Acórdão nº 0557/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Dezembro de 2003

Magistrado ResponsávelVÍTOR GOMES
Data da Resolução04 de Dezembro de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo (1ª Subsecção) do Supremo Tribunal Administrativo 1. A... e B..., por si e na qualidade de representantes de seu filho C... propuseram, no Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra, uma acção em que pediram a condenação do Estado a pagar - A C... a quantia de 170.000.000$00 de escudos, com juros à taxa legal a partir da citação; - A B... a quantia já liquidada de 263.200$00, mais a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, correspondente aos salários que deixará de auferir no exercício da sua profissão por ter de prestar cuidados ao C....

A acção emerge do facto de o C..., aluno Escola Secundária ..., em Ovar, ter sido atingido a tiro por outro aluno da mesma escola, em casa deste, ficando afectado de tetraplegia completa, imputando-se ao estabelecimento de ensino violação do dever de impedir a saída dos alunos do recinto escolar durante o tempo lectivo.

Por sentença de 5/11/02 (fls. 166 e sgs) a acção foi julgada parcialmente procedente e o réu condenado a pagar a quantia de €350 000 ( trezentos e cinquenta mil euros) a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais ao C... e a quantia de €1316 (mil trezentos e dezasseis euros) à autora B... e o mais que se liquidar em execução de sentença pelo tempo que tiver de permanecer em casa a fim de prestar os cuidados necessários ao seu filho.

Recorreram desta sentença os autores e o Estado.

O Estado pretende a absolvição do pedido, sustentando, em síntese conclusiva, o seguinte: 1ª - Considerando a matéria de facto fixada na douta sentença recorrida, não se verifica o pressuposto da ilicitude, uma vez que o dever de vigilância em estabelecimento de ensino, para além de, no caso em concreto, o respectivo regulamento não proibir a saída dos alunos do recinto escolar, não é absoluto, pois que, visando assegurar a assiduidade dos alunos às aulas e prevenir situações de abandono da escola, não pode abranger todos e quaisquer actos e comportamentos dos alunos.

  1. - De acordo com a mesma facticidade, aos serviços da Escola não era exigível comportamento diferente, ao permitirem a saída dos dois alunos por ocasião do intervalo do almoço, como era habitual, pelo que agiram sem culpa.

  2. - Mesmo que se conclua pela verificação dos requisitos da ilicitude e da culpa, não se verifica nexo de causalidade entre os danos e a omissão do dever de vigilância, porquanto aqueles danos foram provocados por facto imprevisível, fora do recinto da Escola, em casa dos pais de outro menor, pelo disparo de arma de fogo, arma esta que ali se encontrava ao alcance do mesmo menor.

  3. - A omissão do dever de vigilância (a verificar-se) deixou de ser causa dos danos, por ser de todo indiferente à sua produção, quando confrontada com a condição (imediata e de todo imprevisível) que ocorreu com o manuseamento e disparo de arma de fogo, que estava ao alcance de outro aluno menor, e em casa deste.

  4. - Ao decidir pela procedência (parcial) da acção, o Tribunal "a quo" violou os arts. 2°, n° 1, do Decreto-Lei n° 48051, de 21 de Novembro de 1967, 483° e 491°, ambos do Código Civil.

    Os autores discordam do montante indemnizatório atribuído, em síntese, pelo seguinte: 1ª - A indemnização pelo dano patrimonial futuro, deverá corresponder a um capital susceptível de proporcionar ao lesado um rendimento que compense o seu prejuízo, tendo sempre em conta que tal capital se deverá esgotar no fim do tempo provável da sua vida.

  5. - No caso concreto, o capital deverá produzir um rendimento que compense, não só, a perda total da capacidade de ganho do C..., como também, os custos salariais de terceira pessoa que, permanentemente, e durante toda a vida, terá de prestar todos os cuidados necessários à sua existência.

  6. - O capital de 300.000 € arbitrado pela douta sentença em recurso é, manifestamente, exíguo para compensar tais danos,...

  7. -...devendo ser fixado em pelo menos 500.000 €.

  8. - A indemnização pelo dano não patrimonial, na impossibilidade de reconstituição natural, deverá consistir numa contrapartida pecuniária através da qual o lesado possa usufruir de bens materiais que em alguma medida atenue a sua dor.

  9. - À míngua de critérios objectivos para determinação de tal contrapartida pecuniária, impõe-se o recurso a juízos de equidade.

  10. - A quantia de 50.000€ fixada na douta sentença a título de indemnização pelo dano não patrimonial é manifestamente exígua.

  11. - Atenta a dimensão do sofrimento passado, presente e sobretudo futuro, tal indemnização deverá ser fixada em 200.000 €.

  12. - Foi violado o disposto nos artºs 496° n° 3 e 564° n° 1 do C. Civil.

    1. Após julgamento da matéria de facto controvertida, com base na especificação e nas respostas do tribunal colectivo, a sentença recorrida deu por assente o seguinte: Os AA. são pais de C..., nascido em 01-10-83.

      O Réu é proprietário do estabelecimento de ensino denominado Escola ..., sito na cidade de Ovar.

      A direcção da referida Escola compete a um Conselho Executivo (Conselho Directivo ) composto por professores retribuídos pelo Réu.

      As aulas na referida Escola são ministradas por professores também retribuídos pelo Réu, dentro de horários elaborados pelo Conselho Executivo.

      A organização e funcionamento da Escola e o estatuto de alunos e professores obedecem a normas e directrizes emanadas pelo Governo.

      O C... estava matriculado na referida Escola, como aluno do 9° ano - turma A, do ensino básico, no ano lectivo de 1999/2000.

      D..., nascido a 18-03-85, filho de ... e de ..., estava, também, matriculado na referida Escola como aluno do 9° ano - turma B e no mesmo ano lectivo do C... .

      No dia 07-12-99, pelas 08,30 horas, o C...e o D... entraram na Escola referida, para assistirem às aulas, que naquele dia...

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