Acórdão nº 047824 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Outubro de 2005

Magistrado ResponsávelPOLÍBIO HENRIQUES
Data da Resolução04 de Outubro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I. - RELATÓRIO 1.

1.1.A…, residente na Rua …, nº …, em Vila do Conde, interpõe recurso contencioso de anulação do despacho de 23 de Março de 2001 do Secretário de Estado da Administração, na parte em que aquele indeferiu o pedido de reversão em relação às fracções do prédio ocupadas com serviços públicos.

Na alegação final formulou as seguintes conclusões: a) a decisão do presente recurso - sobre a ilegalidade do indeferimento parcial de um pedido de reversão que devia ser total (na parte edificada que aqui interessa) - é juridicamente prejudicial em relação à do recurso apenso, interposto pelo Município de Vila do Conde do acto de deferimento parcial do pedido; b) os factos dos arts. 7º a 48º da petição - que não foram contestados pela Autoridade Recorrida ou pelo contra-interessado - devem ter-se como provados, porque estão confirmados nos documentos da petição (destes articulados) e do processo instrutor; c) o acto recorrido de indeferimento parcial do pedido de reversão, assumindo que o conceito de arranjo da zona evolvente do Palácio da Justiça de Vila do Conde - usado nas duas versões (de Fevereiro e de Junho de 1985) da declaração de utilidade pública expropriatória - abrangia a construção de um edifício destinado à instalação de serviços públicos (de interesse público ou de habitação social),está ferido de violação de lei por violação dos princípios da imparcialidade, da boa fé, da transparência e da justiça firmados (explícita ou implicitamente) no art. 266º da Constituição e nos arts. 6º e 6º A do CPA; d) pois que tal conceito não revela, antes esconde e mascara, a referida finalidade construtiva para a instalação de serviços públicos; e) e viola também a exigência legal - ínsita nos arts. , e 14º do CE de 1976 (ou nos arts. , 10º e 15º do CE de 1991), afirmada na jurisprudência e na doutrina, e resultante da proibição legal da declaração expropriatória implícita - de que os fins da expropriação constem expressamente do acto e do diploma expropriatório; f) nem o facto de o estudo prévio ou o projecto de obras aprovado pela versão da declaração de utilidade pública de Junho de 1985 se referir à construção de um edifício para instalação de serviços públicos (de interesse público ou para habitação social) colmata a falta de qualquer menção, aí, a essa finalidade; g) é que, além de violar aquela exigência legal básica da declaração expressa dos fins de utilidade pública - sua menção essencial, mais até do que a referência ao bem expropriado -, a pretendida extensão da finalidade expropriatória, no caso sub judice, assenta num acto que, tendo sido publicado, nunca chegou ao conhecimento do interessado, nunca foi executado nem foi chamado à baila, pela Autoridade que o praticou ou pelo Município de Vila do Conde, nos variadíssimos procedimentos administrativos e processos judiciais que têm corrido a propósito deste caso; h) sendo, portanto, essa declaração de Julho de 1985, juridicamente inoperante ou ineficaz - pelo menos, perante o administrado, que só veio a tomar conhecimento dela pela leitura da Informação da CMVC de 2 de Agosto de 1999 (constante de uma certidão que lhe foi entregue em 7.X.1999), catorze anos depois da sua prática, inviabilizando a pretensão de a impugnar no prazo da lei; i) aliás, a ser entendida nesse sentido expansivo, a mencionada declaração de utilidade pública de Junho de 1985 padeceria de invalidade absoluta, por falta de atribuições camarárias em matéria de instalação de conservatórias e cartórios do Estado, como se veio a verificar ser a única afectação pública a que se destinaria o edifício a construir no terreno expropriado ao Recorrente; j) tanto que, em 1992, a CMVC pôs em hasta pública 50 fracções desse edifício para serem vendidas, pelos preços do mercado imobiliário, para comércio, escritório e habitação (não social), reservando apenas 4 fracções para uma suposta e futura utilização por serviços do Ministério da Justiça; k) se não fosse ilegal por se basear em finalidades não abrangidas pela deliberação de utilidade pública expropriatória, o acto aqui recorrido era-o por indeferir a reversão de um bem que só teria sido afecto a essa finalidade 12 (13 ou 14 ) anos após a sua expropriação, com violação do nº 1 do art. 5º do CE de 1991; l) subsidiariamente, invocou-se que o acto recorrido também padecia de ilegalidade, porque não podia ser tomada em consideração, na decisão sobre a reversão pedida, a instalação de serviços públicos estatais (do Instituto Português de Arqueologia) e municipais a que a CMVC procedeu a partir de 1999, por não corresponderem a qualquer necessidade pública efectiva e só terem sido possíveis por ela não ter conseguido alienar, em hasta pública, no mercado imobiliário, as fracções que pôs à venda em 1992 e 1993, por não ter sido executada atempadamente a sentença do STA de Julho de 1988 e por a CMVC ter tentado através dessa instalação obstar (ou diminuir) o direito de reversão do Recorrente; m) padece o acto recorrido, portanto, na parte em que considerou irreversíveis as áreas correspondentes à ocupação do edifício por serviços estatais, municipais e particulares posteriormente a Junho/Julho de 1998, de violação da regra da necessidade da expropriação, dos princípios gerais da imparcialidade, da proporcionalidade, da boa-fé e da justiça, consagrados nos arts. 5º, 6º e 6º-A do CPA, bem como dos arts. 1º, 3º, nº 1 e 5º do Código das Expropriações de 1991 (ou dos mesmos preceitos do Código de 1999); n) e não há qualquer dúvida - comprovam-no informações oficiais da própria CMVC - de que à data de 3 de Dezembro de 1998 para além do cartório notarial e conservatórias do Ministério da Justiça, o prédio em causa não tinha qualquer outra utilização pública; o) é ilegal o acto recorrido, ainda, como também se invocou subsidiariamente, por considerar como não reversíveis para o expropriado aquelas parcelas que foram ocupadas por serviços públicos municipais (de água e saneamento, de arqueologia e turismo) a título transitório, violando-se assim a regra da necessidade da expropriação, bem como os arts. , (nº 1) e 5º do CE e 1991; p) nem pode a reversão ser recusada, sob pena de violação dos arts. 1º e 5º (nº 1) desse diploma, em relação à parcela ocupada pela Associação de Defesa do Artesanato e do Património de Vila do Conde, por não se tratar de um serviço público ou de interesse público; q) o acto recorrido padece igualmente, como se invocou a título subsidiário, de vício de falta de audiência - ou, o que é o mesmo, de falta de ponderação (do essencial) da resposta à audiência apresentada pelo ora pelo ora Recorrente - com violação do art. 100º do CPA; r) afecta-o ainda a incongruência da respectiva fundamentação, com violação do art. 125º/2 do CPA, por, depois de afirmar que "o fim que determinou a expropriação tem de constar expressamente da declaração de utilidade pública (e da) respectiva publicação" ter tirado precisamente a conclusão contrária.

1.2. Contra-alegou o Secretário de Estado da Administração Local, dizendo, no essencial, que: (i) ainda que o acto expropriativo do Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo, publicado em 10 de Julho de 1985, no DR, II Série, nº 156, padecesse de qualquer vício, face à sua não impugnação, teria o mesmo de se considerar sanado; (ii) por esse motivo não pode, agora, o recorrente assacar-lhe ilegalidades por violação dos princípios da imparcialidade, da boa-fé, da transparência, da justiça e dos princípios gerais de direito administrativo; de todo o modo, (iii) aquele acto teve uma concreta finalidade de utilidade pública que nele foi enunciada com exactidão; (iv) o conceito de interesse público é uma noção que não tem conteúdo jurídico preciso, mas é óbvio que a instalação de Cartórios Notariais, Conservatórias, Repartições Fiscais, etc se encontra abrangido por aquele, não sendo ilegítima a expropriação para a instalação daqueles serviços, não sendo forçoso que fossem unicamente serviços da Câmara Municipal; (v) não é verdade que a aplicação do bem ao fim expropriado tenha tido lugar depois de decorrido o prazo e dois anos previsto no art. 5º, nº1 do CE/91; (vi) estando em causa a execução de um acórdão do Pleno do STA que declarou a inexistência de causa legítima de inexecução, não havia lugar ao cumprimento do disposto no art. 100º CPA; (vii) o acto impugnado não padece do vício de falta de fundamentação já que está motivado por referência para informações técnica e um parecer da CCR Norte de 25 de Janeiro de 2001, sendo que neste parecer se explicita de forma clara que "no conceito de arranjo da zona envolvente do Palácio da Justiça "estava incluída a implantação de um edifício com as características constantes do estudo prévio que sustenta o pedido de expropriação".

  1. 2.1. A Câmara Municipal de Vila do Conde, por seu turno, recorre do mesmo acto de 23 de Março de 2001, na parte em que deferiu parcialmente o pedido de reversão formulado por A....

    Apresentou alegações finais com as seguintes conclusões: 1ª A parcela expropriada não foi afecta a fins diversos dos que justificaram a declaração de utilidade pública.

    1. Ao sustentar o contrário, o despacho recorrido incorreu em erro nos pressupostos de facto (ou em erro de Direito) - colocando-se a dúvida porque o acto não se mostra, como ao diante se verá, devidamente fundamentado.

    2. Mesmo que tal tivesse ocorrido, tratar-se-ia de uma afectação cumulativa, que em nada prejudicou a efectiva utilização do bem para os fins inicialmente previstos.

    3. O facto de o bem estar afecto a todos e cada um dos fins que determinaram a expropriação impede a constituição do direito de reversão, independentemente de eventuais irregularidades que se entenda terem existido quanto à área do edifício construído ou quanto a algumas das utilizações que lhe foram dadas.

    4. Daí que não se mostre preenchido o requisito enunciado sob o art. 5º - 1 do Cód. Expr./91, que...

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