi sufragado, antes pelo contrário, por esse Venerando...

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