Acórdão nº 047836 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Julho de 2003

Magistrado ResponsávelJ SIMÕES DE OLIVEIRA
Data da Resolução02 de Julho de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, 3ª Subsecção:- I -A...

, S.A. recorre contenciosamente do despacho do SECRETÁRIO DE ESTADO DO TURISMO nº 318/2001/SET, de 18.4.01, que lhe indeferiu o recurso hierárquico do despacho do Inspector-Geral dos Jogos que determinara que a recorrente procedesse ao pagamento a ...

, frequentadora do Casino, de um prémio (jackpot) no valor de Esc. 8.600.000$00, conseguido em máquina de jogo, não podendo deduzir tal quantia da receita da máquina.

Fundamenta o recurso em erro nos pressupostos de facto, pois o acto recorrido supõe que a máquina estava a funcionar correctamente, quando na realidade estava avariada, em usurpação de poder, na medida em que visou dirimir um litígio do âmbito do direito privado, violação do princípio da boa-fé, dos arts. 3º e 6º do Dec. Reg. nº 29/88, de 3.8, e além disso insuficiência e obscuridade da fundamentação.

Respondeu a entidade recorrida, dizendo em síntese que a jogadora é alheia a qualquer avaria da máquina, que a decisão impugnada é uma manifestação dos poderes de fiscalização da Inspecção-Geral de Jogos e da Tutela do Governo (Dec-Lei nº 422/89, de 2.12 e Dec-Lei nº 10/95, de 19.1), que é a recorrente quem revela esquecimento do princípio da boa-fé, que o valor do prémio não podia ser deduzido da receita da máquina sem violação da obrigação da concessionária de entregar ao Estado a contrapartida anual de 50% das receitas brutas dos jogos dos casinos, e finalmente que o despacho recorrido está devidamente fundamentado.

Foi igualmente citada a recorrida particular, que em substância veio dizer que jogava na máquina com a aposta máxima, que conseguiu a combinação composta por 3 esfinges ou faraós na linha central, correspondendo a um jackpot, o que foi confirmado pelos colaboradores da recorrente, que os técnicos da recorrente fizeram testar a máquina em várias jogadas, tendo esta funcionado normalmente, que a abriram sem a presença do inspector de serviço à sala, o que fez com que desaparecesse o registo das últimas jogadas, que tudo indica que a máquina funcionava normalmente, tendo até os técnicos da recorrente dito que ela poderia continuar a jogar naquela máquina. A recorrida não estava a jogar ao abrigo de nenhum contrato de adesão, mas a não ser assim a cláusula de que a recorrente se quer prevalecer é nula, por violação dos deveres de comunicar e de informar, previstos nos arts. 5º e 6º do Dec-Lei nº 446/85, de 25.10. A recorrente está a pretender transferir para a frequentadora o ónus de exploração da máquina, o que é inadmissível. Por fim, não há falta de fundamentação nem outro vício, devendo o acto ser mantido.

