Acórdão nº 035/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Maio de 2004

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução05 de Maio de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A..., na qualidade de proprietária do estabelecimento de farmácia denominado "Farmácia ...", sito em ..., V.N. Gaia, interpôs, no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, recurso contencioso de anulação da deliberação do Conselho de Administração do INFARMED - Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, de 28/3/01, que autorizou a transferência do estabelecimento de farmácia denominado "Farmácia da ..." da Rua ..., ..., V. N. Gaia, para a ..., Lote ..., ..., V. N. Gaia, pertença da Santa Casa da Misericórdia de V. N. Gaia, alegando que o mesmo padecia de vício de violação de lei - quer por erro nos pressupostos de facto e de direito, quer por violação do disposto nos art.ºs 2º, 5º-1, 7º-2 e 16º-3 e 5 da Portaria 936-A/99, de 22.OUT e da Base II-2 e 4 da Lei 2.125, de 20.MAR.65 - e de vício de forma - por falta de audiência prévia.

A Autoridade Recorrida e a Recorrida Particular responderam sustentando que o acto impugnado não padecia dos vícios que lhe imputavam e que, por isso, se devia negar provimento ao recurso.

Por sentença de 10/3/03 foi negado provimento ao recurso Inconformada com este julgamento a Recorrente agravou para este Tribunal tendo formulado as seguintes conclusões : 1. O pedido de transferência da Farmácia da ... de V.N. de Gaia da freguesia de ... para a de ..., no mesmo concelho, regulado pelo art. 16°, 1. da Portaria n° 936-A/98, de 22/10, pauta-se por interesses de natureza exclusivamente privada, de ordem comercial - de aumentar a facturação.

  1. Existindo farmácia instalada na localidade de destino - como, in casu, a Farmácia ..., em ... - a transferência só podia ser deferida se o INFARMED, aberto o concurso para atribuição preferencial a que se refere o art. 16°, 3. e 5. da mesma Portaria...

  2. Definisse previamente, com inclusão no Aviso respectivo, uma área geográfica precisa relativamente à qual aceitasse candidaturas preferenciais, área tão ampla que permitisse, na prática, e em condições de igualdade e imparcialidade, a emergência de candidaturas concorrenciais.

  3. E não houvesse nenhum candidato a preferir na dita transferência, nos termos do n.º 5 do citado art. 16°; 5. Na medida em que a ratio do regime de atribuição preferencial constante das ditas disposições radica na protecção da clientela das farmácias já instaladas na localidade de destino ou nas suas proximidades, ameaçadas pelo projecto da instalação de uma nova farmácia na sua zona de implantação.

  4. Não tendo o INFARMED procedido a essa pré-definição territorial, e como o próprio INFARMED aceita, o território hábil para a apresentação de candidaturas preferenciais deveria ser o da freguesia de ....

  5. Em consequência, sendo a Recorrente, à data do concurso, a proprietária da única farmácia existente em ..., e tendo-se ela candidatado, teria que ser a Recorrente a ser encabeçada na preferência.

  6. Não obstante o aparente paradoxo de, para se ater aos termos do concurso - que oportunamente, aliás, impugnou - ter apresentado como local de destino a sua própria farmácia.

  7. Numa candidatura de mera cautela, já que o critério que resulta das disposições legais aplicáveis impõe que, em caso de falta de definição pelo INFARMED de um território infra-paroquial para a transferência, em nome da melhor cobertura farmacêutica da população, não possa haver processos de transferência para freguesias onde já existam farmácias instaladas, por então nos encontrarmos perante um mero conflito de interesses privados, em que os instalados são objecto de protecção mais intensa.

  8. Outra solução conduziria ao absurdo de deixar sem a protecção do direito de preferência o maior lesado com a transferência; ou ao absurdo igual de o fazer mudar de local, dentro da freguesia e sem vantagens para ninguém, nem para os utentes, só para dar a aparência de que mudou de sítio, isto é, se transferiu.

  9. Assim, ao deferir o pedido da Misericórdia, preterindo a primeira preferente, que é a Recorrente, o acto recorrido ficou efectivamente ferido do vício de violação da lei por erro de direito sobre os pressupostos, com concreta violação do art. 16°, 3. e 5. da Portaria n° 936-A/99.

  10. E a sentença, ao considerar apenas quanto a este ponto que o requerimento apresentado pela Recorrente "não consubstancia qualquer pedido de transferência", pelo que não ocorreriam os vícios a tal propósito invocados, viola ela, por erro de interpretação, o referido art. 16°, 3. e 5. da Portaria.

  11. Incorrendo, do mesmo passo, na nulidade de omissão de pronúncia, prevista no art. 668°, 1.º d) do C.P.Civil, o que conduz à nulidade da sentença.

  12. Por outro lado, ao considerar, com o fundamento exposto na conclusão XII, não ter havido falta de audiência prévia; ou, tendo-a havido, o principio do aproveitamento dos actos processuais não dever conduzir à anulação do acto com vício de formas, a douta sentença violou o art. 267°, 5, da Constituição e o art. 100°,1. do C.P.A., por erro de interpretação.

  13. E, pelo mesmo erro, novamente violou o art. 16°, 3. e 5. da Portaria n° 936-A/99.

  14. Paralelamente, a Misericórdia não tem legitimidade para requerer a transferência do alvará.

  15. Com efeito, a Misericórdia não é farmacêutica, nem uma sociedade comercial, mas uma instituição particular de solidariedade social, cujo regime jurídico é regulado pelo Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo Dec.-Lei n° 119/83, de 25/2.

  16. E só a farmacêuticos e sociedades comerciais de farmacêuticos permite a lei serem proprietários de farmácias - Base 11, 2. da Lei n° 2125, de 20 de Março de 1965. - Por maioria de razão, só a esses permite transferi-las.

  17. A Farmácia da ... deve ser classificada como farmácia social, destinada aos seus serviços assistenciais privativos, prevista na Base 11, n° 4 da mesma Lei.

  18. Ou uma farmácia hospitalar, nos termos da Base 11, n° 7 ainda dessa Lei.

  19. Como resulta do teor dos próprios requerimentos apresentados pela Misericórdia no procedimento.

  20. Neste último caso - farmácia hospitalar - não se lhe aplica a referida Lei n° 2125, como resulta da dita Base 11, 7. nem a Portaria n° 936-A/99, que a regulamenta.

  21. No caso de ser uma farmácia social, não se lhe aplica esta mesma Portaria.

  22. Com efeito, quer a Lei n° 2.125, quer nomeadamente a Portaria n° 936-A/99, que é o instrumento regulador da abertura das novas farmácias e da transferência das existentes, apenas têm como objecto as farmácias comerciais ou normais.

  23. Ao tratar a farmácia da Misericórdia como uma farmácia normal, como as outras, e deferir-lhe o pedido de transferência, o acto recorrido violou a Base 11, 2. 4. e 7. da Lei n° 2.125 e o art. 5°, 1. da Portaria n° 936-A/99, ficando ferido do vício de violação de lei por erro de direito sobre os pressupostos.

  24. Ao considerar o acto recorrido válido, a sentença violou, por erro de interpretação, as referidas disposições legais.

  25. Incorrendo igualmente em omissão de pronúncia e na nulidade do art. 668°, 1, d), do CPC, ao nem sequer examinar a fundamentação da Recorrente quanto à natureza jurídica da farmácia da Misericórdia, bem para além do simples facto de saber se tem ou não alvará. Único elemento que a sentença considerou.

  26. O afastamento de 100...

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