Acórdão nº 047330A de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Fevereiro de 2003

Magistrado ResponsávelISABEL JOVITA
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A...,.... , ...., ...., ...- ..., ...- ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., que formam no seu conjunto o Agrupamento de Empresas denominado "B...", concorrentes ao Concurso Público Internacional para a Concessão de Lanços de Auto-Estrada e Conjuntos Viários Associados na Zona Centro, designada por Concessão Litoral Centro, interpuseram recurso contencioso de anulação nos termos do artigo 2º, nº 1, do Dec.lei nº 134/98, de 15 de Maio, do "despacho de Suas Excelências o Ministro do Equipamento Social e o Ministro das Finanças, respectivamente de 21 de Dezembro e de 9 de Janeiro pelo qual sancionaram o Relatório de Resposta aos Comentários dos Concorrentes, na parte em que classificam o Concorrente nº 5 - Agrupamento de empresas denominado "C..." e a respectiva proposta base em primeiro lugar, e decidem a sua passagem à fase de negociação como 1 º seleccionado".

No seu visto inicial, o Exmº Magistrado do MºPº, suscitou a questão da propriedade, no caso, do regime processual contido no citado Dec.Lei nº 134/98.

Por acórdão, de 3 de Abril de 2001, foi julgada procedente a questão prévia e ordenado que, com o aproveitamento da petição, o processo seguisse o regime geral e não o do Dec.Lei 134/98.

Inconformados, interpuseram os recorrentes o presente recurso jurisdicional, alegando e formulando as seguintes conclusões:

  1. A decisão recorrida viola por errada interpretação e aplicação, o disposto no artigo 1.º do Decreto-lei n.º134/98 de 15 de Maio e no artigo 1.º da Directiva n.º89/665/CEE do Conselho de 21 de Dezembro, ao decidir que os actos administrativos praticados no âmbito de concursos públicos para a celebração de contratos de concessão de obras públicas, não se enquadram no âmbito de aplicação do Decreto-lei n.º134/98, de 15 de Maio e da Directiva que este visou transpor - a Directiva 89/665/CEE.

  2. A Directiva 89/665/CEE delimita o respectivo âmbito de aplicação por referência aos contratos de direito público versados nas Directivas n.º 71/305/CEE, de 26 de Julho e n.º 77/62/CEE, de 21 de Dezembro.

  3. A directiva 71/305/CEE foi revogada pela Directiva 93/37/CEE de 14 de Junho, a qual se aplica aos "contratos públicos de obras", no âmbito dos quais estão agora enquadrados os contratos de concessão de obras públicas.

  4. A decisão recorrida baseia-se numa interpretação puramente literal e cristalizadora do disposto no artigo 1º da Directiva 89/665/CEE, ao invés de fazer uma interpretação evolutiva daquele preceito.

  5. A decisão recorrida esquece que a "disposição expressa" cuja falta alegadamente inviabilizaria a extensão do âmbito de aplicação da Directiva 89/665/CEE, consta do artigo 36.º, n.º2 da Directiva 93/37/CEE, segundo o qual "todas as remissões para a directiva revogada devem entender-se como sendo feitas para a presente directiva".

    Ora, no âmbito das "remissões para a directiva revogada" estão, obviamente, incluídas as remissões constantes de outras directivas, e, designadamente, da Directiva 89/655/CEE.

  6. A aplicabilidade da Directiva 89/665/CEE às concessões de obras públicas, designadamente do seu artigo 1.º, resulta tão clara e óbvia, que a esse respeito a Comissão Europeia se limita a afirmar, em Comunicação Interpretativa sobre as Concessões em Direito Comunitário, que o referido artigo l.º "é aplicável às concessões de obras públicas", sem se alongar em explicações que se revelariam supérfluas perante a clareza do texto legal.

  7. Por força do princípio do primado do Direito Comunitário, as autoridades nacionais, designadamente, os tribunais, têm o dever de desaplicar o Direito Interno incompatível, veja-se o Acórdão do TJ Ac. Simmenthal, proc. 106/77 de 9 de Março de 1977, e de interpretar o Direito Interno conforme ao Direito Comunitário, caso se suscitem dúvidas na interpretação do primeiro.

  8. Os particulares podem invocar qualquer disposição comunitária pertinente para, em face dela obterem nos tribunais nacionais uma interpretação das normas internas conforme ou compatível com as prescrições comunitárias.

  9. Em regra as Directivas Comunitárias carecem de ser transpostas para a ordem jurídica interna para produzirem efeitos jurídicos junto dos particulares.

  10. Todavia, o artigo 1.º da Directiva n.º 89/665/CEE que estabelece de forma clara e incondicional a necessidade de formas de recurso céleres e eficazes das decisões tomadas em sede de procedimentos prévios à celebração de contratos públicos, abrange os actos praticados no âmbito dos contratos públicos de obras - que, na acepção da Directiva 93/37/CEE, abrangem quer as empreitadas de obras públicas, quer as concessões de obras públicas.

  11. Este segmento do artigo 1.º da Directiva nº 89/665/CEE é apto e por si mesmo suficiente para conferir direitos aos particulares ou para lhes impor obrigações susceptíveis de tutela jurisdicional, pelo que deve ser considerada como susceptível de produzir efeitos directos, sendo portanto possível que os tribunais nacionais procedam a uma interpretação das normas internas com ela conforme.

  12. A norma constante do artigo 1.º do Decreto-lei 134/98, de 15 de Maio é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da Republica Portuguesa.

  13. Esta norma, ao restringir o âmbito de aplicação do regime de recurso urgente aos contratos de empreitadas de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens, deixando de fora, designadamente os contratos de concessão de obras públicas, confere aos administrados concorrentes no âmbito de concursos públicos para a celebração de contratos de empreitadas de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens, o direito de acederem a um processo urgente, e a negar esse mesmo direito aos administrados concorrentes no âmbito de concursos públicos para a celebração de contratos de concessão de obras públicas.

  14. O motivo que aparentemente determinou uma tal diferença de tratamento - a natureza do contrato administrativo em cujo procedimento prévio ocorre o acto lesivo - não justifica um tratamento diferenciado dos concorrentes ao nível dos meios de tutela contenciosa ao seu dispor.

  15. Assim, o legislador, ao arrepio da norma constitucional, conferiu às duas situações supra referidas um tratamento diferenciado para o qual não se vislumbra justificação minimamente razoável.

  16. Acresce que, ao impossibilitar o acesso ao meio de recurso contencioso urgente a norma do artigo 1º do Decreto-lei 134/98, de 15 de Maio, está também a violar o direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrada nos artigos 20º e 268º da Constituição, designadamente na vertente do direito à obtenção de uma decisão judicial num prazo razoável.

  17. Tal restrição decorreu de uma deficiente apreciação das situações de facto, geradora de uma lacuna "por incompleta apreciação das situações de facto" e o afastamento da discriminação será possível por via de uma interpretação conforme à constituição, por recurso à aplicação analógica das normas que concedem o direito ao grupo restrito, repondo a igualdade através do recurso à analogia.

  18. A liberdade de conformação do legislador é nesta sede praticamente inexistente, porquanto esta solução é já vinculativa para o próprio legislador, não podendo este eliminar "a disparidade de tratamento através da pura e simples supressão do beneficio".

  19. O órgão jurisdicional não actua como se fosse o legislador, não existe qualquer intervenção...

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