Acórdão nº 0453/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Novembro de 2004

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução16 de Novembro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1. Relatório A…, identificada nos autos, recorreu para este Supremo Tribunal da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou improcedente o RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO interposto do despacho de PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DA AMADORA, formulando as seguintes conclusões:

  1. Uma fracção destinada a loja encontra-se licenciada para o exercício de actividades comerciais por contraposição ao fim habitacional e industrial de outras edificações, pelo que, a instalação de uma pastelaria com fabrico próprio - sendo uma actividade comercial por natureza - não implica a alteração do alvará de utilização já emitido, mas apenas uma especificação do destino comercial concreto - o da restauração.

  2. Assim, ao contrário do que se propugna no douto acórdão do tribunal a quo, as obras a realizar na fracção visavam tão só adaptá-la às exigências de cariz técnico e de salubridade que implicam na generalidade os estabelecimentos de restauração. Por conseguinte, a alteração pretendida pela recorrente cingia-se a mudanças físicas da estrutura da loja que não contendiam com a utilização que lhe estava atribuída pela edilidade camarária, termos em que, encontrando-se o processo de legalização ainda em curso no momento da entrada em vigor do Dec. Lei 445/91 de 20/11, o regime aplicável à situação sub judice é o constante no Dec. Lei 166/70 de 15/04.

  3. Mas ainda que se entendesse que o fim visado - e principal - pela recorrente consistia na alteração do uso da fracção destinada a loja em pastelaria com fabrico próprio - como faz o douto aresto ora impugnado - sempre diríamos que o regime aplicável à situação vertida nos presentes autos continua a ser o consagrado no Dec. Lei 166/70, e não o Dec. Lei 445/91 como propugna o douto aresto ora impugnado. Isto porque, d) O Dec. Lei 445/91 vem reformular em larga escala os processos de licenciamentos urbanísticos introduzindo novas regras e uma estrutura procedimental que inexistia no diploma anterior, por esta razão, os processos de licenciamento em curso no momento da entrada em vigor daquele diploma regem-se pelo disposto no decreto de 1970. Esta transitoriedade impunha-se pelas regras de segurança e tutela jurídica de expectativas legítimas entretanto criadas nos particulares interessados.

  4. Depois, porque assim a ser, não podemos deixar de concluir que todos os pedidos prévios são requisitos e condições necessárias para alcançar a alteração da utilização da fracção ou seja, o pedido de aprovação do projecto de obras não pode ser analisado como autónomo e independente do pedido de emissão da licença de utilização, mas antes como parte integrante e "conditio sine qua non" de um único processo de licenciamento de alteração do uso.

  5. Consequentemente, o pedido de emissão de licença de utilização apresentado pelo recorrente já após a entrada em vigor do Dec. Lei 445/91 consubstancia a última fase do processo de licenciamento da fracção destinada a loja em pastelaria com fabrico próprio processo esse que já se encontrava em curso naquele momento.

  6. A norma contida no n.º 3 do art. 72° do Dec. Lei 445/91 deve ser interpretada tendo por base a unidade do sistema jurídico e que o legislador se expressou em termos adequados (art. 9°, nº 1 e 3 do Cód. Civil), em conformidade, para afastar qualquer coincidência e conflito de aplicação daquela regra e da constante no nº 1 do mencionado preceito e atendendo à precedência numérica desta em relação àquela, impõe-se o entendimento de que o nº 3 do art. 72° do Dec. Lei 445/91 só contempla os pedidos de alteração dos alvarás de licenças de construção e de utilização emitidos ao abrigo do DL 166/70, cujos processos de licenciamento não se encontram em curso no momento da entrada em vigor deste diploma.

  7. Esta regra é aliás a que se encontra vertida no art. 26°, nº 1 do Dec. Lei 445/91 pela qual se esclarece que as novas regras só se aplicam à emissão da licença de utilização de obras cujo processo de licenciamento tenha sido efectuado à luz do DL 445/91.

  8. Decorre do exposto que por força do disposto no art. 72° n° 1 e 3 em conjugação com o consignado no m. 26.° nº 1 todos do Dec. Lei 445/91 de 20/11 e art. 9.° do Cód. Civil, o regime aplicável ao processo de licenciamento da fracção sita na cave esquerda do prédio sito na Rua …, nºs … a … da freguesia da …, concelho da Amadora, na qual a recorrente instalou o seu estabelecimento comercial de pastelaria com fabrico próprio, é o Dec. Lei 166/70 de 15/04.

