Acórdão nº 0219/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Fevereiro de 2006

Magistrado ResponsávelANGELINA DOMINGUES
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na 1ª secção do Supremo Tribunal Administrativo 1.1. A…, Procurador da Republica Adjunto, intentou neste Supremo Tribunal, acção administrativa especial na qual pede "a anulação dos actos administrativos formalizados no acórdão da Secção Disciplinar de 04-05-04, notificado no dia 7 seguinte, e no acórdão do Plenário do Conselho requerido de 22-11-04, notificado no dia 26 seguinte, ambos proferidos no âmbito do processo disciplinar nº 157/03" em que o Autor é arguido.

1.2. Na petição imputou aos acórdãos postos em causa diversos vícios de violação de lei, designadamente Lei Constitucional, concluindo o referido articulado da seguinte forma: "Nestes termos, julgando-se a acção procedente, deve-se: a) julgar inconstitucionais as normas contidas nos artºs 202.º e 203.º do EMP, recusando-se a sua aplicação, por violação do art.º 32.º, nº 10, da Constituição; b) julgar inconstitucional a norma contida no art.º 163.º do EMP, por violação dos princípios da tipificação e da determinabilidade e da precisão das leis, da confiança e da segurança, consagrados nos artºs 2.º, 18.º, nos 2 e 3, e 29º, n.º 1, todos da Constituição; c) julgar inconstitucional as normas contidas nos artºs 166.º, n.º1, al. e) 170.º, nos 1 e 3, e 183.º, todos do EMP, por ofensa dos princípios da dignidade da pessoa humana, do Estado de direito democrático, da proporcionalidade ou da proibição do excesso e da necessidade das penas, consagrados nos artºs 1.º, 2.º e 18.º, nos 2 e 3, da Constituição; d) declarar as referidas normas feridas de ilegalidade e recusar a sua aplicação, por conflituarem com os artºs 11.º,. nº 1, do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem; e) julgar inconstitucionais as normas contidas nos artºs 172.º, 175.º, nos 1 e 3, al. a) e 176.º, n.º 1 do EMP por violação dos princípios da fixidez das penas e da proibição da automaticidade dos efeitos das penas, que encontram expressão nos artºs 2.º e 30.º, nos 1 e 4, ambos da Lei Fundamental; f) se assim se não entender, declarar-se que os acórdãos impugnados violam os artos 163.º, 166.º, n.º 1, al. e), 170.º, nos 1 e 3, 172.º, 175.º, nos 1 e 3, al. a), 176.º, n.º 1, 183.º e 185.º, todos do EMP, 3.º, n.º 1, 5.º, nos 1, e 2, e 6.º, todos do Código do Procedimento Administrativo, 50.º, n.º 1 do CP e 33.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis do Estado, por remissão do art.º 216.º do EMP; e g) em qualquer dos casos, anularem-se os acórdãos impugnados, com todas as consequências legais, por os mesmos enfermarem de vício de violação de lei (art.º 135.º do CPA).

Valor: 14.963,95 (catorze mil, novecentos e sessenta e três euros e noventa e cinco cêntimos).

1.3. O Conselho Superior do M.º Público apresentou a resposta de fls. 46 e seguintes, na qual pugnou pela improcedência das ilegalidades imputadas às deliberações em causa, com o consequente improvimento do recurso.

1.4. A fls. 64 foi proferido pela Relatora o seguinte despacho: O Tribunal é competente.

As partes, são legítimas.

Não há nulidade, excepções ou outras questões prévias que se imponha apreciar.

As questões a decidir são de facto e de direito.

O processo contém todos os elementos necessários a uma decisão conscienciosa, com desnecessidade de produção de qualquer outra prova.

Dado que as partes não renunciaram à produção de alegações escritas, deverão as mesmas ser notificadas para as apresentarem nos termos do preceituado no art.º 91.º, n.º 4 do C.P.T.A.

1.5. O Autor apresentou as alegações de fls. 67 e segs as quais concluiu do seguinte modo: "1ª O autor tinha o direito de se defender, não só da acusação, mas também do conteúdo do relatório elaborado no final da instrução, assegurado pelo art.º 32.º, n.º 10, da Constituição, pelo que, ao não ser notificado do mesmo antes da decisão final, cometeu-se uma nulidade insuprível.

  1. Por não preverem a notificação do relatório logo após a elaboração do mesmo, de modo a que o autor pudesse discuti-lo, os artºs 202.º e 203.º do EMP colidem com o citado preceito constitucional, pelo que deve recusar-se a sua aplicação e declarar-se a nulidade.

  2. O art.º 163.º do EMP está redigido de modo vago, impreciso e indeterminado, pelo que permite o arbítrio e a irrazoabilidade, ofendendo os princípios da tipicidade, da determinabilidade e da precisão das leis punitivas, da confiança e da segurança jurídica, consagrados nos artºs 2.º, 18.º, nos 2 e 3, e 29.º n.º 1, todos da Constituição, pelo que deve ser recusada a sua aplicação.

