Acórdão nº 0187/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Novembro de 2004

Magistrado ResponsávelANGELINA DOMINGUES
Data da Resolução10 de Novembro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1.1. A… (id. a fls 2) interpôs neste S.T.A. recurso contencioso de anulação do despacho do "Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde de 22 de Outubro de 2002, que homologou as listas definitivas, elaboradas pelo Conselho Ético e Profissional de Odontologia dos profissionais acreditados e não acreditados no âmbito do processo de regularização dos odontologistas, determinado pela Lei 4/99 de 27 de Janeiro, com a redacção da Lei 16/2002 de 22 de Fevereiro".

1.2. Notificada, a entidade recorrida respondeu nos termos constantes de fls 55 e segs, sustentando o improvimento do recurso.

1.3. O Recorrente apresentou as alegações de fls. 74 e segs, as quais concluiu do seguinte modo: "I.- O acto impugnado é inválido por incompetência do seu autor, devendo ser anulado nos termos do disposto no Artº 135º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que não resulta de qualquer disposição da Lei nº 4/99 de 27 de Janeiro a atribuição desse poder ao Senhor Ministro da Saúde (não se encontrando abrangido por qualquer delegação), nem tal resulta da aplicação de princípios gerais relativos ao exercício da competência administrativa.

  1. O acto, objecto de recurso, é inválido por ter procedido a uma restrição ilegal dos meios probatórios admitidos no procedimento administrativo, aflorado no nº 1 do Artº 87º do Código do Procedimento Administrativo e nos termos do qual os factos, que carecem de prova podem sê-lo por recurso a todos os meios de prova admitidos em direito. Ora, o Conselho Ético e Profissional de Odontologia decidiu restringir o princípio geral do valor probatório no procedimento administrativo de todos os meios em direito admitidos, sem habilitação legal e, sobretudo, através de formas insusceptíveis de derrogar disposições de valor legal.

    Nestes termos, o acto impugnado é inválido por violação directa do princípio da hierarquia dos actos normativos e, em particular, do nº 6 do Artº 112º da Constituição, devendo, como tal ser declarado nulo.

  2. O despacho recorrido sempre seria inválido por violação de Lei, dado desrespeitar a directiva legal, relativa à descoberta da verdade material, subjacente ao princípio do inquisitório, estabelecido no Artº 56º do Código do Procedimento Administrativo, devendo, consequentemente, ser anulado nos termos do Artº 135º mesmo Diploma Legal.

  3. O acto contestado é também inválido, por violação de Lei, a que equivale a violação do princípio da proporcionalidade constante do nº 2 do Artº 266º da nossa Lei Fundamental e no Artº 5º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que procede a uma restrição administrativa dos meios com valor probatório no procedimento de acreditação dos odontologistas, sem que exista qualquer racionalidade que a suporte, evidenciando-se a sua desnecessidade, desadequação e aleatoriedade.

  4. O acto «sub juditio» viola o princípio da igualdade, previsto no nº 2 do Artº 266º da Constituição e no nº 1 do Artº 5º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que o Conselho Ético e Profissional de Odontologia valorou como prova admissível em relação a determinados odontologistas, documentos (declarações) cujo valor probatório foi desconsiderado em relação ao recorrente.

    Deste modo, deve o acto em causa ser declarado nulo, nos termos da alínea d) do nº 2 do Artº 133º do Código do Procedimento Administrativo.

  5. A homologação, objecto do presente recurso, é também inválida por violação do princípio da boa-fé e da tutela da confiança, previsto no nº 2 do Artº 266º da Constituição e no Artº 6º-A do Código do Procedimento Administrativo, a que corresponde o «venire contra factum proprium» administrativo, consubstanciado na desconsideração de reconhecimentos anteriores, uma vez que o recorrente se encontra inscrito como odontologista no Departamento de Modernização e Recursos da Saúde ao abrigo do Despacho Normativo nº 1/90 de 23 de Janeiro da Senhora Ministra da Saúde, tendo o Ministério da Saúde reconhecido desde então, expressamente, o exercício desta profissão pelo recorrente bem como a sua qualificação.

  6. O acto impugnado é ainda inválido por erro sobre os pressupostos de facto, uma vez que o recorrente reúne todos os requisitos necessários para a acreditação como odontologista: antiguidade relevante e formação profissional.

