Acórdão nº 046322 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Novembro de 2002

Magistrado ResponsávelCÂNDIDO DE PINHO
Data da Resolução20 de Novembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

I- A Associação de Municípios da Região Autónoma da Madeira, recorre contenciosamente do acto administrativo contido no nº1, do art. 1º do DL nº 314/94, de 23/12, da autoria do Conselho de Ministros, que concedeu à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa o direito de organizar e explorar um jogo denominado "lotaria Instantânea" para todo o território nacional.

Os fundamentos utilizados são os seguintes: a) Em seu entender, teria havido uma inconstitucionalidade do DL nº 318/84 por falta de audição da Região Autónoma como o impunha o art., 231º da CRP à data do acto recorrido, hoje art. 229º, nº2, da CRP(art. 11º da pi); b) Na parte em que o DL nº 314/94 tem conteúdo normativo, por nada dizer quanto ao regime substantivo do jogo, tudo remetendo para uma portaria, viola o disposto no art. 115º da CRP à data do acto, correspondente ao nº6 do art. 112º da versão actual(art. 13º da pi); c) Se se pretender que o DL nº 314/94 contém implicitamente uma norma que confere atribuições na matéria ao Conselho de Ministros, então ele está ferido de inconstitucionalidade por falta de audição da Região Autónoma(art. 15º da pi); d)O Governo exerceu atribuições que são próprias da Região Autónoma, pelo que o acto é nulo, nos termos do art. 133º, nº2, al.b), do CPA(art. 16º da pi); e) Se o Governo ignorava que na Madeira já existia esse jogo, então o acto recorrido sofre do erro sobre os pressupostos(art. 21º da pi); f) O acto impugnado revogou a autorização que havia sido concedida pelo Despacho do Presidente do Governo Regional da Madeira de 22/08/85, sem estar devidamente fundamentado, como o impõe o art. 124º, nº1, als. a) e e), do CPA(arts. 22º a 26º da pi); g) A entender-se que a fundamentação existe, então verifica-se violação do art. 268º, nº3, da CRP(art. 27º da p.i.).

* Na sua resposta, o Primeiro Ministro arguiu as excepções do caso julgado(julgamento efectuado sobre a mesma matéria no Rec. do STA nº 37 127) e da extemporaneidade do recurso.

Relativamente ao mérito do recurso, pugnou pelo seu improvimento em termos que aqui se dão por reproduzidos.

* A recorrente defendeu a improcedência da matéria exceptiva(fls. 53).

* A Santa Casa da Misericórdia apresentou contestação, defendendo a extemporaneidade do recurso e batendo-se pelo improvimento do recurso(fls. 64).

* O digno Magistrado do MP opinou no sentido da procedência parcial da matéria exceptiva. Concretamente, entende que não se teria formado caso julgado relativamente às inconstitucionalidades constantes das alíneas a) e b) atrás mencionadas.

* Relegado o conhecimento das excepções para final, o processo avançou para alegações, tendo-as a recorrente concluído do seguinte modo: «I - O Despacho de 22/8/1985, do Presidente do Governo Regional da Madeira, que autorizou a recorrente a explorar os "jogos instantâneos", foi proferido ao abrigo das atribuições e competências transferidas pelo Decreto-Lei n° 420/80, a 29 de Setembro.

II - Se entender que o Decreto-Lei n° 318/84, de 1 de Outubro, ao excepcionar as lotarias, quis referir-se, também, ao jogo atribuído pelo Despacho de 22/8/85, supra referido, então esse Decreto-Lei n° 318/84 é inconstitucional, por ter retirado ao Governo Regional da Madeira uma competência que este detinha, sem que, previamente a Região Autónoma da Madeira tenha sido ouvida.

III - Na verdade, era patente o interesse da Região Autónoma da Madeira, pois com o produto do jogo vinham sendo levadas a cabo as acções referidas no art. 24° da petição; essa falta de audição violou o n° 2 do art. 231° da Constituição, na versão vigente à data do acto recorrido.

IV - O Tribunal não pode, pois, aplicar os preceitos contidos naquele Decreto-Lei n° 318/84, na parte em que (se assim se entender) excepcionou, da transferência de atribuição, jogos como o concedido pelo Despacho de 22/8/85; a essa aplicação obsta o disposto no art. 204° da Constituição .

