Acórdão nº 0328/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Dezembro de 2005

Magistrado ResponsávelABEL ATANÁSIO
Data da Resolução06 de Dezembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I - RELATÓRIO: O Vogal do Conselho de Administração do INGA - Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola, com os demais sinais constantes dos autos recorreu para o Pleno do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, por oposição de julgados do acórdão de 12 de Dezembro de 2002, de folhas 173 e seguintes.

Tal recurso foi interposto em virtude do referido acórdão, alegadamente, se encontrar em oposição com o acórdão deste STA proferido pela mesma secção em 20 de Fevereiro de 2001.

Tendo o recurso seguido seus termos, foi julgada como verificada a invocada oposição de julgados, por acórdão proferido em 24 de Novembro de 2004.

Alegando o recorrente ao abrigo do artigo 767º nº2, e 768 º do CPC, formulou as seguintes conclusões.

"1. Em ambos os acórdãos deparamos com uma situação material idêntica. Em resultado de controlos à posteriori, efectuadas ao abrigo do Reg. 4045/89, de à documentação comercial das beneficiárias para aferir da regularidade das ajudas, as entidades administrativas competentes ordenaram a reposição das ajudas indevidamente pagas, revogando o anterior acto de atribuição das mesmas.

  1. O acórdão fundamento entendeu que o regime constante no artigo 141º do CPA, não era aplicável aos actos revogatórios das ajudas quando estivesse em causa o controlo exercido por um Estado-membro, através de um seu órgão administrativo competente na matéria, sobre a exactidão dos documentos comerciais (na acepção do Reg. (CEE) nº 4045/89).

  2. E considerou que o sistema de controlo de financiamento FEOGA - Garantia aos Estados membros constante do Reg. (CEE) nº 4045/89, e do art. 8º nº 1 do Reg (CEE) nº 729/70, só é completamente eficaz se permitir a revogação da concessão das ajudas irregulares, dentro do prazo estabelecido para o respectivo controlo pelos Estados.

  3. No acórdão recorrido, ao invés, julgou-se que o regime de revogação do artº 141º do CPA, é aplicável aos actos atributivos de ajuda comunitária, que desta forma só podem ser revogados no prazo de um ano fixado naquele preceito.

  4. Considera assim que os dispositivos comunitários não contendem com os prazos internos estabelecidos, porquanto, os regulamentos nº 4045/89 e nº 729/70, ao prescreverem a obrigação dos Estados tomarem medidas para prevenção e repressão de irregularidades e recuperação de ajudas de custo indevidamente pagas, exigem que as mesmas sejam tomadas de acordo com a legislação ordinária de cada país, o que as sujeita à aplicação do regime de revogação de actos administrativos do art. 141º do CPA.

  5. O juiz nacional é o juiz comum do contencioso comunitário e deve, ao abrigo do princípio da aplicação descentralizada do Direito Comunitário, assegurar na ordem interna o respeito por todas as normas e princípios do Direito Comunitário.

  6. O juiz nacional, directamente vinculado à observância dos princípios da aplicabilidade directa e do primado (Ac. Van Gend en Loos, Ac. Costa/Enel, Ac. Simmenthal), deve aplicar integralmente o direito comunitário deixando inaplicada qualquer disposição eventualmente contraria à lei nacional, seja anterior ou posterior à regra comunitária.

  7. Só na falta de disposições comunitárias, a recuperação dos montantes indevidamente pagos será decidida aplicando o direito nacional, de acordo com o disposto no artigo 8º, nº 1, do Reg. (CEE) nº 729/70.

  8. O Acórdão Deutsche Milchkontor, de 1982, resolveu a questão da reposição de montantes indevidamente pagos a título de ajuda comunitária e a revogação de actos administrativos.

  9. O Direito Comunitário recusa a absolutização do princípio da protecção da confiança em detrimento de outros princípios jurídicos comunitários relevantes.

  10. Os tribunais nacionais não podem perfilhar soluções cujos efeitos impliquem, na prática, uma impossibilidade de implementação dos regulamentos.

  11. A aplicação do direito comunitário é irremediavelmente perturbada se for praticamente inviável recuperar ajudas indevidamente atribuídas, nos termos do nº 1, do artº 8º, do Reg. (CEE) nº 729/70.

  12. O recurso às regras nacionais só é possível na medida necessária à execução das disposições do direito comunitário e desde que a aplicação destas regras nacionais não prejudique o alcance e a eficácia do direito comunitário, incluindo os princípios gerais do mesmo.

  13. O Direito Comunitário impõe que o juiz administrativo assegure na ordem interna do respectivo Estado, o respeito por princípios básicos do direito comunitário, como a aplicabilidade directa e o efeito directo, mesmo com preterição de algumas das garantias previstas para a revogação dos actos constitutivos de direitos.

  14. O acórdão recorrido consagra uma solução que inviabiliza a recuperação das ajudas indevidamente atribuídas, imposta pelo nº 1 do artigo 8º do Reg. (CEE) nº 729/70, e implica uma impossibilidade de aplicação dos regulamentos comunitários, atentando frontalmente contra as normas e princípios do Direito Comunitário.

