Acórdão nº 0208/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Fevereiro de 2004

Magistrado ResponsávelPOLÍBIO HENRIQUES
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO 1.1. A..., casado, residente na Rua ..., nº ...- ..., Lisboa, interpõe recurso contencioso de anulação do despacho, de 22 de Outubro de 2002, do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, que homologou as listas definitivas, elaboradas pelo Conselho Ético e Profissional de Odontologia dos profissionais acreditados e não acreditados no âmbito do processo de regularização dos odontologistas, determinado pela Lei nº 4/99 de 27 de Janeiro, com a redacção da Lei nº 16/2002 de 22 de Fevereiro, apresentando alegações com as seguintes conclusões: "I - O acto impugnado é inválido por incompetência do seu autor, devendo ser anulado nos termos do disposto no art. 135º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que não resulta de qualquer disposição da Lei nº 4/99 de 27 de Janeiro a atribuição desse poder ao Senhor Ministro da Saúde (não se encontrando abrangido por qualquer delegação), nem tal resulta da aplicação de princípios gerais relativos ao exercício da competência administrativa; II - O acto, objecto do recurso, é inválido por ter procedido a uma restrição ilegal dos meios probatórios admitidos no procedimento administrativo, aflorado nº 1 do art. 87º do Código do Procedimento Administrativo e nos termos do qual os factos, que carecem de prova podem sê-lo por recurso a todos os meios de prova admitidos em direito. Ora, o Conselho Ético e Profissional de Odontologia decidiu restringir o princípio geral do valor probatório no procedimento administrativo de todos os meios em direito admitidos, sem habilitação legal e, sobretudo, através de formas insusceptíveis de derrogar disposições de valor legal.

Nestes termos, o acto impugnado é inválido por violação directa do princípio da hierarquia dos actos normativos e, em particular, do nº 6 do art. 112º da Constituição, devendo, como tal, ser declarado nulo.

III - O despacho recorrido sempre seria inválido por violação de Lei, dado desrespeitar a directiva legal, relativa à descoberta da verdade material, subjacente ao princípio do inquisitório estabelecido no art. 56º do Código do Procedimento Administrativo, devendo, consequentemente, ser anulado nos termos do art. 135º do mesmo diploma legal.

IV - O acto contestado é também inválido, por violação de lei a que equivale a violação do princípio da proporcionalidade constante do nº 2 do art. 266º da nossa Lei Fundamental e no art. 5º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que procede a uma restrição administrativa dos meios com valor probatório no procedimento de acreditação dos odontologistas, sem que exista qualquer racionalidade que a suporte, evidenciando-se a sua desnecessidade, desadequação e aleatoriedade.

V - O acto «sub juditio» viola o princípio da igualdade, previsto no nº 2 do art. 266º da Constituição e no nº 1 do art. 5º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que o Conselho Ético e Profissional de Odontologia valorou como prova admissível em relação a determinados odontologistas, documentos (declarações) cujo valor probatório foi desconsiderado em relação ao recorrente.

Deste modo, deve o acto em causa ser declarado nulo, nos termos da alínea d) do nº 2 do art.133º do Código do Procedimento Administrativo.

VI - A homologação, objecto do presente recurso, é também inválida por violação do princípio da boa-fé e da tutela da confiança, previsto no nº 2 do art. 266º da Constituição e no art. 6º -A do Código do Procedimento Administrativo, a que corresponde o «venire contra factum proprium» administrativo, consubstanciado na desconsideração de reconhecimentos anteriores, uma vez que o recorrente se encontra inscrito como odontologista no Departamento de Modernização e Recursos da Saúde ao abrigo do Despacho Normativo nº 1/90 de 23 de Janeiro da Senhora Ministra da Saúde, tendo o Ministério da Saúde reconhecido desde então, expressamente, o exercício desta profissão pelo recorrente bem como a sua qualificação.

VII - O acto impugnado é ainda inválido por erro sobre os pressupostos de facto, uma vez que o recorrente reúne todos os requisitos necessários para a acreditação como odontologista: antiguidade relevante e formação profissional.

Deste modo, o acto administrativo em questão deve ser anulado de acordo com o disposto no art. 135º do Código do Procedimento Administrativo.

VIII- Finalmente, o art. 2º da Lei nº 4/99 de 27 de Janeiro, ao condicionar retroactivamente a liberdade de acesso à profissão de odontologista, conforme garantida pelo art. 47º da Constituição, viola a regra da retroactividade das restrições de direitos, liberdades e garantias, estabelecida no nº 3 do art. 18º da nossa lei Fundamental, bem como o princípio da confiança subjacente ao princípio do Estado de Direito Democrático.

Consequentemente, o acto recorrido, enquanto acto administrativo de aplicação de disposições inconstitucionais, é um acto inválido, devendo ser declarado nulo" 1.2 A autoridade recorrida, nas suas alegações, propugna pela improvimento do recurso, dizendo, em síntese que: - a competência do autor do acto impugnado decorre directamente da norma contida na parte final do art. 4º da Lei nº 4/99,de 27 de Janeiro e do exercício de uma competência conjunta traduzida na reunião necessária de duas vontades de órgãos distintos (Conselho Ético e Profissional de Odontologia e Ministro da Saúde); - sendo que a autoridade recorrida actuou no exercício de poderes delegados por Despacho do Ministro da Saúde nº 12 376/2002, de 9 de Maio de 2002, alterado pelo Despacho 13 341/2002 (2ª Série) de 15 de Julho de 2002; - a competência atribuída pela al. a) do art. 5º da Lei nº 4/99, configura, de certa forma, uma situação de reenvio normativo se se entender que na situação em apreço a lei remete para o Conselho Ético e Profissional de Odontologia e edição de normas regulamentares executivas ou complementares da disciplina por ela estabelecida; - a especificação dos documentos admitidos teve o intuito de assegurar a transparência e objectividade de um processo cuja especificidade determinou a adopção de critérios de prova rigorosos e pré-definidos; - e não violou a regra da não retroactividade, nem os princípios da igualdade, proporcionalidade e boa-fé.

1.3. A Exmª Magistrada do Ministério Público, emitiu douto parecer, nos termos que passamos a transcrever, em parte: "(...) 2.1. No entender do recorrente, o Senhor Ministro da Saúde e, por delegação, o Senhor Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, não são competentes para a prática do acto impugnado, já que a Lei não lhes confere tal poder, pois os poderes administrativos originados pela Lei nº 4/99, de 27.01, foram atribuídos a uma autoridade administrativa independente - o Conselho Ético Profissional - e não ao Governo, sendo que a alínea a) do artº 5º do referido diploma legal atribuiu expressamente àquele órgão a competência jurídica para concluir o processo de acreditação dos odontologistas. Adianta a este propósito que os poderes do Senhor Ministro da Saúde, enquanto órgão superior da cadeia hierárquica em causa, não englobam os poderes directamente atribuídos por Lei ao Conselho Ético e Profissional de Odontologia, pela razão de que este órgão nem sequer está inserido na linha hierárquica.

Não nos parece que lhe assista razão. Em nosso entender o Conselho Ético Profissional de Odontologia (que passaremos a designar por Conselho) não pratica actos administrativos, no conceito que nos é dado pelo artº 120º do CPA.

Em primeiro lugar, não se nos afigura que o teor da norma da alínea a) do artº 5º da Lei nº 4/99, de 27.01 (na versão resultante da Lei nº 16/2002, de 22.02) tenha grande relevância no apoio à tese do recorrente.

A atribuição de poderes para iniciar e concluir o processo de acreditação significa certamente que é o Conselho que, na posse do requerimento do eventual interessado, irá instaurar o respectivo processo, irá proceder à instrução desse processo com a junção dos elementos de prova a ele respeitantes, e, irá, a final, tomar posição sobre o pedido; mas isto não significa que esta tomada de posição tenha natureza decisória; a norma em questão não refere que é o Conselho que decide sobre o pedido de acreditação e isso não deixa de ser sintomático no contexto do regime jurídico dessa entidade.

O regime jurídico do Conselho consta dos artºs 4º, 5º e 6º da Lei nº 4/99, respectivamente, sobre a sua criação, sobre as competências e sobre a sua composição.

Perante este regime é seguro que o Conselho não constitui uma pessoa colectiva pública, dotada de autonomia administrativa e financeira e com órgãos próprios para a dirigirem; e também não constitui um serviço personalizado, com personalidade com personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira. Para que assim fosse, teria que aí estar previsto, o que efectivamente não ocorre.

(Cf, a este propósito, Diogo Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, 2ª ed. (7ª reimpressão), p. 587 e seguintes, e, p. 347 e 348) Nos termos do artº 4º da Lei nº 4/99, de 27.01, é criado o Conselho Ético e Profissional de Odontologia, que funciona sob tutela do Ministério da Saúde.

Pelo que atrás ficou dito parece-nos poder adiantar que a utilização da expressão sob tutela do Ministério da Saúde não poderá significar, em rigor, a sujeição a tutela administrativa, visto que esta implica uma relação entre duas pessoas colectivas: a pessoa colectiva tutelar e a pessoa colectiva tutelada, (Cfr, sobre o conceito de tutela administrativa, Diogo Freitas do Amaral, in ob. Cit., p. 699 e 700) o que aqui não se verifica. O que parece é que o legislador, sem pretender criar um serviço integrado na administração do Ministério, quis, no entanto, que esse organismo funcionasse no seu âmbito, embora sem autonomia administrativa e financeira.

Freitas do Amaral ao escrever sobre a estrutura interna dos ministérios civis, depois de mencionar as categorias de serviços que integram a...

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