V - Se entender que o Decreto-Lei n° 314/94, de 23 de Dezembro, tem uma parte com conteúdo normativo, é, nessa parte, inconstitucional, por remeter a parte fundamental do regime jurídico ( cf. o seu art. 3°) para mera regulamentação, com o que terá violado o n° 5 do art. 115° da Constituição, na versão vigente à data do acto recorrido.

VI - Se se entender que o Decreto-Lei n° 314/94 conferiu, mesmo implicitamente, atribuições para conceder o Jogo em causa ao Conselho de Ministros, então, nessa parte, esse Decreto-Lei é inconstitucional, por razões idênticas às referidas nas conclusões II e llI, pois não foi ouvida a Região Autónoma da Madeira.

VII - Continuando as atribuições para conceder o jogo em causa, aos órgãos da Região Autónoma da Madeira, o exercício dessas atribuições pelo Conselho de Ministros, órgão de outra pessoa colectiva (o Estado) fere o acto recorrido de nulidade, nos termos da alínea b) do n° 2 do art. 133° do Código do Procedimento Administrativo.

Pelo exposto, deve ser dado provimento ao recurso e declarada a nulidade do acto recorrido».

* A Santa Casa da Misericórdia, por seu turno, concluiu as alegações da seguinte maneira: «I - O acto administrativo da autoria do Conselho de Ministros, contido no n° 1 do Decreto-Lei n° 314/94, publicado no Diário da República I- Série A, n° 295, de 23 de Dezembro de 1994, que concedeu à S.C.M.L. o direito de organizar e explorar o jogo denominado "lotaria instantânea" para todo o território nacional, na parte do conteúdo do acto que se repercute sobre a Região Autónoma da Madeira, ora recorrido, não é nulo, mas antes, um acto plenamente válido.

II - O que foi confirmado pelos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 22/04/99, proferido pela 1ª Secção desse douto Tribunal, no Processo n° 37 127, interposto pela Associação de Municípios da Região Autónoma da Madeira, e de Junho de 1997, relativamente ao recurso interposto pela Associação de Municípios da Região Autónoma dos Açores.

III - Já existe caso julgado relativo à matéria objecto do presente recurso.

IV-O Recurso ora apresentado é intempestivo, tendo precludido, de acordo com o disposto no n° 1 do artigo 28° da LPTA, há mais de cinco anos, o prazo para a sua interposição, pelo que, em consequência, deve ser o mesmo indeferido.

V - O direito de explorar jogos de fortuna ou azar cabe ao Estado, que o pode transferir, sempre através de diploma legal, para outras entidades, como é o caso dos jogos sociais, explorados pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

VI - Os diplomas legais são de publicação obrigatória no Diário da República, não carecendo de qualquer outra publicação.

VII - A conclusão 5ª do Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República de 20/06/84, proferido no processo n° 29/84, homologado por Sua Excelência o Ministro da Justiça, e publicado no D.R. II Série, de 15/10/85, n° 237, pag. 9580 e segs. refere o seguinte: "Deliberado pelos órgãos estaduais que a existência de uma única lotaria nacional seria o sistema que interessa, em termos nacionais, já os órgãos regionais estariam impedidos de, ponderando apenas o interesse específico da Região, criar ou recriar uma lotaria regional ".

VIII - Através do acto administrativo consubstanciado no Decreto- Lei n° 314/94, aprovado pelo Conselho de Ministros em 06/10/94 e publicado em 23/12/94, o Conselho de Ministros concedeu à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa o direito de organizar e explorar um jogo denominado "Lotaria Instantânea" em regime de exclusivo para todo o território nacional, abrangendo, por isso mesmo, o território da Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

IX - A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa tem, pois, a obrigação legal de colocar todos os seus jogos em todo o país, e tem necessariamente de o fazer, sob pena de poder ser responsabilizada pelo Estado.

X - A exploração de uma Lotaria Instantânea nas Regiões Autónomas faz com que reverta em favor apenas dessa Região o lucro por ela gerado, quando o lucro da Lotaria Instantânea é distribuído também pelas Regiões Autónomas, o que se revela, antes de mais, injusto.

XI - As competências em matéria de lotarias não passaram para as Regiões Autónomas, pelo que, estas por si só não as podem autorizar .

XII - No que diz respeito à Lotaria Instantânea, a SCML entrega anualmente ao Estado Português 75% dos resultados líquidos, sendo que 30% se destinam às crianças carenciadas, 20% ao apoio aos estudantes do ensino secundário e 25% a projectos especiais de ocupação dos jovens portugueses.

XIII - O interesse público nacional...

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