Acórdão nº 0327/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução09 de Junho de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório A…, com melhor identificação nos autos, veio recorrer da sentença do TAC do Porto, de 30.6.10, que negou provimento ao recurso contencioso que interpôs da deliberação de 8.11.2001 do CONSELHO DIRECTIVO DO INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E PATRIMONIAL DA JUSTIÇA, que lhe determinou o cancelamento do subsídio de compensação auferido, com efeitos a partir de 16.06.2001, a reposição da quantia 353.333,00 Escudos, a que correspondem 1.176,42 Euros, no prazo de 30 dias e o pagamento, a título de contraprestação, da quantia de 7.774,00 Escudos, a que correspondem 38,77 Euros, a partir de 15.06.2001.

Para tanto alegou, vindo a concluir como segue: A) Decorre do ponto 6. da matéria de facto assente que nunca foi proferido qualquer acto administrativo de atribuição à ora recorrente de casa de função, na sequência da colocação a que alude o ponto 1. da mesma matéria de facto; B) Do ponto 2. da matéria de facto assente decorre terem sido dois os Magistrados do Ministério Público colocados na comarca de …, no mesmo movimento; C) A nenhum dos Magistrados nesses termos colocados foi concedida a possibilidade de se pronunciarem acerca da questão da atribuição da casa de função; D) Decorre dos autos que não se verificam os requisitos de validade ou sequer de existência de um qualquer acto administrativo de atribuição à ora recorrente da casa de função existente na comarca de … E) Exige-se que um qualquer acto administrativo verse sobre uma situação individual e concreta, para ser válido e eficaz, designadamente em relação ao respectivo destinatário; F) A própria entidade recorrida admitiu nos autos a inexistência de acto administrativo de atribuição à ora recorrente da casa de função; G) Pelo que, o acto recorrido elimina o direito de a ora recorrente continuar a perceber o subsídio de compensação e determina a reposição de quantias, com evidente prejuízo para a mesma, com base num acto administrativo juridicamente inexistente; H) Outrossim, o acto recorrido é perfeitamente omisso no que respeita à indicação das razões CONCRETAS ou fundamentos da atribuição à ora recorrente da referida casa de função, em detrimento do outro Magistrado colocado no mesmo movimento, atentas as respectivas consequências legais; I) Aliás, o acto recorrido é perfeitamente OMISSO em relação ao facto de terem sido DOIS os Magistrados colocadas nessa comarca, na mesma altura; J) Nessa medida, o acto recorrido é imperceptível para qualquer destinatário, em geral, e para a ora recorrente, em particular, em termos de fundamentação; K) A obrigação de fundamentação dos actos administrativos decorre dos arts. 1.°, n° 1, al. a) e n° 2 do DL n° 256-A/77, de 17 de Junho (em vigor à data dos factos) e dos artigos 124.°, n° 1, al. a) e 125.°, n° 1 e n° 2, do Código de Procedimento Administrativo - pelo que a decisão recorrida padece de um vício de forma, traduzido na respectiva falta de fundamentação; L) Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que não esclareçam concretamente a motivação de facto do acto administrativo; M) A decisão recorrida incorre ainda em violação do artº 268°, n° 3, da Constituição, na medida em que a obrigação de fundamentação tem subjacente um imperativo de defesa do interesse público, além de permitir o controlo da legalidade do próprio acto; Sem prescindir, N) A jurisprudência proveniente do Conselho Superior do Ministério Público vai no sentido de que o art. 102.°, n° 2, do Estatuto do Ministério Público configura um direito de preferência do Magistrado mais antigo, nos casos em que exista mais do que um interessado na chamada casa de função; O) Tal direito configura-se como a possibilidade de “escolher em primeiro lugar” a atribuição da casa de função, com as consequências decorrentes; P) Todavia, no caso em apreço a NENHUM dos Magistrados colocados na comarca de … foi dada sequer a possibilidade de se pronunciarem acerca da questão de atribuição da casa de função, não tendo os mesmos sido previamente auscultados; Q) Aliás, nem sequer existiu qualquer acto ou deliberação da entidade recorrida identificando qualquer um desses Magistrados como o beneficiário da casa de função; R) Padece, por isso, a decisão recorrida do vício de violação da lei, decorrente da violação do disposto no art. 102.°, n° 2, do Estatuto do Ministério Público.

TERMOS EM QUE, com o douto suprimento omitido, vem requerer: a) A revogação da decisão recorrida, devendo por via disso ser o presente recurso julgado procedente e por via disso ser declarada a anulação do acto recorrido, melhor identificado no ponto 6. da matéria de facto considerada assente, com todos os efeitos legais decorrentes; b) A condenação da entidade recorrida a deferir à ora recorrente o pagamento de todas as quantias devidas a título de subsídio de compensação, por todo o respectivo período de permanência na comarca de …, de conformidade com o disposto no art. 102.°, n. 2, do Estatuto do Ministério Público.” O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o seguinte parecer: “1. Entendemos, pelas razões que constam da sentença, que o acto recorrido não enferma de vício de forma por falta de fundamentação.

