Acórdão nº 087897 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Março de 1996 (caso None)

Magistrado ResponsávelFERNANDO FABIÃO
Data da Resolução05 de Março de 1996
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Na comarca de Lisboa, A, que também usa ..., propôs contra Edipress - Imprensa Independente, S.A., Dr. B e Doutor C, que também usa ..., a presente acção como processo ordinário na qual pediu que estes réus fossem condenados a pagar-lhes a quantia de 10000000 escudos como indemnização pelos danos não patrimoniais por ele sofridos com a publicação no jornal "Semanário", propriedade da ré, de que é director o 2. réu, de três artigos da autoria do 3. réu, relacionados com a conduta do autor no cargo de Secretário-Adjunto para a Economia, Finanças e Turismo, do território de Macau e gravemente lesivos da sua auto-estima, reputação e bom nome público. Na sua contestação, os réu dizem que o autor dos escritos focados actuou licitamente, no exercício do direito de informação, sem culpa, com diligência até superior à de um bom pai de família, e não fêz imputações objectivamente ofensivas do autor da acção, e, além disto, este não sofreu quaisquer danos, e terminaram pedindo a absolvição do pedido e a condenação do autor em multa e indemnização como litigante de má fé. Realizada, sem êxito porém, uma tentativa de conciliação, foi proferido o despacho saneador e organizados a especificação e o questionário. Prosseguiu o processo a sua tramitação até que, feito o julgamento, foi proferida sentença que absolveu os réus do pedido. Desta sentença recorreu o autor, mas a Relação negou provimento ao recurso. Deste acórdão voltou o autor a recorrer e, na sua alegação, concluiu assim: I - os escritos de folhas 224/verso, 220/verso e 218/verso contêm expressões e imputações objectivamente ofensivas da honra e reputação do autor, ainda que sob a forma de dúvidas e perguntas, imputações que se resolvem em crimes de peculato, participação económica em negócio e abuso de poderes; II - o recorrido Doutor C não cumpriu o dever de informação para os efeitos do artigo 164 n. 3 do Código Penal, maxime quanto à imputação do recorrente de estar a actuar, servindo-se do exercício de funções públicas e com dinheiro ilicitamente emergente de tal actividade, para pagar as despesas de campanha eleitoral de 1986 do Dr. D e a amealhar para a cobertura das despesas com a campanha de 1991; III - para efeitos de conclusão pela sua boa fé, alegou factos, levados ao n. 14 do questionário, que seriam sucedâneos do cumprimento do dever de informação, mas não logrou prová-los; IV - ficou provado que a honra e reputação do recorrente foi lesada; V - a medida de tal lesão é ampliada pela difusão que o jornal "Semanário" proporciona, já que é público e notório que este periódico tem tiragens de milhares de exemplares e é comprado e lido por milhares de pessoas - tudo factos públicos e notórios de que o julgador sempre se pode servir e para cuja relevância é indiferente a resposta negativa ao quesito 4., nos precisos termos em que está formulado; VI - a ofensa deliberada da honra e reputação do autor, valores que são tutelados pela lei penal (artigo 164 do Código Penal) e civil (artigo 70 do Código Civil) constitui ilícito culposo que gera a obrigação de indemnizar, in casu, pelo dano moral daí emergente (ut artigos 483 e seguintes, 562 e seguintes, todos do Código Civil), pelo que deve ser atribuída ao recorrente indemnização condigna em valor não inferior ao peticionado, revogando-se o acórdão a quo por erro de interpretação e aplicação do direito, maxime as disposições enunciadas nestas conclusões. Na sua contra-alegação, os recorridos concluíram deste modo: I' - a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa têm dignidade e tutela constitucionais equivalentes ao direito ao bom nome e à honra de qualquer pessoa; II' - à imprensa cabe a função pública e, portanto, o direito - dever de formar a opinião pública nas diversas vertentes da cidadania: política, económica, social e cultural; III' - a possível ofensa ao bom nome e reputação de uma figura pública ou de um titular, ainda que fugaz, de um cargo político, como o recorrente, desde que indispensável àquela função pública da imprensa e feita em termos críticos não abusivos, não é ilícita, porque efectuada no exercício de um direito; IV' - os escritos assinados pelos réus reportam-se exclusivamente à vida política de Macau e à actuação do recorrente no exercício do cargo de Secretário-Adjunto do respectivo Governo, foram escritos depois da generalidade da imprensa ter questionado e formulado as mesmas dúvidas e as mesmas críticas e limitam-se a colocar dúvidas, suscitar questões e exigir esclarecimentos sobre factos e acusações que outros já haviam dado à estampa pública; V' - provou-se ser verdade que, em 1986, o recorrente, sem concurso público, prorrogou, em negociação directa com E, a concessão de jogo de Macau, passando o seu termo natural, que era em 1991, para o longínquo ano de 2001, provou-se também que uma das maiores, senão a maior, das contrapartidas dessa prorrogação foram contribuições para a Fundação do Oriente de que o autor pretendeu ser Presidente, como de facto veio a ser e ainda é, e provou-se ainda que o autor transferiu dinheiro público do Fundo de Pensões de Macau para Sociedade Bancária a que anteriormente estivera ligado na sua vida privada; VI' - é assim evidente a veracidade do que os réus respeitaram e o interesse público do que questionaram, pelo que foi lícito o seu comportamento, pelo que tiveram razão ambas as instâncias quando, em emissores, reconheceram que não era exigível os réus C, como comentador político desde há 12 anos, que calasse as dúvidas e interrogações que outros haviam já suscitado e não actuasse, como actuou, com adequação, no cumprimento da função pública da Imprensa; VII' - por outro lado, incumbia ao recorrente provar a culpa dos recorridos, o que não conseguiu, e não a estes provar a inexistência de culpa, pelo que improcede o sentido aliás abusivo que o recorrente pretende retirar da resposta de não provado ao quesito 14, o qual nada tinha aliás a ver com a diligência e a veracidade usadas pelos recorridos; aliás, se se seguisse o critério quanto a ele pretendido pelo recorrente, também da resposta ao quesito 6. se imporia concluir que "o recorrente tem e sempre teve uma conduta repreensível, seja em público seja em privado"; VIII' - provou-se aliás que a intenção dos réus foi a de questionar os responsáveis sobre a veracidade do que outros órgãos de comunicação social haviam dito (resposta ao quesito 7.) e também a de demonstrar a legitimidade e o interesse público das perguntas que formularam nos seus artigos, a necessidade das respostas que aqueles responsáveis deviam ter fornecido e o dever de informação do público neste domínio (respostas aos quesitos 11, 12 e 13); IX' - acresce que o autor não fez prova de qualquer dano à sua honra nem ao seu bom nome e reputação (respostas aos quesitos 3. e 4.); X' - decidir o contrário do que se deixa exposto seria fazer aplicação dos artigos 484 do Código Civil e 24 da Lei da Imprensa em interpretação desconforme com o disposto nos artigos 37 ns. 1 e 2 e 38 ns. 1 e 2 da C.R.P., pelo que o recurso deve ser julgado improcedente. Colhidos os vistos legais, cabe decidir. Vêm provados os factos seguintes: 1 - entre 21 de Maio de 1986 e 27 de Agosto de 1987, o autor desempenhou o cargo de Secretário-Adjunto para a Economia, Finanças e Turismo do Território de Macau e, no cumprimento das atribuições próprias deste cargo, participou no processo de revisão do contrato para a concessão do exclusivo da exploração de jogo de fortuna ou azar no dito território de Macau, ultimado em 31 de Dezembro de 1986, e interveio no processo de transferência para instituições bancárias estrangeiras, operada a partir de 17 de Dezembro de 1986, de reservas monetárias afectas, as quais foram inicialmente transferidas para uma instituição bancária estrangeira, a S.B.P., a que o autor estivera anteriormente ligado; 2 - o contrato para a concessão do exclusivo da exploração de jogos de fortuna ou azar no território de Macau, celebrado entre o Governo de Macau e a S.T.D.M., S.A.R.L., termina em 31 de Dezembro de 1991; 3 - a ré Edipress - Imprensa Independente, S.A. é proprietária do periódico "Semanário", do qual é director o réu Dr. B; 4 - Na sua edição de 21 de Março de 1987, o dito "Semanário" publicou um artigo da autoria do réu Doutor C com o título "Macau: a rapina no Oriente?", incerto no documento de folhas 224/verso, aqui dado como reproduzido, do qual se destacam as seguintes passagens: "Ultrapassado, em qualquer caso, que se encontra o principal obstáculo a que reflictamos sobre o modo como está a ser gerida a administração portuguesa em Macau, é caso para elencarmos muitas perguntas que têm sido colocadas e ficado sistematicamente sem resposta. Ora, o silêncio não é, nestas circunstâncias um sinal propício para as instituições democráticas. E o silêncio sepulcral que caiu sobre notícias publicadas no Semanário e noutros órgãos de informação que se faziam elo de questões graves vividas em Macau foi estranho já que elas não mereceram nem desmentido conveniente, nem esclarecimento adequado". "Escreveram os jornais portugueses e comentaram e comentam os observadores políticos comuns em Macau que, ao contrário do que acontecera noutras zonas de jogo em Portugal, naquele território a concessão correspondente não foi objecto de qualquer concurso público. A administração portuguesa limitar-se-ia a negociar bilateralmente os termos da concessão com o Senhor E. Mais concretamente, o Dr. A, secretário adjunto com o pelouro financeiro, teria ajustado, a sós, durante umas semanas, com o Senhor E, as condições do contrato de concessão, tal como ele viria a ser subscrito pelas duas partes envolvidas. Esse contrato incluiria expressamente uma cláusula afectando uma percentagem determinada dos lucros do jogo de Macau... a uma Fundação". "Por outro lado, notícias complementares aludiriam à aquisição pela Fundação de uma percentagem da sociedade concessionária do jogo do Estoril...

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