Acórdão nº 0765/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução08 de Novembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª secção do Supremo Tribunal Administrativo.

  1. Relatório A... e OUTROS, devidamente identificados nos autos, recorreram para este Supremo Tribunal da sentença proferida no TAC de Lisboa que negou provimento ao recurso interposto do despacho do PRESIDENTE DA CÂMARA DE CASCAIS, proferido em 1996-07-05, que indeferiu o pedido de aprovação do projecto de licenciamento da construção nos prédios dos recorrentes localizados no Monte Estoril, formulando em síntese as seguintes conclusões: 1- A sentença de 2004-12-06 que integra o objecto do presente recurso apreciou e decidiu a questão da falta de fundamentação do acto sub judice considerando que "embora a fundamentação pudesse ter sido mais concretizada e completa (…) o acto impugnado ainda satisfaz suficientemente essa exigência"; 2 - Por sentença do tribunal a quo de 1999-04-23 foi decidido, com trânsito em julgado, a anulação do acto sub judice e com base em falta de fundamentação, pelo que a douta sentença recorrida não tinha que decidir de novo tal questão, que se mantém totalmente eficaz e com força de caso julgado formal e material (art. 671º e seg.s do CPC); 3 - A pretensão formulada pelos ora recorrentes em 28-11-1995 foi tacitamente deferida em 1996-02-05 pois a entidade recorrida não se pronunciou definitivamente, no prazo de 45 dias, a contar da data da apresentação do requerimento de aprovação dos projectos e licenciamento da construção, como resulta dos artigos 17º, 47º/2 e 61º do Dec. Lei 445/91, de 20 de Novembro e do art. 108º do CPA; 4 - A referida aprovação tácita nunca poderia ser posta em causa pela apresentação posterior de um projecto de alterações ou quaisquer outros elementos adicionais, tanto mais que nada impede que para o mesmo terreno seja apresentado mais de um projecto ou exista mais de um projecto aprovado (Ac. Do STA de 1978-04-06, BMJ 281/371); 5 - Dos termos e circunstâncias em que o acto sub judice foi praticado não resulta, de qualquer forma, o reconhecimento da existência e efeitos do referido deferimento tácito, pelo que, inexistindo voluntariedade na produção dos efeitos revogatórios, falta desde logo um dos elementos essenciais do acto em análise, que é assim nulo (art. 133º, 1 do CPA); 6 - O despacho em análise sempre teria revogado anteriores actos tácitos constitutivos de direitos, tendo pelo menos, violado frontalmente o art. 77º, b) do Dec. Lei 100/84, de 29 de Março, e os artigos 140º, 1/b e 141º do CPA, pois não foi invocada e não se verifica in casu qualquer ilegalidade dos actos revogados.

    7 - O despacho sub judice violou frontalmente o art. 266º da CRP e o art. 63º/1 do Dec. Lei 445/91, de 20 de Novembro, pois os fundamentos invocados no parecer em que o referido despacho alegadamente se fundamentou para indeferir a pretensão dos ora recorrentes não integram a previsão de qualquer daquele normativo legal, que contém uma enumeração taxativa; 8 - O despacho sub judice ao indeferir a pretensão dos ora recorrentes com fundamento na sua alegada desconformidade com as normas constantes do Plano de Urbanização da Costa do Sol (PUCS), enferma de diversos erros de direito, bem como de diversas ilegalidades, pois o despacho do Sr. SEUH de 1974-03-23, alterou o PUCS e o referido plano não constitui um instrumento urbanístico válido, eficaz ou juridicamente existente; 9- O despacho sub judice violou frontalmente os princípios constitucionais da segurança das situações jurídicas e da protecção da confiança dos ora recorrentes, integrantes do princípio do Estado de Direito Democrático, pois indeferiu a sua pretensão com fundamento em normas que nunca seriam aplicáveis in casu, tanto mais que o edifício em causa não afecta manifestamente a estética e beleza do local em que se enquadra; 10- O Projecto do PDM de Cascais também não constitui um instrumento de planeamento territorial eficaz, por ainda não ter sido aprovado e publicado, pelo que nunca poderia fundamentar o indeferimento da pretensão dos ora recorrentes (art.s 119º da CRP, art. 5º do C.Civil e art. 15º a 18º do Dec. Lei 69/90 de 2 de Março); 11 - O art. 1360º do C.Civil não é aplicável à apreciação de projectos de arquitectura pelas câmaras municipais, pois refere-se apenas a relações jurídicas de direito privado, sendo certo que as distâncias mínimas previstas nesse preceito foram respeitadas in casu; 12- A entidade recorrida não demonstrou que lhe tivessem sido delegados os poderes previstos no art. 1º, 1/ a e 2º/1 do Dec. Lei 445/91, de 20 de Novembro, ao abrigo da necessária lei de autorização, mediante actos devidamente publicados e de onde constasse a competência para revogar o deferimento tácito da pretensão dos ora recorrentes; 13 - O acto em análise ofendeu abertamente o conteúdo essencial dos direitos fundamentais de propriedade e iniciativa económica privada dos ora recorrentes constitucionalmente consagrados nos artigos 61º/1 e 62º/1 da CRP, pois indeferiu a sua pretensão sem se basear em algum dos fundamentos taxativamente fixados na lei, criando assim restrições ao referido direito mediante simples actos administrativos; 14 - O despacho em causa ao indeferir a pretensão dos ora recorrentes violou os princípios da igualdade, justiça e boa fé constitucionalmente consagrados, pois perto do terreno dos recorrentes existem outras construções recentes e licenciadas pelos órgãos competentes da CMC, com características idênticas, relativamente às quais foram adoptados critérios diversos (art.s 2º, 13º 266º da CRP; art.s 4º,5º,6º e 7º do CPA), nomeadamente o prédio de nove pisos a Nascente; 15 - O despacho sub judice enferma de manifesta falta de fundamentação de facto e de direito (art. 268/3 da CRP, art. 124º e 125º do CPA), conforme se decidiu na douta sentença do tribunal a quo de 1999-04-23, pois: a) a entidade recorrida não indicou qualquer fundamento de ilegalidade dos anteriores actos constitutivos de direitos, nem da alegada revogação do deferimento tácito da pretensão dos ora recorrentes; b) consubstanciando-se num simples indefiro pelo que dele não constam quaisquer fundamentos de facto e de direito do indeferimento da pretensão dos ora recorrentes, sendo certo que o parecer que o antecede também não contém quaisquer razões de facto ou de direito daquele indeferimento, limitando-se à emissão de meros juízos conclusivos não concretizando a violação de quaisquer normas jurídicas.

