Acórdão nº 7195/2002-7 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Outubro de 2002 (caso None)

Magistrado ResponsávelANTÓNIO GERALDES
Data da Resolução29 de Outubro de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Apelação nº 7195-02/7ª Secção I - A, Ldª, intentou acção declarativa com processo ordinário contra B, SA, pedindo que seja declarada nula a aquisição realizada pela R. da quota que a A. detinha no capital social da sociedade C, Ldª, ao abrigo do disposto no art. 490º, nº 3, do CSC.

Argumenta que tal dispositivo é inconstitucional e que, além disso, a aquisição não respeitou os requisitos formais e substantivos previstos na lei ordinária, não só por indevido incumprimento dos prazos de proposta da aquisição, mas também porque a contrapartida em dinheiro oferecida não se encontrava justificada por relatório elaborado por revisor oficial de contas independente de ambas as sociedades. Por outro lado, a contrapartida oferecida era manifestamente insatisfatória em face da situação líquida e potencial da sociedade C, Ldª, considerando ainda a sociedade D, S.A., em cujo capital social aquela sociedade é participante.

Contestou a R. e, para além de suscitar a ininteligibilidade do pedido de declaração de inconstitucionalidade, pugnou pela conformidade da norma as normas constituticionais que tutelam o direito de propriedade e com os princípios da proporcionalidade, da igualdade e da liberdade de iniciativa económica individual.

Procedeu ainda à impugnação dos demais pressupostos da acção, invocando uma estratégia de concentração do capital social da empresa C, Ldª, e alegando que o processo de aquisição da quota da A. foi feito de forma regular, tendo em conta o relatório do revisor oficial de contas, a publicidade dada à oferta e o valor da contrapartida.

Houve réplica, na qual a A.. respondeu à alegada ininteligibilidade.

Foi proferido despacho saneador-sentença onde a acção foi julgada improcedente, decaindo a invocada inconstitucionalidade e prevalecendo a regularidade do processo de aquisição da quota.

Apelou a A. e concluiu fundamentalmente que:

  1. O direito de aquisição compulsiva de uma participação social atribuído a um sócio, nos termos do art. 490º, nº 3, do CSC, viola o direito de propriedade do respectivo titular, assumindo a natureza de uma verdadeira "expropriação por utilidade particular"; b) A finalidade subjacente a tal direito potestativo é a de prevenir os inconvenientes que da actuação dos sócios minoritários possam advir para a integração da sociedade dominada no grupo da sociedade dominante; c) Ora, a apreciação do peso da participação minoritária na sua capacidade para influir na vida societária assume contornos diametralmente opostos e antagónicos, consoante seja feita em sede de legitimação do direito de aquisição compulsiva ou no âmbito da fundamentação do direito potestativo de alienação atribuído ao sócio minoritário; d) Os direitos sociais inerentes a uma participação minoritária, por contraponto com uma participação dominante, reduzem-se, no essencial, ao direito de informação que aportará uma maior transparência ao exercício social da sociedade dominada; e) Assim, os objectivos subjacentes à consagração de um direito potestativo de aquisição compulsiva ficam esvaziados em face da real dimensão da participação objecto dessa aquisição forçada; f) O direito de propriedade privada que abarca as participações sociais tem a dimensão fundamental de liberdade, nele se incluindo não só o direito de não ser expropriado do título ou da posse, mas também a liberdade de uso, fruição e disposição, sem limites ou intromissão de terceiros; g) As restrições a que o direito de propriedade privada pode estar sujeito devem respeitar os requisitos constantes dos nºs 2 e 3 do art. 18° da CRP; h) A aquisição compulsiva de participações sociais deve ser analisada à luz de uma pura relação bilateral - sócio maioritário/sócio minoritário - sendo os respectivos interesses em causa de carácter extra-societário; i) A tangibilidade da participação social do sócio minoritário só será ponderável como consequência da sua conflitualidade com bens ou valores do sócio maioritário, constitucionalmente consagrados e protegidos, e desde que respeitando o princípio da proporcionalidade analisado nas suas três vertentes: adequação, necessidade e justa medida; j) Ponderados os valores em conflito, é forçoso concluir que a aquisição compulsiva da quota da recorrente não respeitou o princípio da proporcionalidade, não constituindo, nessa medida, uma restrição válida ao direito de propriedade da recorrente; k) Sendo a finalidade da aquisição da participação obstar aos inconvenientes que o exercício dos direitos sociais inerentes à participação poderiam constituir para o bom funcionamento da sociedade dominada, a venda forçada da quota detida pela recorrente é manifestamente inadequada a tal finalidade face aos prejuízos daí emergentes para a esfera jurídica da sócia "expropriada" do seu bem; l) Tal mecanismo não resulta, tão-pouco, necessário à realização do escopo de criação e reforço de grupos societários, o qual poderá ser plenamente alcançado através dos denominados mecanismos contratuais (contrato de grupo paritário e contrato de subordinação); m) Finalmente, a enorme desproporção entre os benefícios que da aplicação do n° 3 do art. 490° do CSC emergem para a sócia dominante e as desvantagens que da mesma decorrem para a sócia minoritária tornam inadmissível a sua consagração como restrição legítima ao direito de propriedade privada e ao direito de livre iniciativa económica, que a Lei Fundamental reconhece à recorrente.

