Acórdão nº 02053/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelPIRES ESTEVES
Data da Resolução29 de Novembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: A..., casado, bancário, residente na Rua ..., nº..., Apt. ..., Bloco ..., 22 471 Rio de Janeiro, Brasil, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa contra o Estado Português acção de responsabilidade extracontratual baseada na prática de actos de gestão pública ilícitos, pedindo a condenação deste a reintegrá-lo, sem diminuição de categoria e de retribuição, na mesma ou noutra instituição bancária com a contagem de toda a antiguidade como trabalhador bancário, a pagar-lhe uma indemnização quer a título de danos patrimoniais como não patrimoniais e a reconhecer-lhe todos os direitos previdenciais.

Por sentença daquele TAC foi julgada procedente a excepção de prescrição invocada pelo réu e ora recorrido e, em consequência, absolvido do pedido (fls.633 a 644).

Não se conformado com esta decisão, interpôs da mesma o recorrente o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões: "1. A excepção de prescrição invocada pelo Réu Estado deve ser julgada inteiramente não provada e improcedente, porquanto o Autor, já em 30 de Junho de 1976, com a apresentação do pedido de intervenção da Comissão de Conciliação e Julgamento dos Bancários (documento que se juntou com esta alegação) promoveu a interrupção do prazo de prescrição, que só voltou a correr em 24 de Novembro de 1980, isto é, 30 dias depois da data em que teve lugar a tentativa prévia de conciliação (fls.395) realizada perante o Magistrado do MºPº junto do 13º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa; 2. Foi com o trânsito em julgado do Acórdão do STJ (junto de fls 228 a 241) que o Autor tomou conhecimento de que responsável pela sua reintegração na Banca era o Estado Português em vez do BBI.

  1. O Autor continua, de facto, a não estar integrado em qualquer instituição do sector bancário e o Estado continua até hoje a não adoptar as providências necessárias para o efeito, dando cumprimento ao disposto no D.L. nº 52/76 de 21/1 (e no despacho ministerial de fls. 64 que, por não impugnado, se tornou definitivo).

  2. A continuidade temporal desta permanente omissão, ilícita e culposa, do Estado do dever de reintegrar o Autor na Banca leva a que ela deva ser considerada unitariamente, só o termo desta omissão podendo marcar o início da contagem do aludido prazo da prescrição de 3 anos do artº498º do Código Civil. Isto é: o prazo da prescrição de 3 anos só pode começar a contar quando o omitente levar a cabo a actividade com a qual o dano deixe de ter lugar.

  3. Neste condicionalismo - e sabido que o artº498º do Código Civil estabelece dois prazos de prescrição do direito à indemnização -, não faz sentido a invocação de uma prescrição de curto prazo, só podendo valer o decurso do prazo geral de 20 anos, à luz do princípio de que o prazo da prescrição ordinária é o limite para o exercício de todos os direitos, incluindo o direito de indemnização.

  4. Ora, a prescrição interrompe-se com a citação do réu para a acção (artº323º do Código Civil), citação que, no caso destes autos, ocorreu em 03.10.96 e, portanto, antes do dia 30.12.96, ou seja, muito antes de se completar o prazo geral de 20 anos sobre a data em que se iniciou a omissão do Estado (a qual só pode ter acontecido depois de o Secretário de Estado do Tesouro ter recebido a carta que o BBI lhe endereçou com a data de 30.12.76 (V. doc. de fls 48).

  5. Por outro lado, sendo a omissão do dever de reintegração do Autor na Banca uma obrigação de «facere» que, dia após dia, ainda hoje se mantém incumprida - e, portanto um facto continuado -, a circunstância de (por hipótese que não se admite) serem atingidas as prestações do passado, não significa que a prescrição vá também afectar as prestações contratuais mais recentes, respeitantes aos três últimos anos imediatamente anteriores à citação do Réu para os termos desta acção.

  6. Assim, se o pedido correspondente à obrigação de indemnizar não viesse a ser porventura atendido no seu todo, o mesmo teria de proceder elo menos em arte.

