Acórdão nº 0503/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Setembro de 2004

Magistrado ResponsávelJOÃO BELCHIOR
Data da Resolução21 de Setembro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA): I.Relatório I.1.

A..., e B... (AA), com os demais sinais dos autos, instauraram junto do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto (TAC), Acção de Condenação, contra o HOSPITAL DE S.JOÃO (HSJ) e o HOSPITAL DE SANTO ANTÓNIO (HSA), pedindo a condenação destes réus (RR) ao pagamento da quantia de doze milhões de escudos (12.000.000$00) de indemnização a título de danos morais sofridos pelo seu marido e pai, respectivamente, com os fundamentos que mais à frente serão referidos.

I.2.

Os RR contestaram o pedido.

I.3.

Foi admitida a intervenção acessória do DR. ..., o qual solicitou a intervenção acessória da seguradora da sua responsabilidade civil profissional - C... -, e que foi admitida.

I.4.

Correndo os autos seus ulteriores termos os Autores, com invocação do artº 273º, nº 6, do CPC, requereram a modificação do pedido e causa de pedir, tudo como se dá nota da acta da audiência de julgamento, em 20 de Junho de 2002.

Observado o contraditório, a fls.429-433, foi proferida pelo Mº Juiz a quo decisão que indeferiu aquele pedido.

De tal decisão foi interposto recurso.

Admitido o mesmo recurso, foi admitido com subida diferida e efeito devolutivo.

Alegado o recurso, foram ao final formuladas as seguintes CONCLUSÕES: 1ª A causa da morte consubstanciada na conjugação do relatório de autópsia e do parecer técnico de 6/11/01 só consta dos autos numa fase em que os articulados já haviam terminado.

  1. Os princípios consagrados nos nºs 1 e 2 do artº 273° não são de observar no caso dos autos, atendendo ao referido na conclusão anterior, sendo certo que não existe igualmente convolação para relação jurídica diversa da controvertida, nos termos do seu n° 6.

  2. A modificação do pedido e da causa de pedir é possível na fase em que foi requerida, nos termos do n° 6 do artº 273° do CPC.

    I.5.

    Através da sentença exarada a 15 de Julho de 2003 (cf. fls.626-353), o TAC julgou a acção parcialmente provada e procedente quanto ao R HOSPITAL DE S.JOÃO, e totalmente improcedente quanto ao R HOSPITAL DE SANTO ANTÓNIO.

    É desta sentença que também vêm interpostos os presentes recursos para a Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, interposto pelos AA e RR..

    I.6.

    Os AA/recorrentes formularam as seguintes conclusões: CONCLUSÕES: 1ª. A douta sentença não tem em conta a ofensa do direito à vida que a Jurisprudência mais unânime (v.g. acórdão na 0284553 de 27/2/2003 do STJ) valoriza em 10.000,00€, assim como atribui montantes indemnizatórios por danos morais muito inferiores aos geralmente assentes na mesma Jurisprudência.

  3. O montante indemnizatório a fixar aos AA recorrentes não deve ser inferior ao montante pedido de 12.000.000$00 (60.000,00€), ou 6.000.000$00 (30,000,00€) a cada um dos AA recorrentes, atendendo a que os factos dados como provados evidenciam que a morte do ... ocorre por negligência médica grave, que não existe na fixação dos montantes indemnizatórios no Acórdão referido na Conclusão anterior, onde está em causa um mero acidente de trabalho.

    I.7.

    O chamado DR. ..., formulou as seguintes CONCLUSÕES: 1.ª O presente recurso vai interposto da douta sentença dada em 15/09/2003.

  4. A recorrente tem legitimidade para o presente recurso, a douta sentença de 15/00/2003 é recorrível e o recurso foi interposto em tempo.

  5. De acordo com a teoria da substanciação - consagrada no nosso direito processual nos arts. 467º n.1 alínea d) e 498.º n.º 4, ambos do Cód. de Processo Civil -, compete ao autor conformar o objecto do processo.

  6. Tal significa que deve o autor, de acordo com o preceituado no art. 264.º n.º 1 do Cód. de Processo Civil, alegar os factos principais da causa, ou seja, os factos que integram a causa de pedir, não podendo o juiz atender a quaisquer outros factos não articulados pelas partes, com excepção do previsto nos ns.º 2 e 3 do Cód. de Processo Civil 5.ª Nos termos dos ns. 2 e 3 do Cód. de Processo Civil, o Tribunal, para além dos factos alegados pelas partes, pode basear-se em factos notórios, em factos de que o Tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções; em factos seguros de que o autor e o réu se serviram do processo para praticar um acto simulado ou para conseguir um fim proibido por lei; em factos instrumentais que resultam da instrução da causa; e, por fim, em factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam, oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles, se aproveitar e, à parte contrária, tenha sido facultada o exercício do contraditório.

  7. Na tese dos recorridos - cfr. art. 27.º -5 da sua p.i. -, a morte de ... resulta do facto de haver ficado no seu espaço retroperitonial uma pinça durante cerca de seis anos, a qual perfurou os seus intestinos, causando-lhe lesões internas graves que lhe acarretaram a sua morte.

