Acórdão nº 047942 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução22 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: (Relatório) 1.

A...

, melhor identificado nos autos, veio interpor recurso contencioso de anulação do despacho, de 11.5.01, do Secretário de Estado da Cultura, que autorizou o embargo de obra que estava a ser levada a efeito no prédio de que é proprietário, sito no lugar de ..., Freguesia de Colares, concelho de Sintra, com base na existência de vícios de violação de lei e de forma.

Apresentou alegação, com as seguintes conclusões: 1ª.

O despacho recorrido padece de erro de facto e de direito ao pressupor que o prédio do recorrente se encontra incluído nos limites de uma área em vias de classificação estabelecida por despacho ministerial em 1981 - e por isso sujeito ao regime jurídico previsto na Lei 13/85, de 6 de Julho - sendo certo que a delimitação da área em vias de classificação efectuada em 1981 foi revogada em 1984 por despacho que estabeleceu uma nova delimitação, acto este que veio a ser contenciosamente anulado, não resultando de tal anulação a repristinação do acto revogado (cf. Ac. da 2ª Subsec. do STA, de 02.06.98, Processo nº 30778 e Ac. da 2ª Secção do STA, de 06.10.99, Processo nº 23379, in www.dgsi.pt); 2ª.

O acto recorrido enferma de erro de facto e de direito ao autorizar o embargo com o fundamento de que "a obra não foi submetida a prévio parecer do IPAAR", quando está provado nos autos que o IPAAR foi consultado pela CMS antes de a autarquia licenciar a obra em causa e emitir para a mesma o respectivo alvará de licença de construção, erro que por si só deverá conduzir à anulação do despacho sub judice.

  1. Ao autorizar o embargo das obras em causa mediante a justificação avançada de que "a obra não foi submetida a prévio parecer do IPAAR", o despacho recorrido enferma de erro de direito e viola o princípio da legalidade disposto nos arts. 4º, 25º, nº 3, al. g) e 11º, al. c) do Decreto nº 120/97, de 16 de Maio, dado que não se encontram reunidos os pressupostos para o decretamento do embargo das obras em apreço, sendo alias certo que: 4ª.

    Tendo a CMS consultado o IPAAR acerca do projecto de obras objecto do embargo sub judice e não tendo recepcionado qualquer parecer daquele Instituto dentro do prazo legal previsto para o efeito (v. Docs adiante juntos), formou-se parecer tácito favorável por parte do IPAAR, sendo juridicamente irrelevante qualquer parecer contrário recebido pela autarquia para além do prazo legal (cf. arts. 17º, 20º, nº 2 e 35º do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Nov. e acs. Do STA de 13.1.2000. Proc. Nº 45516, de 01.06.94, Proc. Nº 33357 e de 03.12.92, Proc. nº 28475, in www.dgsi.pt).

  2. Não tendo sido impugnados os actos que conduziram ao licenciamento camarário das obras sub judice, gozam os mesmos de presunção de legalidade, estendida aos pressupostos que conduziram à sua prática, de entre os quais a existência de parecer favorável tácito por parte do IPPAR (v. Docs. Adiante juntos) e a conformidade das obras licenciadas com a lei.

  3. A ter existido falta de consulta prévia ao IPPAR (como invoca o acto recorrido para justificar o embargo, não havendo que atender a fundamentos posteriores à prática do acto), o licenciamento camarário das obras seria anulável e não nulo (cf. art. 52º, nº 1 do decreto-lei nº 445/91, de 20 de Nov.), pelo que a ilegalidade daí decorrente já estaria sanada à data da prática do acto recorrido, considerando a data do licenciamento camarário das obras (7 de Janeiro de 2000) e o prazo legal para do mesmo interpor recurso contencioso (v. art. 28º da LPTA).

  4. O acto recorrido viola o princípio da tutela da confiança (cf. art. 266º, nº 2 da CRP e arts. 5º, 6º, e 6ºA do CPA) e o regime legal de revogação de actos administrativos constante dos arts. 140º, nº 1 e 141º do CPA, já que produz efeitos de todo incompatíveis com os decorrentes do licenciamento camarário das obras embargadas, acto esse legal e constitutivo de direitos.

  5. O acto impugnado é nulo e de nenhum efeito, nos termos do art. 133º, nº2, al. b) do CPA, dado que a autoridade recorrida não dispõe de atribuições para operar a revogação de actos de órgãos de um Município, como no caso sucede com a assinalada revogação do licenciamento camarário.

    NESTES TERMOS, deve o recurso ser julgado provado e procedente, declarando-se a nulidade ou anulando-se o acto recorrido, com as legais consequências.

    O Ministro da Cultura apresentou contra-alegação, na qual formulou as seguintes conclusões:

    1. A "... , propriedade do ora recorrente, é parte integrante do conjunto em vias de classificação - primitiva "..." ou "...", - sita em Colares, Sintra, constituindo o núcleo central de maior relevância deste universo patrimonial, e desde o despacho inicial que determinou a sua classificação encontra-se incluída dentro dos limites definidos em planta com o objecto que se pretende classificar, mesmo que com o passar dos anos tenha tomado outra designação; B)O despacho de 15 de Maio de 1981 do então Secretário de Estado da Cultura que determinou a classificação da Quinta mantém-se em vigor uma vez que não foi anulado ou posto em causa, tendo sido, pelo contrário, anulado o despacho de 20 de Maio de 1984 do Ministro da Cultura que determinou a ampliação da classificação, pelo que o terreno propriedade do recorrente sempre continuou sujeito às disposições normativas relativas ao património cultural; C)As obras que decorrem ainda na Quinta em vias de classificação não foram autorizadas expressamente pelo Ministério da Cultura ou pelo IPAPAR, encontrando-se, assim, em desconformidade com o disposto no nº 2 do artigo 18º da Lei nº 13/85, de 6 de Julho, e na alínea f) do nº 2 do artigo 2º do decreto-lei nº 120/97, de 16 de Maio, comportamento já verificado anteriormente com a realização de inúmeras intervenções igualmente não autorizadas.

    D)Os actos que conduziram ao deferimento pela autarquia do pedido de licenciamento da obra em presença são nulos, uma vez que este foi decidido em desconformidade com parecer vinculativo/autorização do IPPAR, datado de 15/9/98, conforme o disposto no nº 2 do art. 52º do decreto-lei nº 445/91, de 20 de Novembro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei nº 250/94, de 15 de Outubro; E) O despacho de autorização do embargo, de 11 de Maio de 2001, do então Secretário de Estado da Cultura, que autorizou a que se procedesse ao embargo das obras levadas a efeito na Quinta ..., foi proferido ao abrigo do Despacho de delegação de competências nº 17600/2000 (2ª série), não estando viciado por incompetência ou por qualquer outro vício, v. g. os de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, nem viola o princípio da legalidade, como decorre do que fica exposto, sendo, pelo contrário, legal e justo.

    F) O despacho recorrido não violou qualquer direito do recorrente merecedor de tutela jurídica e não tem conteúdo revogatório do acto de licenciamento municipal, porquanto este é em si mesmo, nulo.

    G) Com efeito, tal acto e licenciamento foi praticado em desconformidade com o parecer vinculativo de não autorização tempestivamente praticado pelo IPPAR, pois o foi no 15º dia subsequente à recepção dos elementos remetidos pela autarquia, em conformidade com o disposto no art.º 35º, nº 5, do DL 445/91, de 20/11, na redacção do DL nº 250/94, de 15/10, não se tendo, pois, formado parecer favorável tácito.

    H)Sendo nulo o acto de licenciamento municipal, o recorrente não tinha direito de edificar, o qual, de resto, não integra o núcleo essencial do direito de propriedade, este, também, sujeito ao dever de conformação com outros direitos e interesses constitucionalmente tutelados, entre eles, o direito à fruição cultural, cujo exercício é garantido, v. g., pela atribuição do Estado do dever de preservar o património cultural.

    I) O despacho recorrido integra-se no parecer sobre que recaiu, apropriando-se da respectiva fundamentação de facto e de direito, assim tornando apreensível o itinerário cogniscitivo-valorativo da tomada de tal decisão, pelo que não está eivado de vício de forma por falta de fundamentação.

    J) O embargado e ora recorrente, para além do historial de obras que tem vindo a efectuar em desconformidade com o disposto na lei (sem licença e sem prévia autorização do IPPAR), desobedeceu ainda ao embargo administrativo validamente proferido, bem como desobedeceu à decisão do STA em não conferir provimento à, por si requerida, suspensão de eficácia do acto que autorizou o embargo, incorrendo em responsabilidade criminal.

    A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu o seguinte parecer: O presente recurso contencioso de anulação vem interposto do despacho de 11.05.2001 do Sr. Secretário de Estado da Cultura, que autorizou o embargo dos trabalhos de construção que vinham sendo efectuados no imóvel denominado Quinta ... de que o recorrente é proprietário, por considerar que, por não terem sido sujeitos a prévio parecer do IPPAR, os mesmos violavam o disposto no artigo 18° da Lei 13/85 de 06.07, conjugado com a alínea f) do nº 2 do artigo 2° e alínea e) do nº 3 do artigo 25° do DL 120/97 de 16.05.

    Considerando os elementos juntos aos autos e ao processo instrutor, vejamos se o acto impugnado se mostra afectado de qualquer dos vícios que pelo recorrente lhe vêm imputados nas suas alegações, e apenas esses, certo que, como é jurisprudência pacífica deste STA, não relevam outros vícios noutra sede invocados e entretanto abandonados pelo recorrente.

    *Na conclusão 8ª das suas alegações vem o recorrente alegar que o acto recorrido enferma de nulidade porquanto teria sido praticado sem que a entidade recorrida dispusesse de atribuições necessárias à sua prática, assim violando o disposto no artigo 133° nº2 alínea b)...

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