  15. A boa fé do beneficiário justifica a primazia, ou não, do princípio da protecção da confiança legítima e não deve justificar-se em caso de uma violação manifesta da regulamentação em vigor.

  16. Se a má-fé do particular que leva a Administração a incorrer numa convicção errónea sobre dados determinantes do caso administrativo, gera a invalidade do acto, por erro induzido ou provocado sobre os pressupostos de facto ou direito, e leva à destruição dos prazos estabelecidos para a revogação anulatória no art 141º do CPA, sendo que, em casos mais graves, a sanção da nulidade do acto será a mais adequada.

  17. O TJCE exige que os interesses da comunidade sejam suficientemente acautelados, não podendo os tribunais nacionais consagrar soluções que impliquem uma impossibilidade de aplicação dos regulamentos comunitários, caso seja impossível, ou extremamente difícil, a recuperação de ajudas indevidamente atribuídas, nos termos do nº 1 do artigo 8º do Reg. (CEE) nº 729/70, violado no caso concreto.

  18. Existe necessidade de pagar as ajudas no mais curto espaço de tempo, sob pena de não se cumprir o objecto da ajuda, de intervenção ao nível dos preços de mercado.

  19. Na ajuda Poseima o pagamento da ajuda de custo deverá ser efectuado no prazo de dois meses a contar da data da apresentação do pedido de ajuda de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 4º do Reg. (CEE) nº 1696/92, a fim de assegurar a repercussão nos preços do consumidor final, cfr artº 5º.

  20. É impossível verificar, antes do pagamento, se o requerente de determinada ajuda cumpre todos os requisitos legais que presidem ao pagamento da ajuda.

  21. A regulamentação das ajudas comunitárias financiadas pelo FEOGA "Garantia" estabelece procedimentos altamente complexos, quer para o pagamento, quer para o controlo.

  22. O entendimento perfilhado pelo acórdão recorrido viola as disposições constantes do título III do Reg. (CEE) nº 1696/92, e impede a prossecução dos seus fins.

  23. O art. 4º do Reg. (CEE) nº 4045/89, que os controlos possam ser efectuados passado mais de um ano desde o pagamento da ajuda.

  24. O art. 8 º do DL 185/91 prescreve, para realização dos referidos controlos, os prazos da legislação comercial.

  25. A manter-se a jurisprudência do acórdão recorrido, assistiriamos a situações em que os controlos seriam efectuados num momento em que a restituição da ajuda já não seria possível, levando á falência o sistema de controlo comunitário.

  26. A comissão, ao detectar uma despesa que não foi efectuada de acordo com as regras comunitárias - de entre as quais respeitantes a número mínimo de controlos - excluirá essa despesa dos montantes financiados pelo FEOGA, que terá de ser paga com dinheiro do orçamento de Estado.

  27. O acórdão recorrido viola os artigos 2º e segs do Reg. (CEE) nº 4045/89 e o art 8º do DL 185/91, que o regulamenta.

  28. O acórdão fundamento demonstra ser possível compartilhar a aplicação do direito comunitário com o direito nacional e os interesses a atender e prosseguir.

  29. O artº 8º do D.L. 185/91, que regulamenta o Reg (CEE) nº 4045/89, prescreve que as empresas que têm relações financeiras com o FEOGA "Garantia", devem conservar os documentos comerciais durante 10 anos.

  30. O Regulamento (CE) nº 2988/95, do Conselho de 18/12, relativo à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, que entra em vigor no decurso do referido procedimento, adopta uma regulamentação geral em matéria de controlos, medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio comunitário.

  31. O nº 1 do artigo 4º daquele, determina que qualquer irregularidade tem como consequência, regra geral, a obrigação de reembolso dos montantes indevidamente recebidos pelos beneficiários.

  32. São definidos prazos de prescrição do procedimento instaurado para a recuperação de verbas indevidas, resolvendo em definitivo as questões de desacerto com disposições nacionais dos Estados.

  33. O caso vertido nos autos não excede o prazo máximo de prescrição fixado no regulamento cit..

  34. A jurisprudência do acórdão fundamento interpreta correctamente as normas e princípios dos dois ordenamentos em causa, e acautela quer os interesses comunitários, quer os nacionais em jogo.

  35. A decisão recorrida deve ser revogada, por violar o princípio do primado do direito comunitário, os princípios da aplicabilidade directa e do efeito directo do direito comunitário, o princípio da boa-fé e o nº 1 do Reg. (CEE) nº 729/70, o art. 4º do Reg. (CEE) nº 4045/89, os arts 5º e sgs. Do Reg. (CEE) nº 1696/92 e o art. 8º do DL nº 185/91.".

    Contra alegou a recorrente contenciosa, pugnando no sentido do improvimento do recurso.

    O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo emitiu o parecer constante de fls 349 e seguintes, pronunciou-se sobre a improcedência do recurso, sendo de opinião dever manter-se o acórdão recorrido.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    II- FACTOS Os factos provados no acórdão recorrido são os seguintes...

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