  7. De resto, ainda que a invocada prescrição eventualmente afectasse toda a obrigação de indemnização feita valer pelo Autor nas alíneas b) e d) do pedido de fls. 14 e 15 - tese que o Autor frontalmente rejeita -, isso nunca poderia determinar que, por arrastamento, também improcedessem aqueloutros diferentes pedidos que têm autonomia jurídica em relação à obrigação de indemnizar: a sorte da prescrição nunca evitaria que a acção procedesse, peio menos em parte, quanto ao pedido de reintegração na Banca [identificado na alínea a) a fls. 14] e quanto ao pedido de reconhecimento dos direitos previdenciais do Autor, designadamente o direito à reforma por velhice (identificado na alínea c) a fls. 14].

  8. A invocação da prescrição pelo Estado representa, neste caso, uma autêntica afronta à proibição do "venire contra factum proprium" se é que não constitui mesmo um verdadeiro abuso do direito (artº334º do Código Civil), a ser tratado como tal.

  9. Ao abrigo do "princípio da substituição", consagrado no artº715º do CPC, o Autor e Recorrente pede e espera que Vossas Excelências, desatendendo a invocada excepção de prescrição, conheçam do mérito da causa, dando procedência a todos os pedidos do Autor.

  10. Ou, na pior das hipóteses - que só para efeitos de raciocínio se coloca - julguem procedentes, pelo menos, os pedidos que têm autonomia em relação à obrigação de indemnizar, e que são os identificados na alínea a) [fls 14] de reintegração na Banca (obrigação de "facere") e na aiínea c) [fls. 14] de reconhecimento dos direitos previdenciais do Autor.

Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o recurso ter provimento, sendo a douta sentença em crise revogada e julgando-se: a) a excepção de prescrição inteiramente improcedente e não provada; e b) a acção procedente e provada, quanto a todos os pedidos do Autor, com as legais consequências; c) para a improvável hipótese que se equaciona, sem conceder, de ser eventualmente entendida que a invocada prescrição afecta a obrigação de indemnização feita valer pelo Autor nas alíneas b) e d) do pedido de fls. 14 e 15, ainda assim a acção deve proceder, pelo menos, quanto ao pedido [identificado na al.a) a fls. 14] de reintegração na mesma ou noutra instituição bancária (obrigação de «facere») e quanto ao pedido[identificado na al.c) a fls. 14] de reconhecimento dos direitos previdenciais do Autor, porque estes dois pedidos têm autonomia e são alheios à obrigação de indemnizar".

Termina o recorrido Estado as suas contra-alegações com as seguintes conclusões: 1 - Conforme se refere na sentença recorrida "Resulta das disposições conjugadas dos artigos 71º, da lei de Processo nos Tribunais administrativos, e 498º, nº 1 do Código Civil, que o direito de indemnização, fundado em responsabilidade extracontratual, por danos patrimoniais ou não patrimoniais resultantes de actos de gestão pública, prescreve no prazo de três anos".

2 - Segundo a mesma sentença "o prazo de prescrição iniciou-se com o recebimento do ofício de 24.9.1976, que lhe deu a conhecer (ao Autor) a decisão de 13.8.‘1976, a dar sem efeito o seu saneamento. A partir daqui o autor sabia do seu direito a ser reintegrado e, consequentemente, da ilicitude da sua não reintegração".

3 - O Estado português não foi demandado ou chamado ao processo, na acção que o ora Autor propôs contra o réu BBI, o qual correu termos na 3ª secção do 3º Juízo do TT Lisboa.

4 - Sendo certo que, nos termos do art. 323º, nº 1 do Cód. Civil, apenas a citação ou notificação do responsável apontado pelo titular do direito tem a virtualidade de interromper a prescrição.

5 - A força vinculativa do acórdão do STJ, de 6.10.1993, produzido na acção nº 75/81 - C do TT Lisboa, apenas abrange as decisões sobre as questões que ali tiveram de ser resolvidas como premissas ou questões preliminares que são antecedente lógico, necessário e indispensável da conclusão expressa na decisão final.

6 - Não se estendendo essa força vinculativa à opinião jurídica emitida cerca da responsabilidade do Estado, pessoa colectiva que não era, sequer, parte naquela acção.

7 - Opinião jurídica de resto consciente e voluntariamente não partilhada pelo Autor, conforme expressamente manifesta na referida acção, ao pôr-se ao chamamento à autoria do Estado.

8 - Ainda que se não entendesse, como início do prazo de prescrição, a ata do recebimento do ofício de 24.9.1976, considerada na sentença recorrida (anota-se que o próprio Autor aceita, no art. 28º da réplica, a ata de 18.10.76 como aquela "em que se...

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