Acórdão nº 0612/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1.

Relatório 1.1.

Recuso da sentença final O MINISTÉRIO DA CULTURA - entidade em cuja orgânica se integra a Direcção Geral dos Arquivos, a qual nos termos do art. 10º do Dec. Lei 93/2007 de 29 de Março sucedeu nas atribuições do INSTITUTO DOS ARQUIVOS NACIONAIS / TORRE DO TOMBO, o qual por sua vez foi extinto, em virtude fusão, nos termos da alínea a), do n.º 3 do art. 26º do Dec. Lei 215/2006, de 27/10 - recorreu para este SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO da sentença proferida na ACÇÃO ORDINÁRIA movida por B… .

Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões 1. Dos factos dados como provados no processo não resulta base para que a doença da Autora possa ser qualificada como doença profissional, nem tão pouco para serem julgados verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da Administração por acto de gestão pública, pelo que mal andou a sentença recorrida ao proceder ao reconhecimento de doença profissional à Autora e, consequentemente, condenar o Réu IAN/TT nos termos expostos supra.

  1. A sentença recorrida padece, consequentemente, de erro de julgamento no que concerne (i) à qualificação da doença da Autora como doença profissional; (ii) à verificação do pressuposto da ilicitude; (iii) à verificação do pressuposto da culpa; e (iv) à verificação do pressuposto do nexo de causalidade.

  2. No que respeita à qualificação da doença da Autora como doença profissional, não podem considerar-se preenchidos os requisitos estabelecidos no n.º 2 da Base XXV da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, pelos seguintes principais motivos: a) o facto de a Autora ter passado a sentir os sintomas descritos no facto 14 do ponto II da sentença recorrida, reproduzido em II supra, pouco tempo depois de ter começado a exercer funções no Edifício, não pode, de forma alguma, ser suficiente para afirmar que a doença contraída pela Autora é consequência, necessária e directa, da actividade exercida pela mesma no Edifício, maxime quando a mesma definiu como génese da sua sintomatologia um facto concreto - a queda de um líquido verde em cima da Autora - facto esse que não foi dado como provado; b) resulta de vários documentos juntos aos autos que à Autora foi diagnosticada (e clinicamente atestada) uma forte hipersensibilidade, a qual impede o estabelecimento de um nexo causal directo e necessário entre as condições do Edifício e a sintomatologia apresentada pela Autora; c) decorre de vários documentos juntos aos autos, nomeadamente os Relatórios do Instituto de Soldadura e Qualidade Industrial e do Instituto Dr. Ricardo Jorge - aos quais não poderá ser dado inferior valor probatório que aquele que é na sentença recorrida atribuído ao Relatório do IDICT - que o Edifício reúne todas as condições necessárias para a saúde dos trabalhadores que ali executam a sua actividade profissional; d) o facto de o Relatório do IDICT apontar para deficiências alegadamente existentes no Edifício e para riscos potencialmente advenientes das mesmas não permite concluir que o Edifício, o qual tem uma missão pública que sobretudo se prende com a conservação de documentos antigos, tenha efectivamente sido causa de qualquer problema de saúde para os seus trabalhadores; e) mais a mais quando resulta dos factos assentes (cfr, facto n.º 105 do ponto II da sentença recorrida, reproduzido em II supra) que os sintomas, da Autora reapareciam sempre que a Autora voltava a frequentar o Edifício, mesmo quando, através dos Relatórios do Instituto de Soldadura e Qualidade Industrial e do Instituto Dr. Ricardo Jorge - dois dos Institutos de maior nomeada e competência na matéria -, foi atestada a adequação das condições ambientais do Edifício para a saúde dos trabalhadores; f) não resultou provado que tenha havido mais trabalhadores a apresentar queixas iguais às da Autora, tendo, isso sim, ficado claro ao longo do processo que, das centenas de pessoas que trabalharam desde 1990 e continuam a trabalhar no Edifício - cujas condições de trabalho e de climatização são comuns à generalidade dos gabinetes -, a Autora foi e é a única que apresentou ou apresenta sintomas como os dados por assentes nos autos; g) resulta patente, para além do facto de o próprio diagnóstico ser manifestamente variável e indefinido, que as declarações emitidas por especialistas carecem de razão de ciência quanto ao estabelecimento do nexo de causalidade entre os sintomas apresentados pela Autora e as 'Condições ambientais do Edifício, pelo que as mesmas não deveriam, pois, ter servido de base para a formação da convicção do Tribunal a quo; h) resulta claro que a hipersensibilidade (predisposição patológica) da Autora foi a única causa adequada da doença de que a Autora passou a padecer. De outra forma não se compreenderia porque se tem a Autora furtado a comparecer aos exames que visam, exactamente, estabelecer, definitivamente a etiologia dos sintomas apresentados pela mesma; i) não resulta provado, ainda que a Autora o possa ter alegado, que os sintomas sentidos pela Autora não representem desgaste normal do organismo, pelo que, sendo um facto que depende de prova pela Autora, deveria o Tribunal a quo ter feito recair a decisão desfavorável do litígio sobre a Autora; j) atenta a idiossincrasia biológica da Autora e a sua forte hipersensibilidade, forçoso é considerar que os sintomas manifestados pela Autora seriam, pelo menos esperáveis, na medida em que, muito embora não representassem um desgaste normal de um organismo a priori saudável, representam um desgaste expectável (e nessa medida, normal) de um organismo hipersensível (como é, comprovadamente, o da Autora). 4. Consequentemente, é patente não estarem verificados os requisitos estabelecidos no n.º 2 da Base XXV da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, para o reconhecimento de doença profissional atípica indemnizável, nem, tão-pouco os requisitos de que a Base VIII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965 faz depender a indemnização de doenças em que concorra a predisposição biológica da "vítima", pelo que a sentença recorrida, por ter realizado uma incorrecta interpretação e aplicação de tais preceitos legais, uma vez que os factos assentes não podem subsumir-se na previsão de cada um dos mesmos, deve, quanto a essa matéria, ser revogada.

