Acórdão nº 0351/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Dezembro de 2005

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução14 de Dezembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A... e mulher B..., residentes na Rua ..., n.º..., ..., Matosinhos, intentaram, no TAC do Porto, acção declarativa para efectivação de responsabilidade civil extracontratual contra o Hospital de Santo António do Porto (HSAP) e o Estado Português, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 77.982.800$00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, alegando que, no pós-operatório de duas intervenções cirúrgicas realizadas nesse Hospital nos anos de 1986 e 1988, lhe foram feitas transfusões de sangue que determinaram a infectação do A. marido pelo síndroma de imunodeficiência adquirida, na patologia do sangue com o HIV 1 e o HIV 2.

O Hospital de Santo António contestou não só para arguir a ineptidão da petição inicial e a prescrição do direito dos AA. e excepcionar a ilegitimidade processual activa da co-autora mulher, como também para impugnar a veracidade dos factos alegados.

O Estado Português, por seu lado, excepcionou a sua legitimidade processual e a prescrição do direito dos sua AA. e impugnou os factos alegados na petição Inicial.

No Saneador o Sr. Juiz a quo concluiu pela inexistência de nulidades, pela legitimidade processual das partes, com excepção do Estado português que absolveu da instância, e pela prescrição do direito de indemnização dos AA o que determinou a absolvição do pedido do HSAP.

Decisão parcialmente revogada pelo Acórdão deste Tribunal de 31/10/00 (fls. 227/245), que, declarando que se não verificava a prescrição do referido direito, ordenou o prosseguimento dos autos para que se conhecesse do mérito da causa.

Por sentença de 15/09/2004 (fls. 465 a 476) a acção foi julgada improcedente e o HSA absolvido do pedido.

Inconformados com esse julgamento, os Autores agravaram para este Tribunal tendo concluído as suas alegações da seguinte forma : 1. Os recorrentes discordam da douta sentença proferida pelo juiz singular do processo, porque este aresto jurisdicional, na sua fundamentação, além de outras omissões relevantes, não atendeu às diversas dimensões constitucionais da responsabilidade civil do Estado, decorrentes dos artigos 17°, 18° e 22° da CRP, comprimir, ao limitando este preceito à responsabilidade do instituto público, ao plano subjectivo da culpa: o TAC aplicou lei inconstitucional.

  1. Como decorre do ponto II-3 "CONHECENDO DE DIREITO", da alegação n.º 4 da douta sentença recorrida, o DL 48 051 de 21.Nov.67, nos termos da Constituição e do seu art.º 22°, encontra-se revogado e a sua aplicação, pura e simples, é ferida de inconstitucionalidade.

  2. Na verdade, os autores não apresentaram alegações escritas sobre o aspecto jurídico, constam da petição inicial, foram enunciadas nas alegações orais sobre a matéria de facto e de direito, nas instâncias próprias e do parecer do MP as recorrentes não foram notificadas, não sendo de estranhar a sua posição processual, pois fora parte nesta acção, como consta das alegações 5 e 6; 4. O aresto em crise, mostra-se manifestamente infundado, uma peça pouco cuidada e carecida de profundidade, bem assim sem qualquer alusão ao fenómeno social da sida, como drama pessoal, da família e da sociedade, em contraponto com a sentença "Aquaparque", bem trabalhada, quer na sua apreciação, julgamento e ,fundamentação de facto e de direito, como se alega nos artigos 7, 8 e 9 da fundamentação.

  3. A lei ordinária, DL n.º 48.051, funda-se sobretudo em motivos de ordem técnica e financeira do Estado Português, elaborada antes do 25 de Abril, de difícil interpretação e desajustada da Constituição de 1976, e a sentença descurou ainda por completo documentos tão essenciais do processo, quanto aos problemas preocupantes da Sida, como a Certidão da Assembleia da República, as preocupações espelhadas as conclusões do Provedor de Justiça dirigidas à Assembleia da República, parecer já junto, declarações históricas dos responsáveis mundiais, desde a Conferência realizada na África do Sul sobre a Sida até ao Presidente da República do Estado Português, sobre a necessidade da prevenção, estruturação de medidas de intervenção pública na Saúde, e protecção dos cidadãos na defesa da Sida.

  4. Que não fora atendido pelo tribunal nem atendeu aos ensinamentos e à nova concepção evolutiva do Direito Administrativo, no quadro dos principais países europeus, diferenciação do regime de responsabilidade da Administração por actos de gestão pública, em relação às regras tradicionais do Direito Civil, a acentuação de cada vez maior responsabilização da Administração e a isenção parcial dos órgãos, agentes e representantes da Administração de responsabilidade pelos encargos decorrentes das suas faltas leves: como ensina o ilustre professor Freitas do Amaral.

  5. Que a sentença, não fez o exame crítico das provas, nem apreciou correctamente a matéria fáctica, dada como provada, errou ao fundamentar a culpa, na concepção civilística, quando a apreciação deveria fundamentar a perspectiva da culpa administrativa "culpa do serviço ou falta do serviço", omissão de pronúncia ainda relevante quando desvaloriza as dimensões da responsabilidade da administração do HSA, na vertente da responsabilidade objectiva (risco) e por factos lícitos, como decorre da alegação 13.ª e suas alíneas, da fundamentação, que se remete.

