Acórdão nº 01425/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelPOLÍBIO HENRIQUES
Data da Resolução07 de Outubro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO 1.1. A..., casado, industrial e mulher B..., casada, doméstica, ambos residentes na Avenida ..., 3750 - 102, Águeda, intentam recurso contencioso de anulação do Despacho de 14 de Maio de 2002 do Secretário de Estado da Administração Local que "declarou a utilidade pública da expropriação e autorizou a tomada de posse administrativa do prédio rústico sito à ponte do Ribeirinho, freguesia de Recardães, concelho de Águeda, inscrito na matriz rústica sob o artigo 3297 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda sob o nº 63 003, a fls. 73 do Livro B-153, propriedade indivisa dos herdeiros de ...".

1.2. Respondeu a autoridade recorrida pugnando pelo improvimento do recurso e manutenção do acto recorrido.

1.3. Citada, na qualidade de contra-interessada, a Câmara Municipal de Águeda suscitou a questão da ilegitimidade da recorrente, alegando, em síntese que: (i) o imóvel objecto do acto administrativo recorrido integra o acervo hereditário da herança aberta por óbito de ..., sendo que os recorrentes, a par de todos os demais 12 herdeiros, são interessados na partilha; (ii) tal interesse traduz-se apenas na hipotética possibilidade de que tal imóvel lhe possa vir a ser adjudicado em sede de partilhas ou de receber as tornas que lhe couberem, sendo que essa expectativa não confere aos interessados legitimidade para, desacompanhados de todos os demais herdeiros, intentar o presente recurso; (iii) admite-se que ao cabeça de casal, enquanto administrador da herança - art. 2093º do C. Civil - assistisse a necessária legitimidade, mas não se aceita que um só herdeiro tenha legitimidade para intentar o presente recurso, uma vez que o art. 2091º do C. Civil consagra a necessária intervenção conjunta de todos os herdeiros; (iv) nem se diga que a legitimidade é assegurada pelo disposto no artigo 2078º ou no artigo 2088º, ambos do C. Civil, que não são aplicáveis ao recurso contencioso, mas tão só a acções possessórias.

Ouvidos nos termos do disposto no art. 54º LPTA, os recorrentes pronunciaram-se pela improcedência da excepção, invocando terem interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso contencioso de anulação.

A Exmª Magistrada do Ministério Público, sobre a excepção, pronunciou-se nos seguintes termos: "Suscitou a recorrida, Câmara Municipal de Águeda, a questão prévia da ilegitimidade activa dos recorrentes.

No presente recurso contencioso vem impugnado o acto administrativo de declaração de utilidade pública da expropriação e autorização de tomada de posse administrativa a favor da C.M. de Águeda, de prédio que constitui propriedade indivisa dos herdeiros de ....

A recorrente mulher é um dos herdeiros, logo, é co-titular da herança indivisa, sendo casada em regime de comunhão de adquiridos, com o recorrente marido.

Antes da partilha, a herança é uma universalidade de direito.

Com a partilha, fica determinado o direito que cada herdeiro já tinha a uma parte ideal da herança.

Resulta dos autos que os recorrentes aqui intervêm por si, enquanto interessados na herança, pugnando pela anulação do acto recorrido, a fim de que o prédio em causa continue no acervo hereditário e lhes seja possível licitá-lo, adquirindo a sua propriedade.

Ora, no contencioso administrativo de anulação existe uma noção específica e ampla de legitimidade activa que se afere pelo interesse directo, pessoal e legítimo na anulação do acto administrativo por parte do interessado (art. 46º do RSTA). Como tal, esta legitimidade decorre da posição do(s) recorrente(s) em relação ao acto impugnado, face aos termos em que a petição do recurso se encontra formulada.

Interessado para efeitos de legitimidade é, pois, todo aquele que espera obter da anulação do acto impugnado um certo benefício e se encontra em condições de o poder receber, devendo tal interesse repercutir-se-lhe imediatamente (ser directo), a repercussão da anulação deve projectar-se na sua esfera jurídica (ser pessoal), devendo ainda tal interesse ser protegido pela ordem jurídica (ser legítimo).

Por outro lado, atenta a garantia constitucional ao recurso contencioso contra actos administrativos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos (cfr. nº 4 do art. 268 da C.R.P.), o pressuposto processual da legitimidade deverá ser apreciado pela forma que resulte mais favorável ao exercício deste direito fundamental, habilitando o interessado a defender a integralidade das suas posições subjectivas.

Do exposto e face aos termos em que os recorrentes equacionaram a utilidade ou vantagem que lhes advirá da procedência do pedido de anulação do acto recorrido, creio que os mesmos dispõem, por si só, de interesse directo, pessoal e legítimo no presente recurso contencioso.

Sou, pois, de parecer que deve ser julgada improcedente a questão prévia em apreço." 1.4. Por despacho do relator, a fls. 150, foi relegado para final o conhecimento da excepção.