As partes apresentaram alegações, tendo a recorrente enunciado as seguintes conclusões: 1ª O acto recorrido padece de vício de erro nos pressupostos de facto, na medida em que faz assentar a vontade administrativa no regular funcionamento da máquina da recorrente que serviu de instrumento ao contrato de jogo entre aquela e a recorrida particular, o que constitui errónea apreciação da situação factual em causa, conforme demonstrado, pelo que o acto recorrido é anulável, nos termos do artigo 135º do Código do Procedimento Administrativo (C.P.A.); 2ª O acto recorrido encontra-se viciado de usurpação de poderes, porquanto pretende decidir de forma impositiva um diferendo entre entidades privadas, no âmbito de um negócio jurídico-privado, o que é atribuição privativa do poder judicial, nos termos do artigo 202º da C.R.P., sendo assim nulo, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 133º e 134º, ambos do C.P.A.; 3ª O acto recorrido viola o princípio da boa-fé no exercício da actividade administrativa, contido nos artigos 266º, n.º 2, da Lei Fundamental, e 6º-A do C.P.A., na medida em que faz uma apreciação da situação subjacente como se fossem desconhecidas da Administração as regras do contrato de jogo em causa, portanto, em clara violação da confiança suscitada na recorrente, sendo o mesmo acto anulável, nos termos do artigo 135º do C.P.A.; 4ª O acto recorrido é ilegal, por violação dos artigos 3º e 6º do Decreto Regulamentar n.º 29/88, de 3 de Agosto, na medida em que não permite a contabilização do pretenso prémio a pagar à recorrida particular para efeitos de cálculo da receita bruta dos jogos, valor sobre o qual é entregue ao Estado uma contrapartida de 50%, e sobre o qual a recorrente é tributada em paralelo, sendo assim o acto recorrido anulável, nos termos do artigo 135º do C.P.A.; 5ª Os artigos 3º e 6º do Decreto Regulamentar n.º 29/88, de 3 de Agosto, são claramente inconstitucionais, com a interpretação que lhes é dada pela autoridade recorrida no acto ora impetrado, quando em confronto com os princípios da igualdade e proporcionalidade, ínsitos no artigo 13º da Lei Fundamental; 6ª O acto recorrido padece ainda de vício de forma por falta de fundamentação, dada a insuficiência e obscuridade da mesma, nos termos expostos, e atendendo ao disposto no artigo 125º do C.P.A., sendo anulável, nos termos do art. 135º do mesmo Código, dado que padece de vício de forma por fala de fundamentação".

Contra-alegou a entidade recorrida, formulando as conclusões seguintes: "a) Tendo em conta a matéria apurada em processo de averiguações, ao Inspector-Geral de Jogos competia apenas ordenar à concessionária, ora recorrente o pagamento à jogadora da quantia de 8.600 contos, correspondente ao jackpot; b) Tal decisão foi sancionada pelo despacho do Senhor Secretário de Estado do Turismo, nº 318/2001, de 18 de Abril, agora impugnado; c) O despacho referido na alínea anterior não padece de erro nos pressupostos de facto, de usurpação de poderes, acatou o princípio da boa-fé, não violou qualquer preceito legal e encontra-se fundamentado de facto e de direito".

A recorrida particular também contra-alegou, tendo concluído do seguinte modo: "A - De acordo com a matéria dada como provada, a concessionária só tinha que pagar o prémio de Pte 8.600.000$00 à frequentadora, como ordenou o Inspector Geral de Jogos; B - O Secretário de Estado de Turismo por despacho n.º 318/2001, de 18/4, confirmou a decisão do Inspector Geral de Jogos; C - O despacho ora impugnado não sofre de qualquer vicio; D - O despacho recorrido é perfeitamente legal".

O Ministério Público é de parecer que o recurso não merece provimento.

O processo foi aos vistos legais, cumprindo agora decidir.

- II -Consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão: 1. A recorrente é concessionária da exploração de jogos de fortuna e azar da zona de jogo da Póvoa do Varzim, nos termos do contrato publicado no D.R., III série, nº 37, de 14.2.89.

  1. Em 8.4.00, cerca da meia-noite, a recorrida particular ... jogou no Casino da recorrente com a máquina nº 9316, tendo feito a aposta máxima nesse tipo de máquina (9 fichas).

  2. Conseguiu a recorrida particular a combinação constituída por 3 esfinges ou faraós na linha central.

  3. A essa combinação, jogando com a aposta máxima, corresponde a atribuição do jackpot.

  4. À hora referida em 2., o jackpot valia Esc. 8.600.000$00.

  5. A recorrente recusou-se a pagar o prémio à recorrida, alegando haver avaria da máquina.

  6. A recorrida reclamou para o Coordenador da Equipa de Inspecção junto do Casino da Póvoa do Varzim (doc. fls. 3 do instrutor, que se dá por reproduzido).

  7. O Inspector-Coordenador, por despacho de 24.4.00, mandou instaurar processo de averiguações.

  8. No final deste processo o instrutor elaborou um relatório, cujas conclusões constam de fls. 26 a 28 do instrutor.

  9. A recorrente foi notificada para se pronunciar sobre o dito relatório, o que fez apresentando a exposição e documentos constantes do processo de averiguações.

  10. Em 7.12.00 o Inspector-Geral dos Jogos exarou o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT