Acórdão nº 0772/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução21 de Junho de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: O Dr. A..., Procurador da República melhor identificado nos autos, intentou a presente acção administrativa especial para que se declare nulo, ou se anule, o acórdão do Plenário do CSMP, de ..., que, indeferindo a reclamação por si deduzida de um acórdão da Secção Disciplinar do mesmo Conselho, manteve a pena de aposentação compulsiva que ali lhe fora aplicada, adoptando-a ainda como pena disciplinar única em virtude do cúmulo daquela com uma pena de inactividade por dezoito meses, que ao autor fora infligida noutro processo.

Fundou o seu pedido de supressão do acórdão em vários vícios, de forma e de fundo, uns reportados à pena expulsiva e outros ao cúmulo jurídico efectuado. E pediu ainda que o CSMP fosse condenado «à prática do acto devido», pretensão esta que genericamente abarca a reconstituição da situação actual hipotética e, em particular, a emissão de um novo acto que o absolva ou, quando muito, lhe aplique «uma pena de suspensão por negligência».

O CSMP contestou, dizendo não existir qualquer um dos vícios arguidos e pugnando pela total improcedência da acção. O autor apresentou alegação, em que concluiu da seguinte forma:

  1. O Autor intentou, em 07102010, acção administrativa especial de anulação dos seguintes actos administrativos: (i) do Acórdão do Conselho Superior do Ministério Público, datado de …, que (a) negou provimento à reclamação apresentada contra a aplicação pela Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público, no âmbito do processo disciplinar n° …, da pena de aposentação compulsiva, e (b) aplicou a pena de aposentação compulsiva no âmbito do processo disciplinar n.° …, (ii) bem como do cúmulo das penas disciplinares impostas ao arguido no processo disciplinar n.° … e no processo disciplinar n.° … e cumulativamente de condenação à prática de acto devido.

  2. Imputa-se aos actos impugnados os seguintes vícios: (i) violação do princípio do ne bis in idem, (ii) violação do dever de fundamentação e do princípio da culpa na escolha e graduação da pena, (iii) violação do disposto no artigo 204.° do EMP por ter sido restringido o direito de defesa do Autor, até no âmbito do cúmulo de penas efectuado (iv) violação das normas que determinam a prescrição do procedimento disciplinar; (v) violação de lei por erro nos pressupostos de facto, (vi) violação do princípio da culpa e da proporcionalidade e (vii) violação de lei por não aplicação do instituto da suspensão da pena no que especificamente se reporta à pena de “inactividade” por 18 meses.

  3. Em 17.02.2009, o Exmo. Sr. Vice-Procurador-Geral da República determinou a realização de inquérito com vista a averiguar a existência de irregularidades na prestação funcional do Autor.

  4. Os dois processos disciplinares de que o Autor foi alvo (tanto o que foi impugnado no processo n.° … como o objecto da presente acção) resultaram da averiguação das supostas irregularidades na prestação funcional do Autor.

  5. Das averiguações realizadas resultou a alegada prática das infracções vertidas no processo disciplinar n.° … (que deu origem ao processo judicial n.° …., a saber: (i) incumprido o ordenado pela hierarquia, designadamente, por não ter prestado informação à hierarquia sobre o processo n.° 40968/00.7… conforme lhe fora solicitado entre 28.11.2005 a 25.05.2006; (N) não ter diligenciado no sentido da reforma dos processos desaparecidos do seu gabinete no prazo de 30 dias que lhe foi concedido desde 05.07.2010 e (ii) não ter despachado os processos de inquérito nos prazos legalmente previstos, o que determinou a prescrição de procedimentos criminais.

  6. No âmbito do referido processo n.° … foi aplicado ao Autor a pena de “inactividade” de 18 meses.

  7. No entanto, posteriormente foi intentado novo processo disciplinar ao Autor (…), que está em causa nos presentes autos, no qual através de uma nova roupagem às infracções em causa no referido processo disciplinar n.° … se pretendeu punir uma segunda vez e de forma mais severa o Autor, aplicando-se-lhe uma pena de aposentação compulsiva.

  8. Veja-se que no âmbito do processo disciplinar n.° … são imputadas ao Autor a prática das seguintes infracções: o não cumprimento do ordenado pela hierarquia, designadamente, por via da avocação de processos e a não reforma dos processos e por não ter despachado os processos de inquérito nos prazos legalmente previstos e, dessa forma, ter permitido a prescrição de certos processos (o que também foi objecto do processo disciplinar n.° …).

  9. Comparados os factos em causa em ambos os processos disciplinares (… e …) - o incumprimento do ordenado pela hierarquia, a não reforma dos processos e o não ter despacho em tempo, os processos o que alegadamente implicou a prescrição dos procedimentos criminais - é inequívoco que os mesmos são idênticos pelo que se verifica a violação do princípio do ne bis in idem.

