Acórdão nº 048132 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Novembro de 2003

Magistrado ResponsávelALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Data da Resolução25 de Novembro de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência, na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

1.1.

A... e mulher ..., casados no regime de comunhão geral de bens, residentes em 11, Rue ..., 16000 Angoulême, France, interpuseram no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto (TACP) o presente recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário de Estado da Administração Local, de 7 de Dezembro de 2000, que declarou a utilidade pública da expropriação e autorizou a tomada de posse administrativa de uma parcela de terreno que lhes pertence.

Requereram a citação da Câmara Municipal de Boticas, como contra-interessada.

1.2.

Na petição, sustentam a violação do disposto nos artigos 100.º e 101.º do CPA, dos artigos 2.º e 13.º, n.º 1, do Código das Expropriações, a existência de desvio de poder, a violação dos princípios da legalidade, igualdade, imparcialidade e boa-fé.

1.3.

O Ministério Público no TACP suscitou a incompetência daquele Tribunal.

1.4.

Ouvidos, os recorrentes requereram, desde logo, a remessa dos autos a este STA (fls 48.) 1.5.

Por despacho do juiz do TACP, foi declarada a incompetência daquele Tribunal e ordenada a remessa a este STA, após o trânsito (fls. 49).

1.6.

Notificados, autoridade recorrida respondeu e contra-interessada contestou suscitando o não cumprimento do artigo 4.º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA) e a extemporaneidade da interposição do recurso, e sustentaram a legalidade do acto.

1.7.

Notificados para as questões suscitadas, os recorrentes nada disseram.

1.8.

O EMMP emitiu parecer no sentido da improcedência de tais questões.

1.9.

Por despacho de fls. 123, relegou-se para final a decisão das questões prévias.

1.10.

Em alegações, os recorrentes formulam as seguintes conclusões: "1ª Sobre a incompetência do Tribunal Administrativo do Circulo do Porto para conhecer o presente recurso sempre se dirá que, apesar de não ter sido cumprido o disposto no artigo 4º, nº 1 da LPTA, não podem os Recorrentes ser prejudicados com tal acto da Secretaria.

  1. Sobre a extemporaneidade do recurso, tendo presente os normativos dos artigos 28°, n° 1 b) e 35°, n° 5 da LPTA e 15°, n° 6 do Código das Expropriações e os factos da p.i. ter sido remetida por correio registado no dia 22.05.2001 e o signatário ter escritório na Comarca de Braga, conclui-se que a mesma deve improceder.

  2. Os Recorrentes são donos e legítimos possuidores do prédio rústico denominado "Terreno ...", sito no Lugar de Lama da Vila, freguesia de São Salvador de Viveiro, concelho de Boticas, inscrito na matriz predial rústica respectiva sob o artigo 52° e descrito na Conservatória do Registo Predial de Boticas sob o n° 00450.

  3. Pelo oficio DAF/EXP/3398, datado de 09/12/1999, informou a Câmara Municipal de Boticas os Recorrentes que pretendia levar a cabo a aquisição (amigável) de uma parcela do terreno com a área de 65 m2 do prédio supra descrito tendo em vista a realização da obra "Viveiro - Ligação entre as Ruas da Escola e da Lomba" (cfr. doc. n° 1 da p.i.).

  4. Por requerimento enviado em 07/01/2000, responderam os Recorrentes nos termos e com os argumentos aí constantes, contestando, em síntese, tal pretensão camarária (cfr. doc. n° 2 da p.i.).

  5. Através do ofício DAG-DA-1334, de 00.05.23, da Câmara Municipal de Boticas, informou esta que, atenta a impossibilidade de aquisição amigável de tal parcela de terreno, iria proceder à sua expropriação (cfr. doc. n° 3 da p.i.).

  6. Perante esta intenção da Câmara Municipal de Boticas, responderam - contestando - novamente os Recorrentes, conforme cópia de requerimento junto como doc. n° 4 da p.i.

  7. Pelo oficio n° 9571 de 06.09.00, da Direcção-Geral das Autarquias Locais, foram os Recorrentes notificados para exercerem o seu direito de audiência dos interessados, nos termos dos artigos 100° e 101° do C.P.A. (cfr. doc. n° 5 da p.i.).

  8. Os Recorrentes exerceram o seu direito de resposta, conforme cópia de requerimento que se juntou como doc. n° 6 da p.i., mais uma vez demonstrando a sua total discordância com a expropriação em causa.

  9. Pelo oficio n° DAG/DA/224 de 22.01.01, da Câmara Municipal de Boticas, tomaram os Recorrentes conhecimento do Despacho ora recorrido e da sua correspondente publicação no Diário da República n° 13, IIª Série, de 16 de Janeiro de 2001 (cfr. doc. n° 8 da p.i.).

  10. Conforme se constata pelo doc. n° 5 da p.i. (e não doc. n° 7, por lapso junto aos autos), a notificação para os Recorrentes exercerem o seu direito de audiência dos interessados é insuficiente, pois apenas refere o sentido provável da decisão, remetendo para uma eventual consulta ao processo, que se encontra em Lisboa, a análise e o conhecimento integral da sua fundamentação.

  11. Tal significa, portanto, que os Recorrentes não puderam exercer convenientemente o seu direito de audiência, com manifesto prejuízo para a sua pretensão, a menos que se deslocassem a Lisboa (não esquecendo que os mesmos residem em França), pelo que não tendo sido dado cumprimento integral ao disposto naquele artigo 101°, n° 2 do C.P.A., enferma o acto recorrido de um vicio de procedimento, que deve conduzir à sua anulação.

  12. Pretendeu a Câmara Municipal de Boticas a expropriação de uma parcela de terreno com a área de 65 m2 para a realização da ligação entre as Ruas da Escola e da Lomba na povoação de Viveiro, freguesia de São Salvador de Viveiro, daquele concelho, tendo sustentado, para a realização de tal intento, que a sua execução é importante enquanto factor de requalificação urbana da mais relevante povoação daquela freguesia e de mobilidade dos seus residentes e visitantes e ainda do seu contributo para propiciar as necessárias condições de atractividade para fixação da respectiva população, conhecida que é a urgência na tomada de medidas que permitam diminuir ou eliminar os riscos de desertificação populacional destas áreas rurais.

  13. Em primeiro lugar, nunca a Câmara Municipal desconheceu a pretensão dos Recorrentes em arrogarem-se donos de parte do terreno que se encontra entre as duas casas de habitação, conforme sustentaram e continuam a sustentar perante a referida edilidade, sendo que esta até confessou o conhecimento desta situação no artigo 56° da sua Contestação.

  14. Em segundo lugar, não têm qualquer razão de ser os motivos invocados para a realização da obra pretendida, e desde logo porque os argumentos invocados constituem conceitos vagos onde se podem inserir todas as eventuais pretensões da Câmara Municipal, sendo que no caso concreto os mesmos não se verificam e não foram sequer demonstrados nos articulados de defesa de recorrido e contra-interessada.

  15. Com efeito, as vias que Câmara Municipal diz pretender ligadas entre si cruzam-se a cerca de 20 metros, para Poente, daquele mesmo local, sendo que a casa de habitação dos Recorrentes encontra-se situada numa das extremidades da freguesia de Viveiro, não existindo qualquer outra para Norte da mesma, pois aquela Rua da Lomba termina exactamente na casa de habitação dos Recorrentes, terminando também aí o seu traçado.

  16. Por outro lado, a Câmara Municipal tinha perfeito conhecimento que os Recorrentes, desde há algum tempo para cá, se vêm travando de razões com o seu vizinho mais próximo sobre a propriedade do terreno que se situa entre as duas casas de habitação que ladeiam a pertença Rua a construir, conforme resulta confessado do artigo 56° da Contestação da contra-interessada.

  17. Da pretensão da Câmara Municipal e dos argumentos por ela invocados não nos encontramos perante um caso de interesse público para as populações da freguesia de Viveiro, mas antes perante um caso de clara conivência entre a Câmara Municipal, a Junta de Freguesia e o vizinho mais próximo dos Recorrentes, sendo estes os únicos beneficiários da expropriação.

  18. A expropriação visou evitar que fosse reconhecido aos Recorrentes o direito de propriedade sobre a parcela de terreno que se encontra em frente à sua casa de habitação e, consequentemente, entre as duas casas que vão marginar uma pretensa rua que em alguns pontos terá uma largura inferior a 2 metros, por onde só poderão passar veículos de tracção animal, e pode vir a pôr em causa a segurança de pessoas de idade já avançada, cuja entrada para casa se faz directamente do terreno por onde se pretende abrir a referida Rua.

  19. As paredes da casa de habitação dos Recorrentes vão marginar a referida Rua do lado Norte e a saída de sua casa será efectuada directamente para a Rua que se pretende abrir, pelo que com a construção da Rua pretendida, o prédio dos Recorrentes, designadamente a sua casa de habitação, ficará completamente devassada e a defesa do seu direito de propriedade ficará seriamente ameaçada.

  20. Não estão, na expropriação em causa, quaisquer razões de utilidade pública, porque, se assim fosse, tais interesses teriam que ceder perante a segurança e bem estar não só dos Recorrentes como dos seus vizinhos mais próximos, até porque em face do declive acentuado que existe na morfologia do próprio terreno, a velocidade dos veículos que passem no local será grande.

  21. Tendo o acto recorrido servido outros fins que não os previstos nas disposições legais aplicáveis, tal significa que enferma o mesmo do vicio de desvio de poder, que deverá conduzir à sua anulação.

  22. Não se diga ainda, como o fez a contra-interessada, que este vicio só pode ocorrer quando a Administração actua no exercício de poderes discricionários (que é, de resto, o caso, pois que o recurso à via expropriativa encerra um juízo de semelhante valor), pois que a orientação jurisprudencial e doutrinal majoritária aponta, actualmente, para este entendimento.

  23. O acto recorrido enferma ainda do vicio de violação de lei, "in casu", os citados artigos 2° e 13°, n° 1 do Código das Expropriações, por não corresponder ao exacto objectivo que estas normas visam.

  24. Viola igualmente os princípios da legalidade, igualdade, imparcialidade e boa fé, todos aplicáveis ao processo expropriativo, quanto mais não seja por força do disposto no artigo 2° do Código...

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