  6. Que, em suma, a sentença em crise, não cumpriu o disposto nos artigos 202/1 e 204° da CRP, conjugado com o n.º 2 do art.º 1 o do ETAF, por isso : no caso em apreço, não foi feita nem administrada a justiça, artigos 14° e 15° da alegação.

  7. As recorrentes, na petição inicial, fizeram referência da referida lei, nos seus artigos 85°, 86°, 87°, 90° e 99° da petição inicial, invocaram expressamente o art.º 22° da CRP ao qual a referida lei ordinária se deveria adaptar, na parte que pudesse ser concretamente aplicada, entroncando neste artigo 22°, de forma alargada, a responsabilidade civil da Administração Pública, nasça a obrigação de indemnizar de um facto ilícito, de uma actuação lícita ou do princípio do risco, discordando da premissa maior do silogismo judiciário a que o meritíssimo juiz chegou a fls. 476 da sentença: como decorre dos artigos 19.º e 21.º das alegações e 86.º da petição inicial: improcedendo a acção.

  8. A Dimensão da Culpa, na perspectiva interna. Cremos que, o HSAP deveria, nos termos da petição inicial, ser, ab initio, responsabilizado em sede de responsabilidade subjectiva ou culposa, fundada em culpa do serviço ou falta de serviço, por violação das regras de prudência geral, juízo de censura colectiva por parte da Administração Pública do Estado e em particular do Ministério da Saúde, por falta de coordenação e de articulação dos seus diversos departamentos, a ausência de fichas de identificação dos doentes e os registos destes ter sido feita do tipo "merceeiro", sendo os Hospitais, incluindo o HSA, "uma perfeita desgraça" do ponto de vista profissional: a este propósito os documentos e os art.ºs 31.º a 40.º, 84.º, 85.º, 96.º, 97.º a 99.º da fundamentação, para as quais se remete.

  9. O que importa é reconhecer que a grande dimensão da Administração Pública (e da Saúde), a complexidade das suas funções (... ), e tantos outros factores de efeito análogo, transformam muitas vezes uma sucessão de pequenas faltas desculpáveis ou até de dificuldades e atrasos legítimos, num conjunto unitariamente qualificável, ex post, como facto ilícito culposo: refere Prof. Freitas do Amaral: dando como exemplos a queda da muralha do Porto acórdão STA de 28.1.66 e o acórdão do tribunal de conflitos de 10.07.1969, admitiram a responsabilidade exclusiva da Administração Pública, por se tratar de "casos de simples mau funcionamento dos serviços" sem haver na sua base um comportamento individual censurável: Actualmente temos, por ex., as situações do caso em análise e a queda da ponte de Vila Nova de Paiva.

  10. Por ser manifesta a culpa do serviço ou a falta do serviço, bem como a falta de coordenação e de articulação entre o Ministério da Saúde, (o sr. Ministro nunca se interessou pelo assunto da contaminação do sangue...), e os titulares dos cargos e demais instituições hospitalares, como se descreve no artigo 35° da fundamentação: "pois, cada vez mais nos nossos dias nos sucede que o facto ilícito e culposo causador dos danos, sobretudo se revestir a forma de uma omissão, não possa ser imputado a um autor determinado ou a vários, antes o deve ser ao serviço público globalmente considerado: refere aquele Prof. Freitas do Amaral, pág. 503 vol. II, Lições de Direito Administrativo.

  11. Na definição feliz de Rivero, citada pelo Prof. F. do Amaral (pág. 503 do vol. lI, já referido), emprega-se a expressão Culpa do Serviço ou Falta do Serviço, para significar: um facto "anómalo e colectivo de uma administração, em geral, mal gerida, de tal modo que é difícil descobrir os seus verdadeiros autores".

  12. Culpa do Estado Português e do HSA, numa dimensão Europeia. Portugal tinha acabado de assinar o Tratado de Adesão (12/7/85) à Comunidade Económica Europeia - hoje União Europeia - após um percurso histórico, de instabilidade e complexidade política, económica e social, preparando gradualmente o processo de integração europeia desde a sua adesão teve lugar em 28/5/77 e efectivada em 17/10/78, e em 1/01/86 adquiriu o estatuto de pleno direito à comunidade europeia, como resulta dos artigos 85° a 93° da fundamentação, para os quais se remete.

  13. Foram violadas por parte do Estado Português, em especial normas de direito administrativo, emergentes de regras de carácter comunitário e regras financeiras, provindas do Orçamento Geral do Estado e da Comunidade, os chamados "desvios de fundos": Como maus exemplos (e são muitos), no plano da aplicação dos fundos comunitários, ao nível político e jurídico, no campo europeu e interno, descreve-mo-los no referido artigo 9.º da fundamentação.

  14. Que a Espanha será o Estado Membro da União Europeia, pelas razões aduzidas, de adesão simultânea e país fronteiro integrado na Península Ibéria, legado histórico entre os dois...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT