Acórdão nº 01414/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Data da Resolução12 de Outubro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em subsecção, na secção do contencioso administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

1.1.

BLOCO DE ESQUERDA, partido político registado no Livro de Partidos Políticos do Tribunal Constitucional desde 24/03/99, com sede na Av. Almirante Reis, 131 - 2°, em Lisboa, vem recorrer do despacho de 2/07/2002 do Presidente da Assembleia da República que indeferiu o seu pedido de revisão do cálculo da subvenção estatal relativa à campanha eleitoral para as autarquias locais de 2001.

Imputa-lhe violação do disposto no n.º 7 do artigo 29.º da Lei n.º 56/98, de 18 de Agosto.

1.2.

Respondeu a autoridade recorrida, defendendo a legalidade do acto.

1.3.

Citados, como contra-interessados, os partidos políticos com assento na Assembleia da República, apenas contestou o Partido Comunista Português, que se manifestou no sentido da procedência do recurso.

1.4.

Foi cumprido o artigo 67.º do RSTA.

1.5.

Nas suas alegações, o recorrente manteve quanto alegou no requerimento de interposição do recurso, e concluiu: "1. No despacho recorrido, o Senhor Presidente da AR determinou que à repartição da subvenção estatal destinada à campanha eleitoral para as autarquias locais de 2001 se aplicasse o critério do número de mandatos alcançados.

  1. Aquela decisão interpretou a expressão "resultados eleitorais obtidos", constante do n° 7 do art. 29° da Lei n° 56/98 de 18 de Agosto, de acordo com a forma que tem sido interpretada pelos serviços da AR ao repartirem as subvenções estatais aos partidos políticos.

  2. Porém, tal interpretação, quando defendida e seguida, tem sido sempre objecto de dúvidas expressas pelos seus intérpretes.

  3. E foi posta em causa em diversos pareceres emitidos pelos próprios serviços jurídicos da Assembleia da República e pela Comissão Nacional de Eleições quando se pronunciou sobre o caso sub judice a pedido do Senhor Presidente da AR (docs. 5, 6 e 7 juntos com a petição).

  4. A expressão "resultados eleitorais obtidos" usada na norma que regula a subvenção estatal relativa às campanhas eleitorais para as autarquias locais refere-se aos votos obtidos.

  5. Esta interpretação decorre da evolução dos preceitos que têm regulado a referida subvenção estatal e da sistematização da Lei n° 56/98 com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n° 1/2001.

  6. Decorre também do princípio lógico de não atribuir sentidos diversos à mesma expressão quando aplicada a diferentes eleições previstas na mesma norma.

  7. E é ainda a interpretação que respeita os princípios constitucionais de direito eleitoral da igualdade de oportunidades das candidaturas e da proporcionalidade (n° 3 al. a) e n° 5 do art. 113° da CRP).

  8. É também a única interpretação aplicável ao caso português e consentânea com o princípio defendido pelo Conselho da Europa, expresso designadamente na Recomendação 1516 (2001) da Comissão Permanente do Conselho da Europa, segundo o qual as contribuições financeiras do Estado se destinam a garantir a igualdade de oportunidades entre os partidos políticos e a permitir aos novos partidos entrar na arena política e afrontar em condições equitativas os partidos constituídos de longa data.

    Nestes termos e nos mais que doutamente serão supridos, deve o despacho recorrido ser revogado por ter violado o disposto no n° 7 do art. 29° da Lei n° 56/98 de 18 de Agosto, o n° 3 al. a) e n° 5 do art. 113° da CRP e ainda a Recomendação 1516 (2001) da Comissão Permanente do Conselho da Europa, substituindo-se por decisão que dê provimento ao presente recurso e defira o pedido do Recorrente, com o que se fará Justiça".

    1.6.

    A autoridade recorrida alegou: "Na sequência do despacho proferido ao abrigo do art.º 67° RSTA, o Presidente da Assembleia da República vem, nos termos do art.º 26° n° 1. L.P. e art.º 24° n° 3, a) e n° 4 da Lei n° 77/88, de 1 de Julho, remetendo toda a fundamentação para a resposta, dizer que, s.d.o, a interpretação do art.º 29° n °7 da Lei n° 56/98, de 18 de Agosto, na redacção do art.º 2° da L.O. n.º 1/2001, de 14 de Agosto, deve ser no sentido de a referência ser a mandatos e não a votos".

    1.7.

    O Partido Comunista Português alegou, concluindo: "

    1. A expressão "resultados eleitorais obtidos " constante do art.º 29° da Lei 56/98, deve ser interpretada no sentido dos votos obtidos e não dos mandatos; b) este o método que melhor acautela e cumpre o princípio constitucional de direito eleitoral ao impor que todas as candidaturas devam ter igualdade de oportunidades e respeita o princípio da proporcionalidade - art.º 113°, 3, b) e 5 da CRP.

    Nestes termos e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente".

    1.8.

    A magistrada do Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer: "Muito embora a matéria em análise seja muito controversa - como, aliás, qualquer das partes envolvidas reconhece - afigura-se-nos que a solução que menos fragilidades apresenta, em termos de interpretação legislativa, é a defendida pelo recorrente.

