Acórdão nº 086956 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Dezembro de 1995

Magistrado ResponsávelFERNANDO FABIÃO
Data da Resolução05 de Dezembro de 1995
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Na comarca de Lisboa, A e mulher B propuseram contra C, a presente acção com processo ordinário, na qual pediram que a ré fosse condenada: a) a reconhecer que os autores são os únicos e legítimos proprietários da fracção autónoma designada pela letra "U", correspondendo ao 10. andar direito do prédio urbano identificado no artigo 1. da petição; b) a abrir mão dessa fracção autónoma e a entregá-la imediatamente aos autores, livre e desocupada; c) e a pagar aos autores uma indemnização equivalente ao valor locativo dessa fracção que está abusivamente a fruir, a liquidar em execução de sentença, desde 2 de Junho de 1984, data em que a ré se constituiu em mora, até efectiva entrega, pelos prejuízos que tal ocupação acarreta aos autores (foram feitos mais dois pedidos mas um deles foi indeferido e quanto ao outro houve desistência), porquanto celebraram com a ré um contrato-promessa que teve por objecto esse andar, por ela prometido comprar, mas cujas cláusulas (prestações de pagamento), posteriormente, não veio a cumprir, constituindo-se em mora, pelo que a notificaram a cumprir um certo prazo, sob pena de resolução do contrato, resolução que veio a verificar-se, tanto mais que eles, autores, perderam todo o interesse económico no dito contrato, e, além disto, têm direito à indemnização equivalente ao valor locativo do andar pela ocupação abusiva do imóvel pela ré desde a data da sua constituição em mora. Na sua contestação-reconvenção, a ré aceitou alguns factos, negou outros e declarou ignorar ainda outros e também deu a sua versão da situação e terminou pedindo a improcedência da acção a procedência da reconvenção. Na réplica, os autores pediram a improcedência das excepções deduzidas pela ré, concluindo como na petição, bem como a improcedência da reconvenção e ainda a condenação da ré como litigante de má fé. Na tréplica, a ré concluiu como na contestação- -reconvenção e pediu ainda a condenação dos autores como litigantes de má fé, a reembolsá-la das despesas com esta acção, incluindo os honorários de advogado, a liquidar em execução de sentença. No saneador-sentença foi decidido: - julgar improcedente a excepção peremptória de abuso de direito, - julgar os autores donos e proprietários do dito 10. andar direito, - condenar a ré a abrir mão do dito andar e a entregá-lo imediatamente aos autores livre e desocupado, - condenar a ré a pagar aos autores uma indemnização equivalente ao valor locativo de tal andar, desde 11 de Junho de 1995 e até efectiva entrega, a liquidar em execução de sentença, pelos prejuízos que a sua ocupação nesse período acarretou para os autores, - condenar a ré a reconhecer a resolução do contrato-promessa em 10 de Junho de 1985, - julgar improcedentes os pedidos reconvencionais. Apenas foram organizados a especificação e o questionário quanto ao pedido formulado na alínea d) da petição, mas deste vieram os autores, depois a desistir, como já se disse. Desta decisão recorreu a ré e os autores interpuseram recurso subordinado, mas este último não foi admitido por extemporânea. Prosseguiu o processo a sua tramitação, tendo havido um despacho relativo à conta do qual a ré agravou, mas a Relação decidiu não conhecer deste recurso de agravo. Quanto ao recurso interposto pela ré do saneador-sentença, a Relação revogou a decisão de 1. instância e ordenou sua substituição por outra em que se relegue para final a decisão da excepção de abuso de direito e dos pedidos formulados pelos autores, ainda subsistente, com elaboração da especificação e do questionário. Deste acórdão interpuseram os autores recurso de revista, mas o STJ decidiu não conhecer do recurso. Baixou o processo à 1. instância, foram organizados a especificação e o questionário, de que ambas as partes reclamaram, com êxito a ré e com êxito parcial os autores. Prosseguiu o processo os seus termos até que, feito o julgamento e apresentadas as alegações de direito, foi proferida sentença, a qual decidiu condenar a ré, - a reconhecer o direito de propriedade dos autores como únicos e legítimos proprietários do referido 10. andar direito, - a reconhecer a resolução do contrato-promessa por incumprimento da ré em 10 de Junho de 1985, - a abrir mão desse andar e a entregá-lo imediatamente aos autores livre e desocupado e a ver perdida, a favor dos autores, a quantia de 2000000 escudos, que, a título de sinal, lhes entregou, - a pagar aos autores uma indemnização equivalente ao valor locativo desse andar desde 16 de Fevereiro de 1984, data do início dessa ocupação, até efectiva restituição do mesmo aos autores, indemnização esta a liquidar em execução de sentença, - e julgar improcedente a acção no que concerne ao pedido, formulado em ampliação do inicial, de juros de mora sobre a quantia de 2000000 escudos, - e julgar improcedente a reconvenção, com absolvição dos autores do pedido. Desta sentença apelou a ré e a Relação de Lisboa, concedendo