Acórdão nº 397/2005-6 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Maio de 2002

Magistrado ResponsávelMANUEL GONÇALVES
Data da Resolução19 de Maio de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: (A), intentou acção sob a forma sumária, contra a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS SA, pedindo a condenação da R.: no pagamento de 2.700,07 euros; no pagamento de 1.049,93 euros de juros vencidos e ainda nos vincendos.

Como fundamento da sua pretensão, alega em síntese o seguinte: A A. é titular da conta nº 0393/107555/000 da agência da R., em Leiria.

Celebrou com a R. um contrato de emissão e utilização de cartão de débito (Electron).

Em 10.12.98, a autora, antes de apanhar o avião para Portugal, foi vítima de furto em Barcelona, sendo-lhe furtado também o cartão referido.

A participação do furto foi feita por um amigo, nesse dia, tendo a autora chegado a Lisboa, em 10.12.98, depois das 15 horas.

No dia seguinte, de manhã a autora comunicou em agência da R., sita em Algés, o desaparecimento do cartão e solicitou o seu cancelamento.

Em 30.12.98, verificou que o saldo existente na conta era inferior, em cerca de 600.000$00.

Contactada a R. informou que em 10.12.98, foram efectuados movimentos que totalizavam aquela quantia.

Com a data de 15.12.98, aparecem lançados sete movimentos a débito efectuados em 10.12.98, dia do furto, que totalizam 571.316$00 A A. não efectuou aqueles movimentos, que foram efectuados após o furto e em Barcelona.

Contestou a R., dizendo em síntese o seguinte: Reconhece a A. que não cumpriu a exigência constante no nº 6.21 das condições gerais de utilização do cartão (comunicação das ocorrências anómalas) e deveria tê-lo feito no próprio momento em que detectou o furto, comunicação que poderia ser feita telefonicamente, serviço que funciona 24 horas por dia.

Respondeu a autora (fol. 60), após o que foi proferido despacho saneador (fol. 65), e seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória.

Procedeu-se a julgamento (fol. 161 e segs), após o que se proferiu decisão da matéria de facto (fol. 170), sobre que não recaiu qualquer reclamação.

Foi proferida sentença, que julgou a acção totalmente procedente, condenando a R.

Inconformada recorreu a R., (fol. 191), recurso que foi admitido, como apelação (fol 193).

Nas alegações que ofereceu, formula a apelante as seguintes conclusões: 1- Na acção peticionava a autora a condenação da CGD, no pagamento de 2.700,07 euros, decorrente dos pagamentos que foram efectuados com o cartão «Caixautomática Electron» de que era titular, entre o momento em que este cartão lhe foi furtado e aquele em que comunicou tal facto à instituição de crédito.

2- O cartão em causa foi furtado à autora entre as 11H00 e as 11H30 do dia 10.12.1998.

3- A autora apercebeu-se de imediato do furto, tanto que o comunicou à TAP para efeitos de justificar a ausência de documentos, aquando do Chek-in, para o voo das 12H45 desse dia de Barcelona para Lisboa.

4- A autora chegou a Lisboa cerca das 15H00 mas só no dia seguinte, 11.12.98, é que se deslocou a uma agência da CGD para comunicar o furto.

5- Os 7 movimentos fraudulentos com o cartão foram efectuados entre as 12H30 (o primeiro) e as 12H50 (o último) do dia 10.12.98.

6- A apelante enquanto instituição de crédito emitente do cartão, estava obrigada a satisfazer as ordens de pagamento oriundas daquele cartão, uma vez que estavam dentro dos limites do crédito contratado e não lhe tenha sido comunicada qualquer situação anómala pela apelada, titular do cartão.

7- A apelada, enquanto titular do cartão, era a única entidade que, após o furto, tinha o poder de impedir os movimentos do cartão furtado, através de comunicação à instituição de crédito ou à SIBS, mesmo que por via telefónica.

8- A apelada tinha conhecimento e consciência das obrigações que a vinculavam e, mesmo assim, optou deliberadamente por não comunicar à CGD o furto, deixando essa comunicação para o dia seguinte.

