Acórdão nº 0634/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução08 de Setembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

O Exm.º Magistrado do Ministério Público recorre da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de procedência da reclamação que A… deduziu contra o acto do órgão da execução fiscal que lhe indeferiu o pedido de reconhecimento do direito de remir na aquisição do imóvel vendido na execução fiscal n.º 0710 2004 01015656 e apensos, a correr termos no Serviço de Finanças de Cantanhede, na qual é executado B…, pedido que fundara no disposto no artigo 912.º do Código de Processo Civil e no facto de a peticionante viver em circunstâncias análogas às dos cônjuges com o executado.

Terminou a sua alegação de recurso enunciando as seguintes conclusões: A- O reconhecimento da vivência em união de facto entre a reclamante e o executado não lhe confere o exercício do direito de remição na venda da casa de morada de família, pois que tal direito não figura entre os consagrados na Lei n° 7/2001, de 11.5; B- com efeito, de acordo com o seu art.º 4°, n° 1, apenas em caso de morte se consagrou o direito de preferência na venda ao cônjuge sobrevivo, e mesmo assim, apenas pelo prazo de cinco anos; C- errando assim a douta sentença na apreciação do direito, ao fazer aplicação analógica do previsto nos arts. 912° e 915°, ambos do C.P.C.; D- todavia, da vivência em união de facto da reclamante com o executado, nasceu já em 30.8.2007, a filha C..., ela sim, titular do direito de remição; E- dada a conhecer à AF a existência dessa filha, não só através das declarações conjuntas de rendimentos efectuadas pela reclamante e executado em 2007 e 2008, mas também através de documentos juntos na execução fiscal, competia ao Chefe de Finanças providenciar no sentido de assegurar o seu exercício; F- designadamente, através da notificação da reclamante, investida na qualidade de legal representante da sua filha menor; G- omissão essa que acarreta nulidade com manifesta influência no exame e decisão da causa; H- pelo que deve ser revogada a douta sentença e substituída por outra que determine a anulação da venda, não com fundamento no reconhecimento do direito de remição por parte da reclamante, que dela não goza por não ser cônjuge do executado, mas pela referida omissão do Órgão de execução fiscal.

1.2.

A Recorrida A… apresentou contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo: a) O recurso interposto pelo Ministério Público é improcedente na parte em que defende a impossibilidade de aplicação analógica do artigo 912.º do CPC aos casos de venda judicial em sede executiva da casa de morada família de um agregado familiar que vive em união de facto em condições análogas às dos cônjuges; b) Inexistindo fundamento para discriminar quanto a essa matéria o cônjuge e o membro de uma união de facto, a norma do artigo 912.° do CPC na interpretação que impeça a remição da casa de morada de família por parte do membro da união de facto é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, da proporcionalidade, da protecção da família e da protecção da habitação familiar; c) A aplicação analógica afigura-se justificada porquanto as razões que justificam a regulamentação legal procedem plenamente perante o caso da “casa de morada de família” no âmbito de uma união de facto, não sendo obstáculo o teor literal do artigo 4.º da Lei n.º 7/2001, o qual é afastado pelo artigo 1.º, n.° 2, da Lei n.° 7/2001, que teve como objectivo o estabelecimento de um mínimo de protecção para as uniões de facto e, como aí se diz, não afasta a aplicação de outras normas de tutela da mesma realidade.

d) E que neste caso, não estão em causa quaisquer interesses de tutela da liberdade juridico-privada dos membros do agregado unido de facto, nem qualquer motivo contendente com a segurança do comércio jurídico ou com interesses de terceiros, mas apenas o interesse do exequente em receber o preço pelo qual o bem é vendido a outrem.

e) Se existem, como é óbvio, motivos atendíveis para que o regime do casamento não seja coincidente com o da união de facto, existindo, por esse motivo, uma margem de discricionariedade normativo-constitutiva do legislador para estabelecer as respectivas diferenças de normação, a verdade é que essa discriminação não pode ser efectuada quando sejam de acautelar interesses dignos de tutela e constitucionalmente reconhecidos que emergem do conceito de família e do conceito de “casa de morada de família”, o qual se impõe independente de uma relação de carácter matrimonial.

f) Por esse motivo, no que toca à “casa de morada de família” é claro que o legislador pode estabelecer discriminações entre o regime decorrente do casamento e da união de facto, conquanto que as mesmas estejam sujeitas ao critério da proporcionalidade, razoabilidade, necessidade e adequação, designadamente quando está em causa a tutela de direitos ou da posição jurídica de terceiros ou a segurança do comércio jurídico.

g) No caso presente, no entanto, nenhuma dessas exigências impede que o membro da união de facto possa resgatar em sede executiva a casa de morada de família, entregando o respectivo preço, maxime quando o agregado familiar é composto por menores, cujos interesses têm de ser salvaguardados, como é intenção legislativa que perpassa o regime de protecção da casa de morada de família, não só na união de facto, como também no casamento.