parcial provimento ao recurso, revogou a sentença apelada na parte em que declarou perdida para os autores a quantia de 2000000 escudos, que a ré lhes entregou a título de sinal, absolvendo-se esta de tal pedido mas manteve em tudo o mais tal sentença. Deste acórdão interpôs a ré recurso de revista, o mesmo tendo feito os autores, em recurso subordinado, quanto à parte que lhes foi desfavorável. A ré, na sua alegação, concluiu assim: I - as respostas aos quesitos 1, 3, 7, 43 e 44, que contrariam o que resulta de documentos autênticos juntos aos autos, violaram os artigos 347 e 371 do Cód. Civil, pelo que nos termos do artigo 712 n. 1 alínea b), do Código de Processo Civil, terão de vir a ser modificados, em conformidade com os documentos autênticos; II - na certidão de folha 36 (tentativa de notificação judicial avulsa) lê-se que, sendo a notificanda contactada pelo oficial de justiça e uma sua colega, acompanhados de um agente da P.S.P., "e, após lhe ter referido que lhe vinha dar conhecimento de um assunto judicial, a mesma se recusou a tomar conhecimento e a assinar", mas, perante isto, os autores, ora recorrida, nada requereram, conformando-se com a certidão; III - Nesta tentativa de notificação, o funcionário encarregado dela violou o então vigente artigo 241 n. 18 do Código de Processo Civil; IV - não foi só, portanto, por culpa própria de notificando que a certificação se não fez, sendo até mínima a parcela de culpa dela, uma vez que de si não dependia o cumprimento das formalidades necessárias à realização do acto; e uma vez que se conformaram com a falta de cumprimento da lei, nem sequer podem os autores descansar naquela mínima parcela de culpa que à ré cabe no insucesso da tentativa de notificação, mas valendo, por isso, aos autores o disposto no artigo 224 n. 2 do Código Civil; V - é certo que o comportamento da ora recorrente foi causal da não notificação, mas, como sublinha Baptista Machado, o direito não reconhece à mera causalidade o valor de um princípio de imputação. De pena causalidade nunca pode concluir-se para a responsabilidade. Assim, a não notificação tem de imputar-se aos senhores funcionários que não cumpriram a lei; VI - mas ainda que tal notificação judicial avulsa pudesse considerar-se eficaz, o certo é que não podia considerar-se que ela era apta, nos termos em que foi requerida, para produzir a resolução do contrato, pois que para isso ela teria de, atento o disposto no n. 1 do artigo 808 do Código Civil, servir para fixar um prazo razoável para a notificanda cumprir a prestação; VII - ora, num contrato que tem o prazo de dez anos, o prazo de dez dias que se pretendia fixar para o pagamento das prestações em mora não é um prazo razoável, tendo em atenção, sobretudo, que o prazo de dez anos ainda estava longe de se esgotar; mesmo que para aferir da razoabilidade do prazo que os autores pretendam fixar admonitoriamente à ré, se atende apenas os prazos em que, nos termos do contrato, este devia pagar o preço convencionado, ainda aí se não pode considerar razoável o prazo de 10 dias, por que, por um lado, o prazo para o pagamento do preço é igual ao prazo do contrato, dado que uma parcela remanescente do preço ficou para pagar no acto da escritura, por outro lado, o prazo de 6 meses para o pagamento do sinal não pode ser desligado do prazo de dez anos para o cumprimento integral do contrato, e, por fim, o tal pretendido prazo de 10 dias constitui apenas menos de 5 porcento do próprio prazo de 6 meses para o pagamento do sinal; VIII - esse prazo de 10 dias não é prazo razoável, pois não acautela os interesses, de ambas as partes, não proporciona ao devedor o tempo necessário a, de um modo esclarecido e seguro, optar entre o cumprimento e o incumprimento; IX - ao julgar, no caso, produzidos os efeitos normais da notificação avulsa não efectivamente feita, nos termos que a lei então vigente prescrevia, e ao considerar razoável um prazo de 10 dias, o acórdão recorrido viola os artigos 224 n. 2 e 808 n. 1 do Código Civil, pelo que, em consequência, deve julgar-se que o contrato-promessa não foi resolvido pelos recorridos; X - os recorridos compraram o andar dos autos em 18 de Maio de 1982 por 5280000 escudos, dos quais 3000000 escudos foram obtidos através de empréstimo bancário garantido por hipoteca, ao abrigo do sistema poupança-emigrante, regulado pelo Decreto-Lei 540/76, de 9 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei 79/79 de 9 de Abril, pelo prazo de 12 anos, à taxa anual de 11,5 porcento; XI - os recorridos prometeram vender à recorrente o mesmo andar, por contrato de 16 de Fevereiro de 1984, pelo preço de 6950000 escudos, dos quais 6900000 escudos deviam ser pagos nos 6 meses seguintes à data do contrato e 50000 escudos aquando da outorga da escritura do contrato prometido, a qual só podia, de acordo com o contrato, realizar-se depois de 21 de Junho de 1994; XII - a utilização pelos recorridos do crédito bonificado para fim diverso do previsto na linha de crédito instituída pelo sistema poupança-emigrante inscreve-se...

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