    Sendo certo que, segundo a tese dos recorridos, os médicos do Hospital de S. João que operaram o ..., em 07/06/1994, estavam cientes de que a sua morte era um resultado possível dessa intervenção cirúrgica.

  8. Apesar de nos termos do disposto no art. 342º do Código Civil, incumbir aos autores, aqui recorridos, comprovar os factos integradores da causa de pedir invocada, não lograram provar tais factos, tendo o R Hospital de S. João e o Chamado alcançado provar que a pinça em causa não causou quaisquer lesões ao doente, tendo aderido à massa muscular deste sem causar qualquer infecção.

  9. Apesar de os recorridos não terem logrado provar os factos (por eles alegados) constitutivos da sua pretensão, o M.º Juiz "a quo", fez "tábua raza" da causa de pedir invocada por aqueles e, com base nos factos alegados pelos Réus e quesitados, condenou o R. Hospital de S. João a pagar a cada um dos recorridos indemnização no valor de €15.000,00.

  10. Nunca o Tribunal recorrido poderia condenar o Hospital S. João com base em factos alegados pelo próprio e que, de modo algum, se integram na causa de pedir invocada pelos recorridos - cfr. doutrina citada.

  11. - Ao proceder dessa forma o Tribunal 'ia quo" para além de violar, expressamente, as normas contidas no art. 264.º do Cód. de Processo Civil, alterou oficiosamente os factos integradores da causa de pedir invocada pelos recorridos, em manifesta violação do disposto no art. 664.º do Cód. de Processo Civil.

  12. - Sem prejuízo do disposto nos arts. 272.º e 273.º, ambos do Cód. de Processo Civil, não é legítimo ao Tribunal converter a causa de pedir numa outra causa de pedir - cfr. jurisprudência citada 12.ª Ao proceder como procedeu, o M.o Juiz "a quo" violou as normas constantes dos arts. 264.º e 664.º do Código de Processo Civil, pelo que deve a sentença recorrida ser revogada, absolvendo-se do pedido, o R. Hospital S. João.

  13. Como ensina a jurisprudência supra citada «ponto de partida essencial para qualquer acção de responsabilidade médica é, por conseguinte, a desconformidade da concreta actuação do agente, no confronto com aquele padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes na altura», devendo essa desconformidade de actuação ser culposa, pelo que a apreciação da negligência do recorrente por parte do Tribunal recorrido deveria basear-se em matéria alegada e provada nos presentes autos pelos recorridos -cfr. arts. 487.º n.º1 e 342.º, ambos do Cód. Civil - de forma a concluir-se se a actuação daquele se consubstanciou ou não numa actuação negligente face ao padrão de diligencia que, neste caso, seria exigível ao recorrente.

  14. Provou-se que a lombotomia exploradora, por ser do foro renal, teve como cirurgião responsável o aqui recorrente, enquanto na laparotomia e colostomia (que são actos do foro da cirurgia geral ao contrário do que se infirma da sentença), apesar de estar presente, o recorrente assumiu apenas a função de ajudante, cabendo a função de chefe de equipa o Dr. ....

  15. Apenas ficou provado que ocorreu uma hemorragia generalizada durante as intervenções cirúrgicas, não ficando demonstrado se ocorreram durante e em consequência da lombotomia exploratária (dirigida pelo Dr. ...), ou se nas intervenções subsequentes laparatomia e colostomia em que aquele foi mero ajudante.

  16. - não foi provada a alegação dos recorridos de que os médicos que operaram o ... em 7 de Junho de 1994, estavam cientes de que a sua morte era um resultado possível dessa intervenção cirúrgica.

  17. - Nos termos do art. 487.º n.º 2 do Cod. Civil, o juízo de censura é feito mediante um juízo comparativo referido ao padrão do bonus pater familias, cometendo ao julgador a comparação entre a diligência posta pelo agente no conjunto concreto de circunstancias e aquela que.

    ..um homem normal (um bom pai de família) teria em face do circunstancialismo próprio do caso concreto (Antunes Varela, Das Obrigações em pág. 529).

  18. - Nesse juizo comparativo deverá ter-se em conta os especiais deveres de cuidado e zelo que envolvem a pratica de actos médicos, mas também, conforme aliás vem dito na sentença recorrida, que a obrigação assumida pelo médico, no exercício da sua actividade, configura-se, em termos gerais, como uma obrigação de meios e não uma obrigação de resultado.

    .. .

  19. - Para que houvesse lugar a essa censura de comportamento caberia ao tribunal dar como provado que inter alia, o recorrente levou a efeito os actos cirúrgicos (referidos na sentença) para os quais não estava preparado, que não se tivesse rodeado de colegas de outras especialidades, ou que, em resultado disso, prosseguisse nesse acto médico sem curar de saber que do mesmo poderiam resultar consequências graves para o doente, designadamente a sua morte.

  20. - Nada disto se provou ou consta dos autos, infirmando-se, porém, dos pareceres médicos especializados...

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