  9. No que respeita à alegada falta de licença de construção a que inovadoramente o douto tribunal a quo vem fazendo referência, não pode deixar de realçar-se que a apresentação do pedido de aprovação do projecto de obras tinha um momento próprio definido no Dec. Lei 166/70, assim atento o consignado no art. 5°, 6º, 9° e 12° daquele diploma, aquela apresentação é precedida por um pedido de licença - o que ocorreu a 13/03/1984 - pela emissão de pareceres de várias entidades - v.g. Comissão de Moradores da freguesia da Mina, Bombeiros Voluntários da Amadora - e pela junção ao procedimento administrativo da Declaração do técnico responsável pelas obras - o que ocorreu a 19/11/1984.

  10. Nesta senda, a aprovação pela edilidade camarária em 21/02/1985 do projecto de obras apresentado pela recorrente consubstancia uma verdadeira autorização para a realização das obras e a legalização da fracção tal como pedido pela interessada.

  11. Este entendimento não é repudiado pelo disposto no art. 3° do Dec. Lei 166/70 como quer fazer crer o douto tribunal a quo, porquanto as obras dispensadas de licenciamento municipal, ao contrário das outras, não carecem de observar os trâmites procedimentais nem às exigências prescritas pelos art.s 5°, 5°, 9° e 12° do Dec. Lei 166/70, bastando-se a edilidade camarária em apurar da conformidade com o plano ou o anteplano da urbanização e com as prescrições regulamentares aplicáveis (art. 3.°).

  12. Assim, a aprovação camarária do projecto de obras e consequentemente do pedido de legalização da fracção para pastelaria com fabrico próprio, efectuado pela recorrente, consubstancia um verdadeiro acto de licenciamento constitutivo do direito de realizar as obras.

  13. O alvará consiste num mero documento que titula/formaliza o direito de efectuar as obras mas a sua não emissão não obsta à plena eficácia da deliberação camarária, e tanto assim é que a 17 de Fevereiro de 1985 a edilidade camarária veio certificar que a recorrente se encontrava autorizada a instalar na fracção objecto destes autos uma pastelaria com fabrico próprio. Este é o entendimento que resulta do disposto no art. 13°, nº 2 do Dec. Lei 166/70.

  14. Nesta conformidade, tendo sido aprovado por deliberação camarária em 21/02/85 a realização de obras na fracção supra descrita com o fim de alterar o seu uso de loja para pastelaria, não foi fixado qual o prazo para a conclusão das obras nem de caducidade da autorização concedida. Aquele prazo não se encontra também previsto no Dec. Lei 166/70.

  15. Por sua vez, o art. 17°, nº 1 do diploma em referência não prescreve prazo algum para ser requerida vistoria para efeitos de licença de utilização; q) Assim sendo, se não foi prescrito à recorrente pela deliberação camarária tomada a 21/02/1985 o prazo para a conclusão das obras, se tal prazo não se encontra estipulado no DL 166/70 e se o requerimento de vistoria pode em bom rigor jurídico ser feito em qualquer altura, a autorização para obras de alteração na fracção mantém os seus efeitos.

  16. Aquela lacuna jurídica foi na verdade assinalada pelo Supremo Tribunal Administrativo: "Efectivamente, no período entre 1979 e 1990, no regime de licenciamento de obras particulares constituído pelo Decreto-lei 166/70 e legislação complementar, não existiu disciplina jurídica, com valor formal de lei, que estabelecesse a caducidade de actos administrativos de licenciamento ou dos respectivos alvarás" Ac. STA de 28 de Maio de 1997, in BMJ 467, p. 384.

  17. Por este motivo, atento o princípio da legalidade que deve imperar na actuação administrativa - art. 266.° da C.R.P. e art. 3.° do C.P.A. - não pode a edilidade camarária vislumbrar prazos de caducidade sem que os mesmos estejam legalmente previstos; t) Ademais, diversamente da posição propugnada pelo douto tribunal a quo, o diploma que rege o pedido de vistoria e a emissão da licença de utilização é o Dec...

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