  2. O art. 490°, n° 3, do CSC, viola, também, o princípio da igualdade; o) A igualdade de tratamento contida no art. 490° assenta numa desigualdade de pressupostos, pois que o n° 3 contraria a concepção global do sistema jurídico-societário, assente no princípio da igualdade do tratamento dos sócios de que a tutela dos interesses dos sócios minoritários constitui instrumento privilegiado.

  3. A oferta de aquisição da participação social da recorrente estava ferida de nulidade por incumprimento do requisito legal de justificação da contrapartida da oferta por relatório elaborado por revisor oficial de contas independente das sociedades interessadas - isto é, que não mantivesse qualquer relação de carácter profissional com nenhuma das sociedades.

    q)Tal matéria não consta da matéria dada como provada e a douta sentença recorrida apenas se pronunciou sobre a conformidade da natureza da avaliação levada a efeito: r) Mesmo que a falta de independência do Revisor Oficial de Contas - face às sociedades interessadas - não fosse matéria consensualmente dada por assente, sempre deveria ter sido a mesma levada à base instrutória para apreciação em sede de audiência de julgamento.

    Houve contra-alegações.

    Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    II - Factos provados: 1. Em 1988, a A., em conjunto com oito sociedades, incluindo a R., constituiu a sociedade C, Ldª, matriculada com o n° 38892/850612, na 3ª CRC do Porto (com a sua constituição inscrita com a ap. 02/880211).

    1. Inicialmente C, Ldª, tinha sede na R. de S. Francisco, n° 7, 1º; posteriormente, na R. de Álvaro Castelões, n° X, 1º, Matosinhos.

    2. Tal sociedade foi constituída com o capital social de PTE 40.000.000$00,[1] no qual a A. e R. entraram, cada uma, com uma participação social no valor nominal de 4.000.000$00 (a A. com uma quota de Esc. 4.000.000$00 e a R. com duas quotas de 2.000.000$00 cada).

    3. Em 1990 (10/8) o capital social da C, Ldª, foi elevado para 80.000.000$00, com reforço de 40.000.000$00 em dinheiro, passando a R. a deter a participação no valor de 28.000.000$00 (duas quotas de 2.000.000$00 e uma quota de 24.000.000$00).

    4. A partir de 2-6-95 (ap. 52 dessa data), C, Ldª, passou a ter um capital social de 200.000.000$00, mediante o reforço de 120.000.000$00, passando a R. a ser titular de uma participação de 79.980.500$00 (uma quota de 25.800.000$00, duas quotas de 2.150.000$00 e uma quota de 52.033.250$00).

    5. Posteriormente, a R. procedeu às seguintes aquisições ou transmissões, em seu beneficio, de quotas societárias da C, Ldª: - Em 2-8-96, no valor de 4.300.000$00; - Em 2-8-96, no valor de 1.173.000$00; - Em 2-8-96, nos valores de 7.433.750$00, 2.150.000$00 e 2.150.000$00; - Em 6-12-96, nos valores de 14.866.500$00, 7.433.250$00, 4.300.000$00, 4.300.000$00, 4.300.000$00 e 1.563.500$00; - Em 6-12-96, nos valores de 14.866.500$00, 7.433.250$00, 4.300.000$00, 4.300.000$00, 4.300.000$00 e 1.563.500$00; - Em 9-10-97, nos valores de 4.300.000$00 e de 1.250.000$00; - E em 21-2-00, nos valores de 4.300.000$00 e 7.433.500$00.

    6. Nesse capital social a A. detinha uma quota com o valor nominal de 4.300.000$00 (correspondentes a 2,15% do capital).

    7. Em 22-10-99 a R. remeteu à A. a missiva documentada a fls. 27 dos autos, na qual refere que detém na identificada C, Ldª, "uma participação que ascende a cerca de 90% do seu capital social, estando eventualmente interessada em aumentar essa participação", manifestando, do mesmo modo, a vontade de adquirir a quota nominal de 4.300.000$00 de que a R. era titular pelo preço de 5.860.000$00, a liquidar integralmente na data de formalização da cessão de quotas, proposta que se manteria válida até final de 5-11-99.

    8. Na sequência, a A. enviou à R. uma carta, datada de 5-11-99, documentada a fls. 28, demonstrando que os números eram relativamente baixos e sugerindo uma avaliação prévia do valor da sua quota, a ser efectuada pelos auditores da R., o que esta recusou, por carta datada de 14-1-00 e inserta a fls. 29/30, fazendo referência aos custos adicionais elevados de uma tal avaliação, à avaliação da empresa expressa no balanço e ao futuro da actividade da mesma empresa com a sua desactivação operacional.

    9. Em 6-1-00 foi lavrada no 12° Cartório Notarial de Lisboa uma escritura pública de cessão de quotas pela qual a R. adquiriu a E, Ldª, duas quotas que esta detinha na sociedade C, Ldª, no valor nominal de 4.300.000$00 e de 7.433.500$00, pelo preço, respectivamente, de 5.864.000$00 e de 10.136.000$00, tal como se encontra certificado a fls. 147/152.

    10. Posteriormente, com data de 3-2-00, a R. remeteu à identificada...

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