Acórdão nº 045851 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Junho de 2003

Magistrado ResponsávelANTÓNIO SÃO PEDRO
Data da Resolução03 de Junho de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1.Relatório A..., B..., C... e D..., identificados nos autos, recorrem para este Supremo Tribunal do RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS, N.º 130/99, de 9 de Setembro, publicada no DR II Série n.º 229, de 30 de Setembro, que determinou a cessação da intervenção do Estado na empresa em nome individual E..., mediante a sua restituição aos herdeiros de ..., que demonstrem ter justo título, aos quais competirá proceder ao pagamento do seu passivo, nos termos do previsto no n.º 2 do art. 20º do Dec. Lei 422/76, de 29 de Maio, pedindo: a) a declaração de nulidade ou a anulação apenas na parte em que imputou aos herdeiros de ... a responsabilidade pelo pagamento do passivo da empresa, mantendo-se como válidas a cessação da intervenção do Estado na empresa e a sua restituição aos herdeiros, ou; b) se assim se não entender possível, a declaração de nulidade ou anulação de toda a Resolução.

Nas suas alegações finais, formularam as seguintes conclusões: a) na resposta apresentada, a autoridade recorrida aceitou e confessou parte substancial do pedido e causa de pedir formulados pelos recorrentes, uma vez que assumiu a responsabilidade do Estado pelo pagamento de todas as dívidas nascidas com e devido à intervenção do Estado na firma "E..."; b) na resposta apresentada, a autoridade recorrida expressamente confessou-se responsável - a si e ao Estado - pelo pagamento de todas as dívidas a trabalhadores contraídas durante o período da intervenção do Estado na empresa, tais como as dívidas a trabalhadores, ao fisco e à segurança social; c) a confissão da autoridade recorrida deve abranger também a responsabilidade pelas dívidas que foram devidas a essa mesma intervenção, como sejam as dívidas às instituições bancárias cuja falta de pagamento, quer do capital, quer dos respectivos juros, se deveu única e exclusivamente à intervenção do Estado na empresa; d) os recorrentes aceitam a assunção da responsabilidade do Estado por parte da autoridade recorrida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 567º do Cód. Proc. Civil, responsabilidade essa que abrange tanto os actos de gestão pública, como os actos de gestão privada; e) a confissão feita pela autoridade recorrida, no que respeita à responsabilidade do Estado pelas dívidas nascidas com, e devido à, intervenção do Estado, na firma "E...", devem ser associados os efeitos previstos nos art.os 352º a 358º do Cód. Civil; f) a responsabilidade do Estado pelo pagamento das dívidas nascidas com a intervenção do Estado na forma "E..." e devidas a essa intervenção, para além de ter sido admitida e confessada pela autoridade recorrida, decorre de uma forma inequívoca e indiscutível das normas legais aplicáveis, bem como dos mais elementares princípios gerais de direito; g) a cessação da intervenção do Estado na empresa constituía uma exigência legal e constitucional desde 1978; h) a restituição da empresa aos herdeiros, seus legítimos proprietários, constituía, para além de uma possibilidade legal, um imperativo moral e constitucional; i) pelo contrário, a imputação aos herdeiros da responsabilidade pelo pagamento do passivo da empresa constitui uma violação clara e inaceitável da lei constitucional e ordinária, e dos mais elementares princípios gerais de direito em matéria de responsabilidade civil; j) impõe-se, por isso, impedir que à ilegalidade de decisão de intervenção do Estado na forma, à ilegalidade da sua manutenção por mais de 25 anos e à ilegalidade da inexecução da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo por 1 ano e seis meses, se venha a acrescentar a ilegalidade da não assunção, por parte do Estado -Administrador e possuidor do estabelecimento comercial durante todos estes anos - da responsabilidade pelos actos praticados pelos administradores por si nomeados durante o período da intervenção; k) é absolutamente inaceitável que 25 anos após ter decretado a intervenção na empresa, O Estado tivesse vindo imputar a responsabilidade do pagamento do passivo de uma empresa que possuiu, geriu e administrou - directamente, através de um administrador por si nomeado - durante todo esse período; e imputar a quem, embora proprietário da mesma, se encontrou afastado da empresa, de facto desde Julho de 1974, e de facto e de direito, desde 1975, e não teve quaisquer responsabilidades na constituição do referido passivo; l) a responsabilidade do Estado Português pelos actos praticados pelo administrador por si nomeado é a responsabilidade do comitente pelos actos dos seus comissários, de acordo com o previsto nos art.os 500º e 501º do Cód. Civil, atendendo à natureza privado dos actos de gestão em causa; m) mesmo que se considerasse como de gestão pública os actos de gestão praticados pelo administrador nomeado pelo Estado - nos efeitos produzidos ao nível das relações da empresa (ou seus proprietários) com o Estado - ainda