    Deste modo, o acto administrativo em questão deve ser anulado de acordo com o disposto no Artº 135º do Código do Procedimento Administrativo.

  7. Finalmente, o Artº 2º da Lei nº 4/99 de 27 de Janeiro, ao condicionar retroactivamente a liberdade de acesso à profissão de odontologista, conforme garantia pelo Artº 47º da Constituição, viola a regra da retroactividade das restrições de direitos, liberdades e garantias, estabelecida no nº 3 do Artº 18º da nossa lei Fundamental, bem como o princípio da confiança subjacente ao princípio do Estado de Direito democrático.

    Consequentemente, o acto recorrido, enquanto acto administrativo de aplicação de disposições inconstitucionais, é um acto inválido, devendo ser declarado nulo." 1.4. A entidade recorrida não contra-alegou e o Exmº Magistrado do Mº Público emitiu o parecer de fls. 96, que se transcreve: "O recorrente imputa ao acto os vícios de incompetência do seu autor e violação de lei, por quebra dos princípios da hierarquia dos actos normativos, do inquisitório, da proporcionalidade e da igualdade, por erro sobre os pressupostos de facto e ainda por inconstitucionalidade da Lei nº 4/99 de 27 de Janeiro.

    Quanto ao vício de incompetência constata-se ter havido delegação de poderes no autor do acto, - o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde - através do despacho ministerial nº 12376/2002 (2ª Série) de 9.05.02, com o aditamento do despacho nº 13431/2002 (2ª Série) de 15.07.02, sendo certo, por outro lado, que o Conselho Ético e Profissional de Odontologia, nos termos do artº 4º da Lei nº4/99 de 27 de Janeiro "funciona sob tutela do Ministério da Saúde".

    É sob esta acção tutelar que o Conselho, de harmonia com o disposto no artº 5º, exerce as competências que lhe são atribuídas, e, dentre elas, a de "iniciar e concluir o processo de acreditação profissional dos profissionais abrangidos..." (al. a)), e a de "manter actualizada alista de profissionais odontologistas acreditados pelo Ministério da Saúde" (al. g)), Sublinhado nosso).

    Afigura-se-me, pois, face à redacção da citada Lei. E particularmente destas alíneas atrás sublinhadas, que é, em última análise, ao Ministro da Saúde que cabe a acreditação final dos odontologistas, cujo processo lhe é concluído, pelo referido Conselho, devidamente municiado de todos os elementos necessários para tal.

    Não ocorre, assim, o alegado vício de incompetência.

    No que concerne à alegada violação dos princípios da hierarquia, do inquisitório, da proporcionalidade e da igualdade, o recorrente considera que o acto impugnado procedeu a uma restrição ilegal dos meios de prova, uma vez que o principio geral admite todos os meios de prova permitidos em direito, e não resulta evidenciada nem a ponderação, nem a necessidade, nem a adequação dessa restrição perante as finalidades do procedimento de acreditação, apresentando-se aleatórios e discriminatórios os meios de prova elegidos.

    Não nos parece que tal se verifique.

    Na verdade, é a Lei nº 4/99, de 27 de Janeiro, que "regula e disciplina a actividade profissional de odontologia (artº 1º) e atribui ao Conselho Ético a competência de "iniciar e concluir o processo de acreditação..." (sublinhado nosso), pelo que, para tal efeito, lhe confere a possibilidade de emitir normas regulamentares que complementem as regras nela contidas.

    Por isso, o Conselho adoptou, à partida, uma grelha de documentos exigíveis para prova do exercício da actividade profissional, (artº 2º e Actas VII e 13ª Reunião do CEPO), documentos esses julgados necessários à comprovação clara e objectiva dessa prática, evitando, assim, situações de puro arbítrio, conducentes, estas sim, à violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.

    A não reunir o recorrente todos os requisitos exigidos na referida Lei para ser acreditado como odontologista, não se verifica o invocado erro sobre os pressupostos de facto.

    Acresce que a relevância dos valores em jogo, que a actividade de odontologista acarreta, traduzidos na prestação de cuidados de saúde às populações, não se compadece com situações dúbias no que se refere à exigência dos meios de prova a quem se deve mostrar bem...

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