1.5. Os recorrentes apresentaram alegações com as seguintes conclusões: 1ª Os recorrentes detêm legitimidade activa para, por si e desacompanhados dos restantes herdeiros, impugnarem os actos objecto do presente recurso, por terem interesse pessoal, directo e legítimo na declaração da sua invalidade, nos termos do disposto no artigo 46º do RSTA e artigo 268º, nº 4, da Constituição da República, pois tratam-se, além do mais, de actos administrativos indivisíveis e os restantes herdeiros nunca serão prejudicados, antes serão beneficiados pela procedência do recurso, não se verificando a existência de litisconsórcio activo necessário.

  1. A eventual não atribuição aos recorrentes de legitimidade para, por si, impugnarem os actos objecto deste recurso, impedirá, com o devido respeito que lhes seja assegurada e beneficiem da garantia de tutela jurisdicional efectiva, consagrada no artigo 268º, nº 4, da Constituição da República, e, em consequência, a interpretação e aplicação de norma legal nesse sentido, conduzirá à violação dos citados preceito e princípio constitucional.

  2. Mesmo que assim não se entenda, e sem prescindir, a interpretação e aplicação, ou não aplicação, do disposto no artigo 40º, nº 1, alínea a), da LPTA, no sentido de ser rejeitado o recurso por ilegitimidade activa ou passiva, por falta de intervenção dos demais herdeiros como interessados, sem que previamente seja formulado aos recorrentes convite a regularizar a petição de recurso, identificando-os e requerendo a sua citação, violará também o já citado princípio e preceito constitucional.

  3. Deverá, com o devido respeito, ser julgado procedente o presente recurso e, em consequência, declarada a invalidade dos actos impugnados, considerando-se os mesmos inexistentes, nulos ou proceder-se à sua anulação, com as consequências legais, por estes, desde logo, estarem inquinados do vício de forma.

  4. Tendo sido alterado o objecto do procedimento administrativo, pois o que consta do despacho impugnado e respectiva publicação, designadamente da planta publicada, é desconforme ao objecto inicial do procedimento, sobre o qual os recorrentes se pronunciaram em sede de audiência prévia, e não tendo sido os recorrentes notificados para se pronunciarem em sede de audiência prévia relativamente a tal alteração, os actos impugnados padecem do vício formal essencial do acto e do procedimento, devendo, em consequência ser declarada a sua nulidade - artigos 100º, nº1, e 133º, nº 1 do Código de Procedimento Administrativo.

  5. Da notificação recebida pelos recorrentes não consta qualquer fundamentação de facto ou de direito dos actos impugnados e, na publicação do despacho impugnado, a sua fundamentação é efectuada por remissão geral para informações técnicas e demais documentos do processo administrativo, sendo certo que nunca foram notificados aos recorrentes, designadamente o teor da informação técnica de Maio de 2002, padecendo assim os actos impugnados do vício de falta de fundamentação de facto e de direito, devendo ser declarada a sua nulidade, com as consequências legais - artigos 125º, nº 1, 124º, nº 1, 133º, nº 2, alínea f), 68º, nº 1 e 130º, nº 2 do Código do Procedimento Administrativo, e 268º, nº 3, da Constituição da República.

  6. Ainda que assim se não entenda, e sem prescindir, padecem os actos impugnados do vício substantivo de violação de lei, desde logo por, dos mesmos não resultar identificado o objecto do acto, ou seja, não resultando delimitada a área da parcela de terreno em causa, sendo indeterminável o seu objecto, sendo, além do mais, ininteligível o referido objecto, face à planta publicada, violando assim o disposto nos artigos 133º, nº 1 e nº 2, al. c), do Código de Procedimento Administrativo, 17º, nº 4, do Código das Expropriações e 10º, nºs 1, 2 e 4, 11º nºs 1 e 2 do DL nº 468/71, de 05.11, e devendo ser declarada a respectiva inexistência, nulidade ou, assim não se entendendo, devendo ser anuladas com as consequências legais.

  7. A planta publicada não cumpre as exigências legais de legibilidade e escala adequada, sendo a publicação, nos termos efectuados ineficaz, violando os actos impugnados também o disposto nos artigos 17º, nº 4, do Código das Expropriações e 130º, nº 2, 133º, nº 2, al. f), do Código de Procedimento Administrativo, devendo ser declarada a respectiva inexistência, nulidade ou, assim não se entendendo, devendo ser anulados com as consequências legais.

  8. Os actos impugnados não mencionam, nem expressa, nem tacitamente, o prazo previsto para o início das obras na parcela objecto do procedimento, nem, por outro lado, os motivos que fundamentam a autorização de posse administrativa, elementos essenciais dos actos em causa, violando assim o disposto nos artigos 19º, nº 2 e 20º, nº1, do Código das Expropriações e 133º, nº 1, do Código de Procedimento Administrativo, devendo ser declarada a respectiva nulidade ou, assim não se entendendo, devendo ser anulados com as consequências legais.

  9. Pelos fundamentos constantes da...

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