assim, sempre seria o Estado solidariamente responsável pelos mesmos, não só de acordo com o disposto no art. 22º do CRP e no Dec. Lei 48051, como das regras gerais em matéria de responsabilidade civil; n) o próprio acto de intervenção do Estado na empresa, enquanto acto de gestão pública, gera a responsabilidade do Estado pelos prejuízos daí decorrentes, nos termos do Dec. Lei 48051, sendo que um desses prejuízos decorre do não cumprimento das obrigações assumidas na Concordata celebrada em 1971; o) a responsabilidade do Estado pelo pagamento do passivo da empresa decorre da circunstância de, desde a ocupação até aos nossos dias, o titular da empresa, primeiro e, depois, a herança, não terem tido a posse do estabelecimento em causa, pois estiveram, de direito absolutamente impedidos de intervir na gestão do estabelecimento comercial intervencionado ou na de qualquer dos respectivos elementos patrimoniais; p) os herdeiros não podem assim ser responsabilizados pelo pagamento do passivo da empresa, pois caso o fossem, essa responsabilização acarretaria uma violação dos princípios constitucionais da certeza e da segurança jurídica e do próprio direito de propriedade, direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, constitucionalmente consagrado (art. 62º da CRP) ao representarem uma ablação patrimonial com cuja execução o respectivo destinatário não poderia razoavelmente contar; q) a responsabilidade do Estado pelo pagamento do passivo da firma em causa abrange, assim, sem qualquer margem para dúvidas, as seguintes dívidas: i) as dívidas aos trabalhadores, incluindo os respectivos juros, judicialmente reconhecidas e declaradas pelo Tribunal do Trabalho de Tomar, dívidas que foram todas elas contraídas durante o período da intervenção, e ii) as dívidas ao fisco e à segurança social contraídas durante o período em que se manteve a situação de intervenção do Estado na empresa; r) mas a responsabilidade do Estado pelo pagamento do passivo da empresa "E..." abrange também as dívidas que já existiam ao tempo em que foi decretada a intervenção do Estado na empresa, mas cujo pagamento não foi efectuado devido a essa mesma intervenção; s) a responsabilidade do Estado deve incluir, nas obrigações já existentes antes da intervenção do Estado na empresa - as últimas prestações devidas aos credores, no âmbito da Concordata assinada em 1971, uma vez que foi por causa dela que as mesmas não foram compridas; t) uma vez que o não pagamento das referidas dívidas foi devido, num primeiro momento, à ocupação da empresa pelos seus trabalhadores, e num segundo momento, à intervenção do Estado na empresa, ou seja, o incumprimento das obrigações de pagamento subjacentes às dívidas em causa é imputável a terceiros, não pode a herança responder por essas dívidas pois a causa do seu não pagamento ou do incumprimento da Concordata que as define, não é imputável ao Sr. ..., nem aos seus herdeiros; u) não constituindo dívidas do Senhor ..., as referidas dívidas não constituem um encargo da herança pelo qual a herança tenha de responder, sob pena de se ter violado o estabelecido no art. 2068º do Cód. Civil; v) na resposta da autoridade recorrida, não é alegado nem provado nenhum facto que demonstre qual era s situação económica em que se encontrava em empresa no momento da sua intervenção, ou seja, em Março de 1975, e muito menos é alegado ou provado qualquer facto que possa ser imputado ao proprietário da empresa, proprietário esse que à data da intervenção se encontrava proibido de entrar na mesma há 9 meses; w) a não imputabilidade do incumprimento das referidas obrigações ao Sr. ... e, nessa medida, aos seus herdeiros, na medida da herança, mas antes a terceiros - sejam eles os trabalhadores ou o Estado exonera os herdeiros da responsabilidade por esse pagamento, bem como pelos prejuízos causados com esse incumprimento, uma vez que não é possível imputar uma responsabilidade quando falta um dos principais pressupostos da mesma - a culpa; x) caso assim não venha a entender esse Venerando Tribunal, o que não se concede e só por cautela de patrocínio se analisa, quando muito os herdeiros só poderiam ser responsabilizados pela dívida de capital existente à data da ocupação e posterior intervenção do Estado, reclamada pelas referidas instituições bancárias, uma vez que os juros de mora são directamente imputáveis ao não pagamento das restantes prestações da concordata que só ocorreu por força dessa ocupação e intervenção; y) a imputação ao Estado da responsabilidade pelo pagamento do passivo da firma "E..." constitui ainda uma exigência da aplicação de vários princípios gerais de direito, nomeadamente os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade; z) a condição aposta ao acto recorrido, da qual resulta a imputação da responsabilidade pelo pagamento da empresa intervencionada aos herdeiros, viola, assim, o direito de propriedade, direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias; viola os princípios da justiça, da igualdade, da certeza e da...

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