    16 - A douta sentença recorrida enferma assim de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente, além do mais, o disposto nos artigos 2º, 9º, 13º, 18º, 61º, 62º, 266º e 268º da CRP, nos art.s 671º e seguintes do CPC, nos art.s 3º, 4º, 108º, 124º, 125º, 133º, 138º e seguintes do CPA e nos arts 1º, 2º, 17º, 47º, 61º e 63º do Dec. Lei 445/91, de 20 de Novembro.

    A entidade recorrida defende a manutenção da sentença recorrida.

    Neste Supremo Tribunal o Exmo. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

    Colhidos os vistos legais é o processo submetido à conferência para julgamento.

  2. Fundamentação 2.1. Matéria de facto A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos: a) Os recorrentes são proprietários de dois prédios urbanos com as áreas de 980 m2 e 1080 m2, sitos na Rua... n.ºs ... e ..., Monte Estoril, concelho de Cascais; b) Relativamente a um "Anteplano de um Hotel de apartamentos no Mt. Estoril" foi proferido em 23-3-74, pelo Secretário de Estado do Urbanismo e Habitação, despacho a considerar que "o estudo em apreciação oferece condições de passar à fase de projecto definitivo, desde que não seja ultrapassado o índice de ocupação do solo 1=2 e o mesmo seja integrado e conjugado com o projecto referente ao lote vizinho"; c) Em 24-06-87, o Presidente da Câmara de Cascais aprovou projectos de construção com um índice de ocupação de 1,5; d) Em 28-11-95, as Recorrentes A... e ... requereram à Câmara Municipal de Cascais a aprovação do projecto de arquitectura e o licenciamento da construção do edifício para habitação colectiva que pretendem construir nos terrenos referidos em a) supra; e) Até 5-1-96, aquelas recorrentes não foram notificadas pela Câmara para apresentarem quaisquer elementos necessários à apreciação da sua pretensão; f) Sobre o pedido referido em d) recaiu, em 15-2-96, a informação dos serviços de Urbanismo e Infra-estruturas seguinte: "1- Pretende-se a construção de um edifício de 27 apartamentos, num terreno constituído pela união de dois lotes, localizados no Monte-Estoril em zona HL do PCUS. 2. Consultado o projecto do PDM de Setembro de 95, ainda não aprovado, verifica-se que o lote a Norte se encontra na classe de espaço urbano de alta densidade e o lote a sul em urbano de baixa densidade. 3. Da análise da presente proposta, constata-se que: a) os requerentes não são os únicos proprietários dos terrenos não sendo apresentadas quaisquer declarações autenticadas dos restantes comproprietários existindo assim o problema da falta de legitimidade; b) embora a proposta tenha como premissa a existência de um edifício de nove pisos a nascente, a presente proposta apresenta uma volumetria e ocupação excessiva, assumindo-se como ampliação do imóvel existente, em vez de funcionar como um verdadeiro elemento de transição correctamente integrado com todas as características urbanísticas da zona e não apenas os aspectos volumétricos. c) urbanisticamente o proposto desrespeita os parâmetros urbanísticos válidos para a zona que no que se refere ao PUCS quer no que se refere ao projecto do PDM, uma vez que não só ultrapassa os índices de referência e as alturas máximas de fachada como agrava a densidade habitacional bruta da zona que já sofreu uma ampla alteração com a construção de um edifício de 9 pisos a nascente, também ele inicialmente projectado para estabelecimento...

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