Acórdão nº 047836 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução13 de Outubro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A... interpôs neste Supremo Tribunal Administrativo recurso contencioso de anulação do Despacho n.º 318/2001/SET, de 18-4-2001, proferido pelo Senhor Secretário de Estado do Turismo que indeferiu o recurso hierárquico que interpôs do despacho do Inspector-Geral dos Jogos que determinara que a recorrente procedesse ao pagamento a B..., frequentadora do Casino da Póvoa de Varzim, de um prémio (jackpot) no valor de Esc. 8.600.000$00, conseguido em máquina de jogo, não podendo deduzir tal quantia da receita da máquina.

Por acórdão da Secção foi negado provimento ao recurso.

Inconformada, a Recorrente, que alterou a sua designação social para ..., interpôs o presente recurso para este Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1 - O presente recurso jurisdicional vem interposto do acórdão proferido pela 3ª Subsecção da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo que negou provimento ao recurso contencioso de anulação do despacho n.º 318/2001/SET, de 18 de Abril de 2001, de Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado do Turismo, que negou provimento ao recurso hierárquico interposto pela ora alegante do despacho de 7 de Dezembro de 2000, do Exmo. Senhor Inspector-Geral de Jogos; 2 - Sustentou-se a ora alegante no recurso contencioso que o acto que ordenou o pagamento de um prémio de jogo que a Recorrente não pagou com fundamento em avaria de uma máquina, encontrava-se viciado de usurpação de poderes, porquanto pretende decidir de forma impositiva um diferendo entre entidades privadas, no âmbito de um negócio jurídico-privado, o que é atribuição privativa do poder judicial, nos termos do artigo 202º da C.R.P., sendo assim nulo, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 133 e 134º, ambos do C.P.A.; 3 - O Tribunal entendeu que a Administração actuou ao abrigo de normas administrativas e desconsiderou a imputação de tal vício; acontece que, 4 - No caso em apreço, estamos perante um diferendo que tem natureza privada pelo que as manas administrativas não legitimam a ingerência da Administração na imposição de uma decisão à Recorrente: só os tribunais judiciais o poderiam fazer; acresce que 5- Contrariamente ao entendimento do Tribunal, também não pode, no caso em apreço, fazer-se apelo à interpretação extensiva para alargar a competência da Administração as normas de competência são de ordem pública e de direito público não comportando a susceptibilidade de interpretação extensiva; 6 - Nestes termos, salvo melhor entendimento, o acórdão recorrido ao considerar que o acto não é nulo nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 133º e 134º, ambos do C.P.A. e por errónea interpretação e aplicação da lei nomeadamente do artigo 202 da CRP; 7 - Sustentou a Recorrente no recurso de anulação que o acto recorrido era inválido por ilegalidade por violação de lei por erro nos pressupostos de facto, na medida em que faz assentar a vontade administrativa no regular funcionamento da máquina da recorrente, que serviu de instrumento ao contrato de jogo entre aquela e a recorrida particular, o que constitui errónea apreciação da situação factual em causa, pelo que o acto recorrido é anulável, nos termos do artigo 135º do Código do Procedimento Administrativo C.P.A.; 8 - No entanto, considerou o Tribunal que não tinha sido pressuposto do acto que a máquina estivesse avariada, uma vez que: "o acto tanto admite esse pressuposto como o contrário"; ora, 9 - Estando a máquina avariada, é manifesto que o acto que decide sem atender a esse pressuposto é inválido por ilegalidade por erro sobre os pressupostos de facto; 10 - É igualmente manifesto que tendo a Recorrente fundamentado o não pagamento na avaria da máquina não podia a administração não assentar nesse pressuposto para apreciar a situação dado o relevo que o aviso aposto na máquina, onde se estabelece que em caso de avaria do equipamento não há lugar a atribuição de prémio; 11 - Ao desconsiderar estes factos ou ao não considerá-los devidamente a entidade Recorrida determinou-se em erro sobre os pressupostos de facto que determinaram a Recorrente a não proceder ao pagamento; pelo que, 12 - O Tribunal ao não anular o acto com fundamento na sua invalidade por ilegalidade por erro sobre os pressupostos de facto fez uma errada apreciação e aplicação da lei; na verdade, 13 - Uma decisão administrativa que incide sobre um facto mal avaliado ou sobre uma situação fáctica que a Administração optou comodamente por não qualificar enferma inequivocamente dessa ilegalidade; 14 - Do prisma da Recorrente, o acto viola o princípio da boa-fé no exercício da actividade administrativa, contido nos artigos 266º, n.º 2, da Lei Fundamental, e 6º-A do C.P.A., na medida em que faz uma apreciação da situação subjacente como se fossem desconhecidas da Administração as regras do contrato de jogo em causa, portanto, em clara violação da confiança suscitada na Recorrente, sendo o mesmo acto anulável, nos termos do artigo 135º do C.P.A.; 15 - Entendeu o Tribunal, todavia, que a eficácia invalidante do princípio da boa fé dependeria da prova da avaria da máquina; 16 - Salvo o devido respeito, o que aconteceu no caso em apreço foi que a Administração sem cuidar da análise da situação considerou que qualquer avaria da máquina não seria imputável à jogadora, pelo que o prémio devia ser pago; 17 - A boa fé impunha, desde logo a apreciação e a consideração de todos os elementos em causa, até tomando em consideração todo o anterior procedimento da Recorrente no pagamento dos prémios decorrentes dos sinais que aparecem nos visores das máquinas; 18 - Não foi o que aconteceu, pelo contrário, a Administração, sem cuidar de analisar todos os elementos em causa cuidou de imputar à Recorrente toda a responsabilidade, incluindo a de suportar todos os encargos, não permitindo sequer que o prémio fosse deduzido na receita da máquina; e, 19 - Salvo o devido respeito, o Tribunal sem cuidar de ir mais além, secundou o entendimento da Administração e foi mesmo ao ponto de afirmar que o procedimento da Recorrente: "Pode mesmo considerar-se reveladora de muito duvidosa boa-fé a atitude da concessionária"....

