Acórdão nº 46/05-3 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Março de 2005
Magistrado Responsável | BERNARDO DOMINGOS |
Data da Resolução | 03 de Março de 2005 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: Proc.º N.º 46/05-3 Apelação 3ª Secção Tribunal Judicial da Comarca de ……….
Recorrente: Caminhos de Ferro Portugueses, E.P. e Acção Social Escolar - Seguro Escolar - Ministério da Educação.
Recorridos: João Miguel ……… (representado por seus pais) e João Carlos ……..
* Gertrudes ……….., divorciada e João …….., na qualidade de legais representantes do seu filho menor João Miguel ……., ambos residentes na Rua ………., intentaram a presente acção de condenação sob a forma de processo Ordinário, contra João Carlos ………., motorista da C.P., residente ………….; E "Caminhos de Ferro Portugueses, E.P.", com sede na Rua Nova da Trindade, 15, 1º e 2º - 1 200 Lisboa e "Acção Social Escolar - Seguro Escolar - Ministério da Educação", Av.ª 5 de Outubro, Lisboa, porquanto.
Em 27 de Setembro de 1 996, pelas 17.10 horas, João ….. conduzia o comboio n.º 17 215, que parou na Estação do Pinhal Novo e que tinha como destino, as Praias do Sado.
Nesse dia, o menor João Miguel vinha da Escola Básica 2-3, onde frequentava o 6º ano, pelo que abrangido pelo contrato de seguro titulado pela apólice respectiva da 3ª Ré "Acção Social Escolar - Seguro Escolar".
Dizem que, quando o menor subia para uma das carruagens, o 1º Réu arrancou com a composição bruscamente, em direcção às Praias do Sado.
Tal terá provocado o desequilíbrio deste que, com o pé no estribo, ia entrar na carruagem do referido comboio, caindo para a linha e tendo sido colhido pela carruagem da rectaguarda, que lhe trucidou a perna e pé direitos.
O referido veículo era propriedade da "C.P." e circulava sob a direcção e vontade deste.
A 3ª Ré é solidariamente responsável pelos danos sofridos, nomeadamente pelo despacho conjunto 49/SEA/SEEI/96.
Do acidente resultou para o João Miguel a necessidade de amputação da perna e pé direitos.
Sofreu amputação pelo terço superior da perna direita e do pé, com consequentes complicações.
Ainda hoje necessita de substituições periódicas, nomeadamente para substituições periódicas das próteses da perna, que devem ser substituídas de 3 em 3 anos.
Então aluno do 6º ano do ensino básico, acima da média, até hoje nunca mais conseguiu estudar.
As lesões sofridas determinaram uma incapacidade não inferior a 90%; tal como o prolongamento dos tratamentos hospitalares causaram sofrimento, dores e incómodo ao A.
Pede, pelos danos não patrimoniais quantia não inferior a 10 000 000$00 (dez milhões de escudos); de jovem saudável e alegre passou a desmotivado e sem interesse na vida escolar e social, com correspondentes problemas psicológicos.
Estima as despesas hospitalares e tratamentos em 3 000 000$00 (três milhões de escudos), tendo a prótese e acessórios custado ao A. a verba de 850 000$00 (oitocentos e cinquenta mil escudos).
Tratamentos que, irão ser continuados pelo menos ao nível da Fisiatria, Psicologia e Psiquiatria.
Pelo sofrimento, desgosto e angústia sofridos pede, a título de danos não patrimoniais, quantia não inferior a 15 000 000$00 (quinze milhões de escudos).
A título de lucros cessantes e por não conseguir estudar pede a quantia de 40 000 000$00 (quarenta milhões de escudos).
Pede ainda o valor do vestuário que trazia, no valor de 37 000$00 (trinta e sete mil escudos) e o valor de deslocações para tratamentos e alojamento, no valor de 216 630$00 (duzentos e dezasseis mil, seiscentos e trinta escudos).
Mais, diz necessitar de um carro para transporte próprio adaptado, sendo o preço desta adaptação de 2 000 000$00 (dois milhões de escudos).
Contestou o M.P. em representação da "Acção Social Escolar", referindo em especial que o chefe da estação de Pinhal Novo só deu a partida, quando não haviam mais passageiros para embarcar no comboio.
Assim e para si, terá sido o A. a forçar a sua entrada, quando o mesmo já tinha iniciado a sua marcha.
Daí, que se tenha desequilibrado e caído.
Admite que o acidente está coberto pelo seguro escolar, mas apenas quanto aos danos patrimoniais decorrentes do acidente e em função da Incapacidade Parcial Permanente de que venha a sofrer.
Pede a parcial procedência do pedido, mas apenas no que se refere aos danos patrimoniais.
Contestaram também a "C.P." e João Carlos …….
Também estes dizem que o comboio só partiu, depois de certificado que não havia qualquer passageiro a subir ou a descer.
Pelo contrário, o A. só tentou entrar, já depois de este estar em andamento; e é esta a razão porque cai e se desequilibra.
No mais, refere desconhecer as lesões sofridas e despesas realizadas, tal como o grau de incapacidade de que o A. ficou a padecer.
Considera exagerados, os montantes pedidos.
Saneado e condensado o processo, procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento. Fixada a matéria de facto, com referência à base instrutória, não houve reclamações. De seguida foi proferida sentença onde se decidiu nos seguintes termos: julga-se «parcialmente procedente por provada a acção e, por via disso,
a) Absolve-se do pedido João …….
b) Condena-se a "C.P." no pagamento ao A. da quantia de 53 028.32€ (cinquenta e três mil, vinte e oito euros e trinta e dois cêntimos).
c) Condena-se a "Acção Social Escolar - Seguro Escolar" no pagamento ao A. da quantia de 180 112.12€ (cento e oitenta mil, cento e doze euros e doze cêntimos).
d) Condenam-se a "C.P." e a "Acção Social Escolar", nas proporções respectivas de 20% e 80%, no pagamento ao A. das quantias por este gastas na prótese da perna e seus acessórios - quantia a liquidar em execução de sentença.
e) Custas na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao A.»* Na perspectiva da delimitação pelo recorrente [1] , os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) [2] salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Das conclusões da apelante C.P., decorre que são duas as questões a decidir: a)- Saber se da factualidade provada resulta alguma culpa da R. ; b)- Saber se o montante as indemnizações por danos patrimoniais futuros e não patrimoniais, arbitradas é ou não correcto.
*Do recurso interposto pelo MP, são também duas as questões suscitadas: c) Que danos patrimoniais cobre o seguro escolar d) e qual o montante correcto a arbitrar no caso dos autos.
*Flui das conclusões dos recursos que nenhum dos recorrentes põe em causa a decisão da matéria de facto dada como assente no Tribunal de 1ª Instância, pelo que, não havendo motivos para a alterar se mantém nos seus precisos termos. Tal factualidade é a seguinte:1)«No dia 27 de Setembro de 1996, pelas 17.10 horas, o 1º Réu João Carlos Cerqueira conduzia a composição ferroviária n.º 17 215 que parou na Estação do Pinhal Novo.
2)O referido veículo era propriedade da 2ª Ré, a "C.P. - Caminhos de Ferro Portugueses", à ordem e ao serviço da qual circulava transportando passageiros, com destino a Praias do Sado.
3)Na data referida, a responsabilidade civil emergente de acidentes pessoais do menor encontrava-se transferida para a 3ª Ré "Acção Social Escolar - Seguro Escolar", nos termos do contrato titulado pela apólice respectiva, porquanto o menor João Miguel frequentava a "Escola Básica 2-3" de Pinhal Novo, onde frequentava o 6º ano, com o n.º 11, da turma F, sendo o seu horário nesse dia das 8.10 às 17.10 horas.
4)No momento do acidente o tempo estava bom, sendo perfeita a visibilidade.
5)O A. nasceu em 85/4/15.
6)À data e hora do acidente sofrido pelo A., o mesmo encontrava-se abrangido por seguro escolar, considerando o respectivo horário escolar e o local do acidente.
7)As portas do comboio só fecham após alguns metros de marcha, arrancando pois o mesmo com aquelas abertas.
8)Do acidente resultaram para o João Miguel, como consequência directa e necessária, graves lesões que obrigaram à amputação da perna e pé direitos.
9)Sofreu amputação do 1/3 superior da perna direita e do pé, no "Hospital de São José", onde foi de novo operado para regularização do coto com retorno local, tendo regressado ao "Hospital de Setúbal".
10)Onde foi submetido a drenagem de hematomas no coto, tendo sido transferido para o "Hospital da Estefânia", devido a quadro febril e sofrimento de rotura cutânea.
11)Sofre de acentuadas dificuldades de marcha e no acesso aos transportes públicos convencionais, tendo já colocado uma prótese, na perna direita, após várias intervenções cirúrgicas, nomeadamente: 96/10/2 - drenagem de hematoma e colocação de sonda; 96/10/7 - drenagem de hematoma e colocação de dreno de redivac; 96/10/9 - limpeza cirúrgica de retalho, com remoção de bordos necróticos e drenagem aspirativa; 96/10/13 - remoção de retalho cutâneo que se encontrava necrosado; 96/10/21 - enxerto do coto com pele retirada da face anterior da coxa direita.
E mais três em 97/1/20, 97/3/31 e 97/12/3.
12)Fez reabilitação, medicina física e apoio psicológico e ainda hoje continua com necessidade de intervenções cirúrgicas, nomeadamente para substituições periódicas de próteses da perna, que deverão ser substituídas de três em três anos.
13)Sente-se frequentemente cansado, não conseguindo mesmo aprender algo que pretenda ler, pois esquece tudo facilmente.
14)O A. à data do acidente de que foi vítima frequentava o 6º ano do ensino básico e até hoje nunca mais conseguiu estudar.
15)As lesões que sofreu determinaram uma Incapacidade Parcial Permanente de 60%.
16)É notório que as lesões sofridas e o prolongamento dos tratamentos hospitalares a que foi - e continua sendo - submetido, causaram sofrimentos, dores e incómodos indescritíveis ao A.
17)Após as graves lesões que sofreu em consequência deste acidente não mais lhe tem sido possível refazer a sua vida normal, pois se vê a coxear com a prótese sem equilíbrio na marcha, cheio de cicatrizes na bacia e nas costas, traumatismos que lhe têm causado graves problemas a nível psíquico, com perda de faculdade de memorização e de percepção intelectual, alterando até a sua...
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