    Inclinamo-nos no sentido do provimento do recurso contencioso, sem, no entanto, subscrever na íntegra os fundamentos em que assenta.

    Não perfilhamos o entendimento, defendido pelo recorrente, de que na Lei n° 56/98, de 18.08 (na actual redacção dada pela Lei Orgânica n° 1/2001, de 14.08), a expressão resultados eleitorais obtidos, tem um único sentido sempre que é utilizada no art.º 29°: o de significar o número de votos obtidos.

    Recorrendo a uma análise de ordem sistemática do art.º 29°, para nós fará mais sentido o entendimento de que relativamente às campanhas eleitorais para o Parlamento Europeu, para a Assembleia da República e para as Assembleias Legislativas Regionais, se deverá atender ao número de mandatos alcançados, para a distribuição dos 80% da subvenção estatal a que alude o n° 4; e isto porque no n° 2 o legislador elegeu, como critério da atribuição da subvenção, a obtenção de representação num desses órgãos.

    Mas a mesma análise já nos encaminhará para solução diversa, no que respeita às eleições para as autarquias locais.

    Nos termos do n° 3, a atribuição de subvenção depende da apresentação em simultâneo de candidaturas aos dois órgãos do município e da obtenção de representação de pelo menos um elemento directamente eleito ou, no mínimo, 2% dos votos em cada sufrágio.

    Esta possibilidade de certo partido, mesmo não conseguindo eleger candidatos, poder usufruir da subvenção estatal, foi introduzida pela Lei Orgânica n° 1/2001, de 14.08. Na versão anterior do art.º 29, nos termos do n° 2, o partido que concorresse aos órgãos municipais teria que obter 2% dos lugares no universo a que concorresse, para que tivesse direito a subvenção.

    Assim, na actual versão, determinado partido na situação a que alude a última parte do n°3 - com 2% dos votos em cada sufrágio - tem direito a subvenção estatal; e, esse direito assegura-lhe que beneficie das duas modalidades de repartição a que alude o n° 7, uma vez que a lei não faz qualquer destrinça: - beneficia da distribuição dos 25% do montante da subvenção, feita por igual, pelos partidos, coligações e grupos de eleitores; e - beneficia igualmente da distribuição dos restantes 75% do montante da subvenção, que, forçosamente, tem que ser feita na proporção dos votos obtidos.

    Afigura-se-nos, assim, salvo melhor opinião, que a expressão resultados eleitorais obtidos contida no n° 7 do art° 29° da Lei n° 56/98, de 18.08 (na actual redacção), se reporta ao número de votos obtidos, tal como defende o recorrente, pelo que o acto contenciosamente recorrido está, nessa medida ferido de vício de violação de lei, por violação desse normativo.

    Nestes termos, emitimos parecer no sentido de que deverá ser concedido provimento ao recurso contencioso, anulando-se o acto recorrido".

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

  9. 2.1.

    Consideram-se provados os seguintes factos, dando-se por integralmente reproduzidos os documentos em referência, que são os apresentados com a petição de recurso, salvo outra indicação:

    1. Em 18 de Dezembro de 1995, o Partido Popular CDS-PP requereu ao Presidente da Assembleia da República que fosse corrigidos os cálculos e paga a diferença quanto aos montantes atribuídos para as despesas da campanha eleitoral para a Assembleia da República (doc. processo instrutor); b) Pelo Despacho n.º 41/VII, de 19 de Julho de 1996, o Presidente da Assembleia da República indeferiu o requerimento considerando que a expressão "resultados eleitorais obtidos, constante do n.º 4 do artigo 27.º da Lei n.º 72/93, de 30.11. "se refere, não ao número de votos, mas ao de mandatos" (doc. 3); c) Por requerimento entrado em 9.1.2002 na Assembleia da República/Gabinete do Presidente, sob o n.º 113, o mandatário financeiro nacional do Bloco de Esquerda requereu que fosse processado o pagamento da subvenção estatal relativa às eleições para as autarquias locais de 16 de Dezembro de 2001 (cfr. doc. em processo instrutor); d) Inconformado com a quantia que lhe veio a ser processada pelos Serviços Administrativos e Financeiros da Assembleia da República, o Bloco de Esquerda requereu, por ofício de 22.5.2002, com entrada naqueles serviços em 23.5.2002, a revisão do cálculo dos montantes devidos, como subvenção estatal para a referida campanha eleitoral, aos partidos, coligações e grupos de cidadãos eleitores que a ela haviam concorrido. Em causa estava a questão do método de cálculo do quantitativo a subvencionar ter sido baseado no número de mandatos obtidos nas assembleias municipais, em detrimento do número de votos obtidos (doc. n° 1-B ); e) A Comissão Nacional de Eleições emitiu parecer, aprovado por unanimidade na sessão plenária de 25.6.2002 no sentido de que "só aos votos se pode referir a expressão «resultados eleitorais obtidos» " (doc. 5); f) Pelo Adjunto da Secretária-Geral da Assembleia da República, foi emitido parecer com data de 28.6.2002, no sentido de a "subvenção estatal para as campanhas eleitorais (...) continuar a basear-se no critério do número de mandatos alcançados" (doc. 4); g) A Secretária-Geral da...

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