20 - A Recorrente ao agir como agiu fê-lo na estrita convicção, que ainda hoje lhe assiste de estar a cumprir "in integra" uma das obrigações que lhe assistem: zelar pelo integral cumprimento das regras de jogo; 21 - Só um entendimento que parta do falso pressuposto que havia qualquer propósito de enriquecimento da concessionária pode concluir que o seu procedimento foi de duvidosa boa fé; 22 - Foi e é entendimento da concessionária que não teria cumprido a sua obrigação se tivesse procedido ao pagamento de um prémio que resultou da conjugação e das circunstâncias em que aquele ocorreu; 23 - Salvo melhor entendimento o Tribunal ao decidir pela não verificação da invalidade por ilegalidade por violação do princípio da boa fé, deu acolhimento a uma acto que padece dessa invalidade e que deve ser anulado; 24 - A ora alegante invocou ainda a ilegalidade do acto com fundamento no facto de ser imposto à Recorrente que não contabilize o pretenso prémio a pagar à recorrida particular para efeitos de cálculo da receita bruta dos jogos, valor sobre o qual é entregue ao Estado uma contrapartida de 50%; isto é: 25 - A entidade Recorrida, por um lado impõe o pagamento do prémio, sem tomar em consideração se a máquina estava ou não avariada, por outro não permite que o prémio seja tido em conta na receita bruta da máquina; 26 - O acórdão recorrido não sufragou este entendimento, invocando que "a lei quis desconsiderar o valor dos prémios pagos aos jogadores, mandando calcular as contrapartidas a pagar pelo concessionário sobre a totalidade da receita do jogo"; 27 - Salvo melhor entendimento, não é o que decorre da alínea b) do nº 1 do artigo 3º do Decreto Regulamentar n.º 29/88, de 3 de Agosto: deve entender-se por receitas brutas dos jogos o resultado que se obtém abatendo o valor dos prémios ao valor das apostas; aliás, 28 - Olhem entendimento seria manifestamente absurdo e violador do mais elementares princípios da igualdade e proporcionalidade, ínsitos no artigo 13º da Lei Fundamental; 29 - Seria admitir, como o fez o Tribunal recorrido, que a receita bruta é igual a todos os montantes apostados e que os prémios são custos de exploração; ora, 30 - Quando o legislador se refere a receita bruta o que quer dizer é que ela é o resultado dos montantes apostados menos os prémios, menos os montantes que eventualmente tenham sido necessários para repor o capital na máquina; aliás 31 - Uma máquina quando está a receber fichas dá muitas vezes prémios que não sendo jackpot, são um prémio por saída de fichas; 32 - A receita bruta dessa máquina é o resultado que ela apresenta a final depois de apurada a quantia recebida de jogadas de eventual reposição, menos os prémios; mais, 33 - É sobre esse montante que incidem os 50% a favor do Estado: o que o legislador quis dizer é que a esse resultado não podem ser abatidos os custos de exploração que só poderão ser suportados pelos 50% que ficam para a concessionária; 34 - Nestes termos, salvo o devido respeito, o acórdão recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no Decreto Regulamentar n.º 29/88, de 3 de Agosto, nomeadamente da sua alínea b) do nº 1 do artigo 3º, levando-os a produzir um resultado violador dos princípios da igualdade e proporcionalidade, ínsitos no artigo 13º da Lei Fundamental; aliás, 35 - O entendimento ínsito no acórdão recorrido deixaria o Estado fora da realidade do jogo, uma vez que para ele deixava de funcionar o binómio típico do jogo que é a sorte/azar e que se estende a todos os intervenientes: jogadores, concessionárias e Estado; 36 - Outro teria sido o entendimento do Tribunal, pelo menos no que diz respeito à imputação do discutido prémio ao resultado da máquina, caso não tivesse laborado em...

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