  1. Como bem refere a sentença recorrida, ao analisar o disposto no artº 102º, nº 2, da Lei nº 47/86, de 15.10, “considerando que a norma em apreço define as situações efectivamente a considerar, não havendo qualquer fundamento para que se veja o afloramento, na legislação vigente, de um qualquer “tertium género”, que permita enquadrar a situação da recorrente, não estando em causa a existência de um qualquer direito de preferência, mas sim uma definição da matéria em apreço entre magistrados do Ministério Público que permita também à Administração uma resposta pronta e clara no que diz respeito ao cumprimento das suas obrigações neste domínio, não procede a alegação da recorrente em relação ao invocado vício de violação de lei por desrespeito do artº 102º, nº 2 da Lei nº 47/86, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 60/98, de 27 de Agosto, pois que a norma em apreço não contempla a situação descrita pela recorrente”.

    Nestes termos, emitimos parecer no sentido de que deverá ser negado provimento ao recurso.” Sem vistos, mas com distribuição prévia do projecto de acórdão, cumpre decidir.

    II Factos A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade: 1.

    Na sequência de despacho publicado no Diário da República, datado de 15-06-2001, 2ª Série, a ora recorrente (Magistrada do Ministério Público) foi colocada no Tribunal Judicial de … na sequência de precedente movimento de magistrados do Ministério Público, realizado em 4 de Abril de 2001.

  2. Com referência ao movimento e despacho referidos em 1., foi colocado no Tribunal Judicial de … um outro Magistrado do Ministério Público, com antiguidade no exercício da profissão inferior à da ora recorrente.

  3. A ora recorrente remeteu em 09-07-2001 a comunicação que consta de fls. 47 do PA apenso dirigida ao Presidente do Conselho Directivo do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça na qual informa que não pretende ocupar a casa de função existente na Comarca de …, adstrita a um Magistrado do Ministério Público, referindo, além do mais, que “... A justificação para a presente opção deve-se à circunstância de ter a minha vida pessoal e familiar organizada na referida comarca desde há alguns anos. Todavia, venho declarar que pretendo continuar a receber o subsídio de compensação, sendo que a opção contrária me traria inconvenientes, com os quais não me poderia conformar. ...“ (fls. 47 do PA apenso cujo teor aqui se dá por 4.

    Nesta sequência, foi elaborada a Informação N° 28/2001 que consta de fls. 39 a 44 do PA apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido, onde se aponta, além do mais, que: “(…) 6. Verifica-se, agora, que a Procuradora-Adjunta Dra. A…, foi colocada no Tribunal de … por despacho publicado no DR, 2, de ….

    Nessa data, foi-lhe atribuída casa de função, de acordo com os critérios fixados pelo Conselho Superior do Ministério Público, a que alude o precedente ponto 4.

    Não obstante a identificada Procuradora-Adjunta se ter dirigido ao IGFPJ, por carta de 9/7/2001, informando que não pretende ocupar tal casa (por ter a sua vida pessoal e familiar organizada na comarca desde há alguns anos) mas que pretende continuar a receber o subsídio de compensação pois a opção contrária lhe traria inconvenientes, não constituem tais razões fundamento legal para se continuar a atribuir subsídio a partir de 15/6/2001.

    Pelos motivos expostos nos pontos precedentes, o subsídio de compensação só é devido a quem esteja autorizado a residir noutro local ou a quem não tenha casa de função atribuída, para o que é juridicamente irrelevante que a não pretenda habitar, tudo nos termos do art° 102°, n° 2 do Estatuto do Ministério Público.

    Não se encontrando a referida Procuradora-Adjunta em nenhuma dessas situações (a casa de função foi-lhe atribuída a partir de 15/6/2001) e tendo-lhe sido abonado indevidamente o subsídio de compensação, deve ser determinado à mesma que proceda à reposição das quantias indevidamente recebidas desde então, no valor total de 353 333$00, conforme nota discriminativa (anexo 1) Deve, igualmente, ser notificada para proceder ao pagamento das contraprestações devidas pela casa atribuída, desde 15/6/2001 até à data e que totalizam 7.774$00, assim discriminados: 7. Assim, propõe-se que o Conselho Directivo do IGFPJ, tendo por base os fundamentos expostos na presente informação e respectivo anexo, delibere o seguinte: a) Há lugar há reposição, pela Procuradora-Adjunta A…, do montante de 353 333$00, relativo a subsídio de compensação recebido indevidamente a partir de 15/6/2001; b) A reposição mencionada na alínea anterior deve ser efectuada por depósito, no prazo de 30 dias, na conta n° 0697/800101/9.26, da Caixa Geral de Depósitos, a favor do Cofre Geral dos Tribunais; c) E devido, pela...

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