  10. Consagra o nº 5, do artigo 29°, da CRP que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.

  11. Nesse sentido, consagra o nº 3 do artigo 9.° da Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro, o princípio da proibição da dupla punição pelo mesmo facto (ne bis in idem) aplicável ao caso em apreço ex vi artigo 216.° do Estatuto do Ministério Público.

  12. O Réu considera que não consta do Processo Disciplinar nº … qualquer facto, entendido este na sua totalidade, que conste dos factos dados como provados no Processo Disciplinar nº …, no entanto, quando o Réu se exprime dizendo “facto na sua totalidade” já está a dizer, ainda que implicitamente, que há, pelo menos, identidade parcial! M) Admite ainda o Réu que: “em certos casos, devidamente, identificados na acusação, ainda ocorreu uma circunstância agravante daquela conduta — a prescrição do procedimento criminal de certos inquéritos”.

  13. Ou seja, o que se pretende dizer, pelo menos é assim que o Autor entende — e julga-se que deverá ser este o entendimento do homem médio — que a factualidade que foi objecto do Processo Disciplinar nº … e que naquele se entendeu como violando o dever de zelo, considera o Réu que não se consubstancia numa mera violação do dever de zelo, indo mais além — “é muito diferente da mera infracção ao dever geral de zelo” — isto é, a factualidade é a mesma em ambos os processos disciplinares mas a qualificação jurídica da factualidade (o dever que se entende ter sido violado) é que é diferente! O) O Réu começando por argumentar no sentido de que não se tratam dos mesmos factos, vem depois dizer — como que reconhecendo a sua identidade! — que não se verifica a violação do princípio do ne bis in idem uma vez que ainda não existe decisão que tenha transitado em julgado — já que tal decisão foi impugnada — e que, como tal, o Réu pode aplicar, pela prática dos mesmos factos, uma nova pena, até mais grave! P) É imperioso concluir que o douto Acórdão do Conselho Superior do Ministério Público, datado de …, pretendeu punir uma segunda vez (de forma mais severa) os alegados comportamentos perpetrados pelo Autor que já foram objecto do Processo Disciplinar n.º … e de aplicação de pena disciplinar impugnada no Processo Judicial nº …, cuja produção de efeitos está suspensa por via do decretamento da Providência Cautelar nº 1217/09, violando, desta forma, o disposto no artigo 29.°, nº 5, da CRP, bem como o disposto nos artigos 90 nº 3, e 31º da Lei nº 58/2008 de 9 de Setembro.

  14. Não constam do Acórdão do Conselho Superior do Ministério Público, de …, os fundamentos para a aplicação da pena de aposentação compulsiva.

  15. Tanto mais que, sem se pronunciar directamente sobre os fundamentos de aplicação da pena de aposentação compulsiva pela (alegada) prática das infracções abrangidas pelo Processo Disciplinar nº …, o Conselho Superior do Ministério Público decide efectuar o cúmulo de penas, aplicando a pena de aposentação compulsiva pela prática não só das infracções no âmbito do Processo Disciplinar nº … como do Processo Disciplinar nº ….

  16. Não é perceptível para o Autor o que, em termos concretos, determinou a aplicação a factos contidos no Processo Disciplinar nº … da pena de aposentação compulsiva e que depois, como se só aqueles factos não bastassem, determinou que fosse necessário chamar à colação os factos abrangidos pelo Processo Disciplinar nº …, — que até, por acaso, são os mesmos e pelos quais foi aplicada a pena de inactividade por 18 meses — para justificar a aplicação da sobredita pena de aposentação! T) E ainda que se considere que os factos objecto do presente processo não se subsumem na íntegra aos abrangidos pelo processo disciplinar nº … — o que não se concede mas que por mero dever de patrocínio se aventa -, consubstanciando-se em infracções disciplinares da mesma natureza, ter-se-ia, sob pena de violação dos mais elementares princípios de direito, de aplicar pena nunca superior à de inactividade aplicada no referido processo (…).

  17. A escolha e graduação de ambas as penas (da “inactividade” e da aposentação compulsiva), em concreto, não tiveram por base o princípio da culpa, não tendo o Réu apurado e comprovado, a dolo ou negligência do Autor, pelo que não se pode considerar como correcta a punição da alegada infracção disciplinar, muito menos, do cúmulo de penas efectuado.

  18. O acórdão do Conselho Superior do Ministério Público, de …, padece de vício por falta de fundamentação bem como do princípio da culpa, violando o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 1249 do Código de Procedimento Administrativo, sendo por isso anulável nos termos do disposto no artigo 135º do mesmo diploma.

  19. O Acórdão que ora se impugna efectuou também o cúmulo das penas disciplinares aplicadas ao Autor nos Processos Disciplinares nºs … e …, sem ouvir o Autor sobre esta questão, nem lhe dando possibilidade de apresentar a sua posição sobre aquela, sendo manifesta a violação do disposto no artigo 2049 do Estatuto do Ministério Público.

  20. No âmbito do Processo Disciplinar n°…, no âmbito do qual foi proferido o acórdão do Conselho Superior do...

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