9- A apelada tinha consciência de que poderiam resultar danos do uso indevido do cartão e não os quis evitar.

10- Se tivesse adoptado um comportamento diligente, comunicando de imediato o furto à CGD ou à SIBS, teria evitado a utilização fraudulenta do cartão e os inerentes encargos.

11- No contrato de utilização do cartão consta uma cláusula que atribui ao titular do cartão a responsabilidade pelo pagamento dos montantes gerados pela utilização indevida do mesmo, nos casos em que o próprio titular contribui para a sua utilização fraudulenta.

12- Tal disposição não se restringe aos casos em que o titular presta auxílio material ao uso fraudulento do cartão, e abrange aqueles outros casos em que o titular do cartão não impede a utilização do mesmo, quando podia e devia fazê-lo, como foi o caso dos autos.

13- A actuação da apelada violou aquela disposição contratual e violou os deveres de colaboração com a instituição de crédito a que estava obrigada pelo princípio da boa fé.

14- Com a sentença em apreço resultaram violados os art. 762 nº 2, 798 CC.

Contra-alegou a apelada, sustentando a manutenção da sentença recorrida.

Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS.

É a seguinte a matéria de facto considerada assente na sentença sob recurso: 1- A A, é titular da conta de depósitos à ordem nº 0393/107555/000, da agência da Caixa Geral de Depósitos SA, em Leiria (A).

2- Em data anterior a Dezembro de 1998, A. e R., celebraram entre si um «contrato de emissão e utilização de cartão de débito», denominado «Caixautomática Electron», titulado pelo documento cuja cópia consta de fol. 14, denominado «Proposta de Adesão de Crédito», o qual está impresso em papel da R. e é constituído por duas partes: 1º Um cabeçalho, com espaços em branco, que foram preenchidos à mão com dados da agência da R., e com os elementos pessoais da A.; 2º Um texto escrito em letra de imprensa do tamanho que se visualiza a fol. 14, contendo as «condições gerais de utilização do cartão» (B) 3- Foi a R., quem elaborou sozinha o documento referido na al. B), nomeadamente as «condições gerais» nele escritas (C); 4- Tendo-se a A. limitado a aderir a tais «condições gereis», sem as discutir (D); 5- Nos termos da cláusula 6ª do referido contrato, «o titular obriga-se a comunicar à CGD quaisquer ocorrências anómalas, nomeadamente: a) o extravio, furto, roubo ou falsificação do documento (...)» (E); 6- Sendo que, de acordo com a respectiva cláusula 6.2, «a comunicação das ocorrências mencionadas na alínea a) do nº 6 verificadas, quer em Portugal, quer no estrangeiro, deverá ser de imediato dirigida à SIBS, Sociedade Interbancária de Serviços SA, (telefone 809042 da rede de Lisboa que funcionará 24 horas por dia), ao serviço RELECAIXA (telefone 7905555) ou ainda a qualquer uma das agências da CGD, durante as horas de expediente (...)» (F); 7- Dispondo a respectiva cláusula 6.2.1 que «o titular deverá também participar às autoridades policiais locais, a ocorrência dos factos mencionados na alínea a) do nº 6, devendo apresentar cópia ou certidão do respectivo auto à CGD »(G); 8- E preceituando a respectiva cláusula 7ª que «Provando o titular o extravio, furto, roubo ou falsificação do cartão, correm por sua conta os prejuízos sofridos em virtude da utilização abusiva do cartão, no período anterior à comunicação a que se refere o nº 6.2, destas condições, até ao montante correspondente ao contravalor de 150 ECU por ocorrência, salvo se tiver violado qualquer uma das obrigações emergentes do nº 5.1, ou se, por qualquer modo, tiver contribuído, com dolo ou culpa grave, para o extravio, furto, roubo ou falsificação do cartão ou para a utilização fraudulenta do mesmo, casos em que a responsabilidade será integralmente do titular» (H); 9- No dia 10.12.98, de manhã, quando a A. aguardava no interior de uma estação ferroviária, em Barcelona, pelo comboio que a levaria a Portugal, foi-lhe furtada a carteira. (I ); 10-...

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