Termos em que e nos mais de direito deve o recurso improceder na parte em que não admite a aplicação, por analogia, da disposição do artigo 912.° do CPC ao membro da união de facto para resgate da respectiva casa de morada de família, acompanhando-se o demais da argumentação expendida no recurso quanto ao fundamento aí invocado para determinar a anulação da venda, com as demais consequências legais.

1.4.

Com dispensa dos vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, cumpre decidir.

* * *2.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto: 1. Em 28 de Janeiro de 2010, nos Serviços de Finanças de Cantanhede, entrada número 738, a reclamante apresentou um requerimento, no qual declarou pretender exercer o direito de remição, nos termos do previsto no artigo 912° do Código de Processo Civil, com fundamento no facto de viver em circunstâncias análogas às dos cônjuges com o executado, juntando para esse efeito a declaração da respectiva junta de freguesia, conforme teor de fls. 144 e 145 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

  1. O competente Chefe do Serviço de Finanças D…, por despacho de 28.01.2010, indeferiu o pedido da reclamante, por entender que, quer o disposto no artigo 912° do CPCivil, quer o previsto na Lei 7/2001, de 11.05, não contemplam o direito de remição no caso das uniões de facto, concluindo pelo entendimento que o legislador não pretendeu atribuir tal direito, conforme teor de fls. 146 junto aos autos e cujos termos se dá aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. A reclamante foi notificada do despacho do Chefe do Serviço de Finanças, em 1 de Fevereiro de 2010.

  2. Por consequência, em 8 de Fevereiro de 2010, a reclamante deduziu reclamação de actos do Chefe de Repartição de Finanças daquele despacho que lhe indeferiu o exercício do direito de remição.

  3. A reclamante A… vive há, pelo menos, 3 anos, no prédio urbano descrito como casa de rés-do-chão, destinada a habitação, com garagem e logradouro situada na Rua …, em Arazede, com o executado B… e relativamente a qual, o executado tem inscrita a aquisição a seu favor.

  4. A reclamante e o executado B… têm em comum uma filha C…, nascida em 30.08.2007, conforme documento junto a fls. 170 dos autos e cujo teor do mesmo se dá aqui por integralmente reproduzido.

  5. No passado dia 28.01.2010, pelas 11h00 teve lugar a venda executiva n°. 0710.2009.429 do imóvel inscrito no artigo 4396°, sito na Rua …, freguesia de Arazede, no concelho de Montemor-o-Velho, Arazede.

  6. A reclamante A… e o executado B… apresentaram declaração conjunta de rendimentos auferidos, no ano de 2006, tendo sido reembolsados no valor melhor indicado na liquidação n°. 2008 5000006752, de 14.01.2008, conforme demonstração da liquidação de IRS junta aos autos a fls. 301 e cujos termos se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

  7. A reclamante A… e B… apresentaram declaração conjunta de rendimentos auferidos, no ano de 2007, tendo sido reembolsados no valor melhor indicado na liquidação n°. 2008 4000671256, de 20.06.2008, conforme demonstração da liquidação de IRS junta aos autos a fls. 302 e cujos termos se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

  8. A reclamante A… e B… apresentaram declaração conjunta de rendimentos auferidos, no ano de 2008, tendo sido reembolsados no valor melhor indicado na liquidação n°. 2009 4000749034, de 16.04.2009, conforme demonstração da liquidação de IRS junta aos autos a fls. 303 e cujos termos se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

  9. Em 14 de Dezembro de 2004, os Serviços de Finanças de Cantanhede instauraram contra a executada a firma “E…, Lda.”, o processo de execução fiscal n°. 0710 2004 0101565.6, por dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), do ano de 2004, no montante global de € 3.596,48, conforme teor de fls. 3 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

    − Por termo de apensação de 11 de Janeiro de 2006, foram apensados a esse processo de execução fiscal n°. 0710 2004 0101565.6, os seguintes processos de execução fiscal: − 0710 2004 0101904.0, apensado em 11.01.2006, por dívidas de IVA do ano de 2004-07 e 2004-09; − 0710 2005 0100439.5, apensado em 11.01.2006, por dívidas de IVA do ano de 2004-10 e 2004-12; − 0710 2005 0102059.5, apensado em 11.01.2006, por dívidas de IVA do ano de 2003-04 a 2003-06, 2003-07 a 2003-09, 2003; − 0710 2005 0103895.8, apensado em 11.01.2006, por dívidas de IVA de 2005-01 a 2005-03; − Em resultado a dívida...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT