Acórdão nº 02019/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelFREITAS CARVALHO
Data da Resolução04 de Março de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo A..., identificado nos autos recorre para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão de 20-06-2002, do Tribunal Central Administrativo, que negou provimento ao recurso contencioso interposto do despacho de 12-11-2000, da Ministra da Saúde, que, na sequência de processo disciplinar, lhe aplicou a pena de demissão.

Nas suas alegações formula as conclusões seguintes :

  1. A não realização da perícia requerida e a ausência de recusa da mesma em despacho fundamentado viola os artigos 42º, n.º 1, 60º e 61º, n.º 3 do Estatuto Disciplinar e consubstancia a violação de uma formalidade essencial.

  2. Com efeito, resulta dos autos que o recorrente se encontrava numa situação psicológica instável e recorria ao consumo excessivo do álcool.

  3. Esta formalidade não se degradou em formalidade não essencial face à constituição de advogado, pois com esta não se assegura a finalidade da perícia médica, ou seja, determinar o estado psicológico do arguido com a finalidade de concluir se este se encontra capaz de organizar a sua defesa em moldes eficazes.

  4. O depoimento do médico assistente não pode substituir a perícia requerida, tanto mais que é em si mesmo contraditório.

  5. É ainda contraditório com outros depoimentos constantes do processo.

  6. Também o Acórdão recorrido, ao entender, com base naquele depoimento, que as capacidades de discernimento do recorrente se encontrava diminuída, para depois afirmar que este mantinha a lucidez, o estado de consciência e a orientação está em contradição o que implica a nulidade constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 668º do CPC.

  7. A recusa infundada de realização da perícia médica requerida configura violação do direito de audiência do arguido, implicando assim nulidade insuprível, nos termos do artigo 42º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar.

  8. Pelo que, ao não anular o acto recorrido com base em violação dos direitos de defesa do ora recorrente, o douto Acórdão recorrido fez uma incorrecta interpretação dos artigos 42º, n.º 1, 60º e 61º, n.º 3 do Estatuto Disciplinar, bem como dos elementos de prova constantes dos autos.

  9. O douto Acórdão recorrido faz ainda uma incorrecta apreciação da prova junta ao processo quando entende não se verificar o alegado vício de erro sobre os pressupostos decorrente do facto de não resultar do processo que o recorrente tinha consciência da ilicitude dos factos.

  10. Isto porque se baseia nas declarações do médico assistente do recorrente, quando este afirma que a capacidade de discernimento do recorrente se encontrava diminuída.

  11. Declarações que, como se referiu, são contraditórias, não podendo assim servir de prova do estado psicológico do recorrente e, muito menos, esclarecer para a "desnecessidade em absoluto da realização de qualquer tipo de perícia médica".

  12. A decisão recorrida não tem em consideração as declarações prestadas pelos colegas do recorrente, nomeadamente o depoimento de fls., 613 e 613v., dos quais decorre que o recorrente se encontrava deprimido e emocionalmente perturbado, incapaz de manter uma conversa coerente.

  13. Ficou ainda demonstrado no processo que o arguido se submeteu, à data da prática dos factos, a tratamento para as suas perturbações emocionais e para o consumo excessivo do álcool e que se encontrava novamente sob tratamento pelas mesmas razões, pelo que não ficou demonstrada a sua imputabilidade.

  14. Assim, ao não ordenar perícia médica e decidir apenas com base no depoimento do médico assistente do recorrente, o acto que aplicou ao arguido a pena de demissão incorreu em erro grosseiro de apreciação.

    0) Da mesma forma, ao também não considerar todos os elementos constantes do processo e entender que o recorrente se encontrava capaz de avaliar a ilicitude da sua conduta, também o douto Acórdão recorrido faz uma errada apreciação da prova constante do processo e do artigo 20º do Código Penal.

  15. Também o dolo não ficou provado no processo disciplinar, nem o Relatório final concretiza em que elementos concretos este se consubstancia.

  16. Com efeito, o recorrente não tinha consciência que as suas acções eram prejudiciais para o interesse público, por desconhecer o seu custo.

  17. Porém, o douto Acórdão recorrido não se pronuncia sobre a questão da existência de dolo ou negligência, verificando-se nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668º, n.º 1, alínea d).

  18. Foi igualmente violado o artigo 31º, alínea d), do Estatuto Disciplinar, pois a circunstância agravante especial de "conluio" não se encontra minimamente provada no processo, ao contrário do entendido no douto Acórdão recorrido.

  19. Também o artigo 28º do citado Estatuto foi violado, pois não foram ponderadas na decisão final do processo disciplinar todas as circunstâncias que pudessem militar a favor do arguido.

  20. Da mesma forma, também foi violado o artigo 29º, alínea a), do Estatuto Disciplinar, pois resulta dos autos, nomeadamente dos depoimentos dos colegas do recorrente e da Directora do Centro de Saúde do Seixal que o Recorrente era competente e especialmente dedicado, tendo um número de doentes inscritos muito elevado e privilegiando doentes muito carenciados, pelo que fica demonstrada a circunstância atenuante especial de prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo.

  21. O artigo 28º do Estatuto Disciplinar determina que devem ser tidas em conta, na aplicação das penas, todas as circunstâncias que militem a favor do arguido. Não se especificando mais nada, salvo quanto às atenuantes especiais, deverá servir de base o constante no Código Penal, nomeadamente nos seus artigos 71º, n.º 2, alínea. e) (conduta anterior e posterior à prática do facto) e 72º (arrependimento).

    W)Também à circunstância atenuante especial constante do artigo 29º, alínea b), do Estatuto Disciplinar se encontra preenchida pois, ao contrário do entendimento constante do douto Acórdão recorrido, esta foi feita em momento útil, tendo contribuído para o cabal apuramento da verdade .

  22. Acresce que o recorrente se dirigiu à sua superior hierárquica para confessar os seus actos quando ainda não tinha sido chamado para se pronunciar em relação aos mesmos, pelo que a confissão foi claramente expontânea.

  23. Igualmente se encontra violado o Princípio da Proporcionalidade e de forma grosseira, pelo que esta violação era sindicável pelo Tribunal.

  24. Face ao enquadramento da prática da infracção, nomeadamente o estado psicológico do arguido e o seu consumo excessivo de álcool, não poderia ter sido aplicada a pena de demissão sem adequado apuramento do elemento subjectivo.

    A

  25. Acresce que era possível aplicar pena inferior, nos termos do disposto no artigo 30º do Estatuto Disciplinar, pois estavam preenchidos os requisitos para tal, nomeadamente o estado psicológico do arguido e a verificação das circunstâncias atenuantes especiais das alíneas a) e b) do artigo 29º do Estatuto.

    BB) O Relatório final e, em consequência, o acto que aplicou a sanção disciplinar ao recorrente encontrava-se ainda deficientemente fundamentado, dando origem a vício de forma, nos termos do artigo 135º do Código do Procedimento Administrativo, conjugado com os artigos 124º e seguintes do mesmo Código.

    CC) Com efeito, no caso em apreço, dado estar em causa a aplicação de uma pena de demissão, o dever de fundamentação era especialmente exigente, devendo ter sido concretizado em que se consubstanciava a violação dos deveres gerais que recaíam sobre o recorrente, bem como as razões que inviabilizavam a manutenção da relação funcional, o que não decorre do Relatório.

    DD) Em suma, o douto Acórdão recorrido faz uma incorrecta apreciação da prova constante dos autos, bem como uma incorrecta interpretação e aplicação das disposições legais aplicáveis, nomeadamente dos artigos 28º, 29º, alíneas a) e b); 31º, alínea d), 42º, n.º 1, 60º e 61º, n.º 3 do Estatuto Disciplinar; artigos 20º, 71º, n.º 2, alínea. e) e 124º Código do Procedimento Administrativo.

    A entidade recorrida contra-alegou, sustentando em síntese o seguinte :

  26. Ao contrário do que alega o Recorrente, o acto recorrido não incorreu em erro grosseiro de apreciação, porquanto, conforme resulta de forma evidente do Relatório Final do processo disciplinar (a fls. 624 a 651), concretamente do seu ponto 1.1.3 do Relatório Final (a págs. 639), ficou provado que "...

    se o arguido estava em condições psicológicas de desempenhar as funções de médico de família, necessariamente era livre de pensar e agir autonomamente e, bem assim, de avaliar criticamente os seus actos em termos de os valorar quanto à sua legalidade ou não." B) Para além disso, importa salientar que, de acordo com a Jurisprudência, não se verifica a imputabilidade diminuída por virtude de hábitos alcoólicos (cf. Ac. STJ de 94.02.09, proc. nº 45537/3ª).

  27. Pelo que, o consumo excessivo de álcool, ou seja, a embriaguez do arguido, que à data da prática dos factos não era acidental, não é factor ou circunstância que releve para efeitos de diminuir a sua imputabilidade ou a sua culpa.

  28. O Recorrente também não tem razão no que se refere à alegada inexistência de dolo, uma vez que ficou provado no processo disciplinar nº 209/9S-D que o arguido tinha plena capacidade para avaliar a ilicitude dos actos que praticou e sabia que os mesmos eram ilegais, como, aliás, resulta do ponto 1.12, 1.1.3, 1.1.4, 3 e 3.1 da parte V, e ponto 3 e 3.1 da parte VI, todos do Relatório Final, (a fls. 624 a 651).

  29. Ficou também provado no processo disciplinar nº 209/98-D, instaurado ao arguido, conforme é salientado no nº 5.1 da parte V do Relatório Final, a verificação da circunstância agravante especial a que se refere a al. d) do nº 1 do artº 31º do Dec.-Lei nº 24/84, de 16.01, que aprovou o Estatuto Disciplinar (E.D.).

  30. O recorrente não tem igualmente razão quanto à alegada verificação da circunstância atenuante especial, prevista na al. a) do artº. 29º do E.D., que consiste na prestação de mais de 10 anos de...

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