Acórdão nº 0349/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução20 de Outubro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - O MINISTÉRIO PÚBLICO interpôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa recurso contencioso de uma deliberação da Câmara Municipal de Sintra, de 18-10-89, que licenciou o loteamento de um prédio sito na Estrada da ..., designado por «Mata ...».

O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa concedeu provimento ao recurso contencioso, declarando nulo o acto recorrido.

Inconformada, a Câmara Municipal de Sintra interpôs o presente recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1. Mal andou a sentença recorrida ao julgar procedente o recurso, declarando, em consequência, a nulidade do acto recorrido - deliberação da Câmara Municipal de Sintra de 18-10-89, por entender que deveria ter sido utilizada a forma de processo ordinário, com a imperativa intervenção da CCRLVT; não o tendo sido, o acto é nulo; tal nulidade traduz-se no vício de violação de lei - artigos 3º, 5º, 24º, n.º 2 e 65º do DL 400/94, de 31-12; a recuperação da zona nos termos do Decreto-lei 804/76, de 06-11 não afasta as exigências legais previstas no DL 400/84.

  1. Sucede que a douta decisão recorrida não deu como provado o facto de que no local em causa, leia-se o prédio rústico objecto do loteamento titulado pelo alvará n.º 38/90, não existia qualquer construção, pelo que não poderia ter concluído, sem mais, que era inaplicável in casu o Decreto-lei 804/76.

  2. Na verdade, tal prédio encontra-se efectivamente inserido em área de construção de génese ilegal (o Bairro clandestino da Estrada ...), sendo certo que no mesmo se encontravam já edificadas diversas construções, conforme se encontra exaustivamente descrito no processo instrutor, designadamente na Memória Descritiva e Justificativa junta sob Doc. 7, com a contestação (vide pontos 4.2 e 4.4 desse documento).

  3. Tendo sido aprovado pela Câmara Municipal de Sintra para o local o Plano de Recuperação e Urbanização do Bairro da Estrada ..., ao abrigo do citado Decreto-lei 804/76, e tendo inclusivamente sido constituída a Associação de Proprietários do Bairro e pagas pelos proprietários e moradores as comparticipações devidas.

  4. O processo que originou o alvará n.º 38/90 não pode ser, pois, entendido como um normal processo de loteamento seguindo a tramitação prevista no Decreto-lei 400/84, porquanto o que visou, desde sempre, foi assegurar a legalização de uma situação de construção clandestina já existente, seguindo-se a especialíssima tramitação do Decreto-lei 804/76.

  5. Aliás, tal intenção encontra-se patente no próprio alvará de loteamento quando no seu número TRÊS se diz que "O arruamento de acesso aos lotes ainda não se encontra executado, sendo no entanto, a execução do mesmo da responsabilidade da Associação de Moradores e Proprietários do Bairro da ..., "e no seu número CINCO se diz que "Foi apresentado documento comprovativo da Associação de Moradores e Proprietários do Bairro da ..., datado de 90-08-16, em como os proprietários têm em dia as comparticipações para a Recuperação do Bairro. ".

  6. Ou seja, contrariamente ao que se entende na douta decisão recorrida, o processo anterior à emissão do alvará sub judice não visou a divisão de um prédio rústico onde não existia qualquer construção, com vista à futura implantação de novas construções, mas sim a legalização de construções já existentes, inseridas num bairro clandestino cuja recuperação estava em curso, nos termos do citado Decreto-lei 804/76 que é efectivamente o diploma legal aplicável no caso em apreciação, 8. Sendo certo que o alvará sub judice foi a forma encontrada para que tal legalização, como se disse, realizada ao abrigo do Decreto-lei 804/76, fosse titulada por um documento emitido pela administração.

  7. Assim sendo, ainda que se possa entender, o que só em tese se admite mas sem conceder, que o processo administrativo em causa não está isento de deficiências, designadamente as derivadas do facto de ter sido formalmente tratado como um processo de loteamento nos moldes previstos no Decreto-lei 400/84, a verdade é que a situação de facto subjacente a tal não corresponde, mas antes a um verdadeiro processo de legalização de uma área de construção clandestina nos termos do Decreto-lei 804/76, 10. Cujo título final corresponde ao alvará n.º 38/90, o qual, consequentemente, não pode ser entendido como um verdadeiro alvará de loteamento emitido nos termos do Decreto-lei 400/84, mas como o título emitido no final do processo de legalização do bairro clandestino da Estrada ..., tramitado ao abrigo do Decreto-lei 804/76.

  8. Ora, a tal vício de forma não pode ser assacada a nulidade, tanto mais o Decreto-lei 804/6 não exige a consulta da CCR e, por outro lado, tal consequência não se encontra legalmente prevista para estas situações, podendo apenas padecer de vício gerador de anulabilidade, na certeza de que tal eventual anulabilidade se encontra sanada.

  9. De tudo o que acima se disse resulta, pois, que contrariamente ao que foi entendido na douta decisão recorrida, existiam construções já erigidas na parcela de terreno em causa, que integrava o processo de legalização do Bairro clandestino da Estrada ..., o qual foi tramitado nos termos previstos no Decreto-lei 804/76, sendo o alvará sub judice o título final desse processo de legalização, 13. Pelo que, a douta decisão recorrida ao decidir que "(...) no caso sub judice, trata-se de autorização de divisão de prédio rústico com vista à futura implantação de novas construções, " baseou-se em matéria de facto que não foi dada como provada, 14. Tanto mais que existiam efectivamente no local construções já...

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