  3. No que respeita à verificação do pressuposto da ilicitude, não pode o Réu, conformar-se com a mesma, uma vez que, como resulta dos autos, a TORRE DO TOMBO não incorreu em nenhum facto ilícito, uma vez que: a) a Autora nunca invocou qualquer "doença profissional" entre 1990 e 1996, tendo apenas passado a invocar tal pretensa "doença profissional" quando se viu confrontada com legítimos abates no seu vencimento fruto das muitas faltas dadas - e pretendeu prevalecer-se indevidamente do tratamento mais benévolo que resultaria da existência de uma doença daquele tipo; b) até 1996, a TORRE DO TOMBO recebia a documentação remetida pela Autora e encarava-a, apenas e simplesmente, para efeitos de justificação das inúmeras faltas em que a Autora incorria; c) por outro lado, foi a própria TORRE DO TOMBO que pediu que a Autora fosse examinada por uma junta médica da secção de Lisboa da ADSE, a qual concluiu com o pedido de um exame pericial de imunoalergologia para avaliação da capacidade laboral da Autora, exame a que a Autora não compareceu; d) a Autora admitiu, logo no início da lide, que "(…) a Direcção do IAN/TT solicitou ao Gabinete de Manutenção do edifício da Torre do Tombo uma verificação do funcionamento do equipamento de ar condicionado, o qual confirmou não ter verificado qualquer anomalia"; e) ao que acresce o facto de, no respeitante à alegada omissão da TORRE DO TOMBO quanto à realização de testes às condições ambientais no seu, edifício, o Tribunal ter entendido em sede de Resposta à Base Instrutória que ficou provado que "entre-l996 e 1998 [ou seja, logo após a primeira vez em que a Autora invocou ser portadora de uma suposta "doença profissional"], a pedido do Réu IAN/TT, foi realizada uma verificação de funcionamento do equipamento de ar condicionado, o qual não confirmou qualquer anomalia, solicitado ao Instituto de Soldadura e Qualidade a apresentação de um Relatório de Avaliação de Higiene Industrial [e] ao Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge um Relatório de Avaliação da contaminação do ar por microrganismos, tendo por objecto o edifício da Alameda", sendo certo que em todos esses relatórios se chegou à conclusão de que as condições ambientais do edifício da TORRE DO TOMBO eram (e são) normais e adequadas.

    1. pouco mais de seis meses depois de ter saído da TORRE DO TOMBO, em 3 de Julho de 1998, a Autora, livre e conscientemente, apresentou um requerimento ao Director desse instituto público, solicitando que este mandasse "[...] admiti-la ao concurso interno geral de acesso com vista ao preenchimento de cargo de dois lugares vagos de técnico superior principal [...], da carreira de técnico superior de arquivo do quadro de pessoal do Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, aprovado pela Portaria n.º 278/98, de 6 de Maio, aberto por aviso n.º 10.174/98 (2ª série) Diário da República n.º 144”, conduta esta que apenas poderá consubstanciar a confissão de que a TORRE DO TOMBO não causou qualquer doença profissional à mesma, não tendo incorrido em qualquer acto ilícito, na medida em que, se a Autora sofresse de qualquer doença profissional causada pela TORRE DO TOMBO, maxime através de uma conduta ilícita, não quereria voltar, como manifestamente quis.

  4. Em suma, é evidente que, ao contrário do que julgou o Tribunal a quo, a TORRE DO TOMBO não incorreu em qualquer facto ilícito, muito menos do tipo omissivo, na medida em que, quer dos artigos 59.°, n.º 1, alínea a) e 64.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, Parte I, alínea 3 e artigo 11.º da Carta Social Europeia, artigos 4.°, 5.°, 8.° e 13.° do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo...

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