  3. Os artºs 166.º, n.º 1, al. e), 170.º, nos 1 e 3, e 183.º, todos do EMP, ao preverem uma pena que priva o condenado dos meios mínimos de sobrevivência, ofendem os princípios da dignidade da pessoa humana, do Estado de direito democrático, da proporcionalidade ou da proibição do excesso e da necessidade das penas, consagradas nos artºs 1.º, 2.º e 18.º, nos 2 e 3, todos da Constituição, devendo, por isso, ser julgados inconstitucionais.

  4. A execução da pena prevista pelos citados normativos priva o autor de alimentação, vestuário e alojamento, pelo que os mesmos violam os artºs 11.º, n.º 1, do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, pelo devem ser julgados feridos de ilegalidade.

  5. Os artºs 172.º, 175.º, nos 1 e 3, al. a), e 176.º, nº 1, todos do EMP, ao preverem os efeitos automáticos da pena declarados nos acórdãos violam os princípios da fixidez das penas e da proibição da automaticidade dos efeitos das penas, consagrados nos artºs 2.º e 30.º, nos 1 e 4, ambos da Constituição, pelo que deve ser recusada a aplicação dos mesmos.

  6. Os acórdãos impugnados, tendo aplicado uma pena manifestamente excessiva e desadequada ao caso concreto, interpretaram erradamente e violaram, se os mesmos não forem julgados inconstitucionais, os citados artºs 163.º, 166.º, n.º 1, al. e), 170.º, nos 1 e 3, 172.º, 175.º, nos 1 e 3, al. a), 176.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, e 185.º e, ainda, os artºs 3.º, n.º1, 5.º, nos 1 e 2, e 6º., todos do Código de Procedimento Administrativo.

  7. De facto, o autor não teve o menor desvio no exercício da função, é empenhado e perfeito na execução do serviço, é assíduo e pontual, está bem integrado no sistema, não tem quaisquer antecedentes punitivos e confessou os factos materiais de que foi acusado, não a qualificação jurídica dos mesmos, e mostra-se arrependido de os ter praticado.

  8. Encontrando-se familiar, social e profissionalmente bem inserido, se não houvesse erro na escolha da pena, sempre a execução da mesma devia ser suspensa ou fundamentar-se a não-suspensão, pelo que se violam os artºs 50.º, n.º 1, do CP e 33.º, n.º 1, do EDFC, aplicáveis "ex vi" do art.º 216.º do EMP.

  9. Em qualquer dos casos, deve anular-se os acórdãos impugnados, com todas as consequências legais, por os mesmos enfermarem de vícios de violação de lei, tal como se concluiu na petição inicial (art.º 135.º do CPA)." 1.6. A entidade demandada contra-alegou nos termos constantes de fls. 82 e 83, que se dão por reproduzidos, concluindo: "A) O A. apresentou a sua defesa após a dedução da ACUSAÇÃO na qual se descriminaram todos os factos constitutivos da infracção disciplinar e os que integram circunstância agravantes ou atenuantes. Por isso, B) AS GARANTIAS DA SUA DEFESA não foram limitadas ou amputadas, sendo certo que o A. não alegou matéria que fundamente em que medida é que a sua defesa foi alegadamente prejudicada.

C)Não se encontra verificada a alegada NULIDADE de falta de audiência do arguido, tendo-lhe sido assegurado o direito de defesa nos termos fixados na lei. Por outro lado, D)E caso se considerasse que tinha ocorrido a nulidade invocada ela devia ter sido arguida pelo ora A. no prazo de 5 dias após o conhecimento do relatório final, o que não fez. E E) O art.º 32º da C.R.P. contempla os direitos de defesa em sede de PROCESSO CRIMINAL, sendo que nos termos no nº 1 do art.º 165 do E.M.P. as normas que conferem a garantia de defesa em sede de processo criminal não se aplicam no âmbito do processo disciplinar. Daí que F) DEVAM IMPROCEDER AS CONCLUSÕES 1ª E 2ª DA ALEGAÇÃO DO A.

G)Pelas razões oportunamente aduzidas na contestação (art.º 18º a 25.º), que ora se renovam não se divisa qual o fundamento da violação dos preceitos constitucionais invocados pelo A., nomeadamente que a norma do art. 163 do E.M.P. possa violar o Estado de Direito Democrático ou seja susceptível de consubstanciar a restrição de direitos liberdades e garantias, sendo que, H) Também aqui o art. 29º nº 1 da C.R.P. se refere a aplicação da lei criminal e não ao regime disciplinar dos Magistrados. Por isso, I) HÁ-DE IMPROCEDER A CONCLUSÃO 3ª DA ALEGAÇÃO DO A.

  1. As normas do art. 166º, 170º e 183º todos do E.M.P., não ofendem os princípios da dignidade da pessoa humana, do Estado de Direito democrático, da proporcionalidade ou da proibição de excesso e de necessidade das penas, consagrados nos art. 1º e 2º e 18º, nº 2 e 3 da C.R.P.

  2. As penas disciplinares correspondem a um escalonamento segundo a gravidade das condutas às quais se aplicam, não podendo, por isso, ser considerada mais gravosa a pena de inactividade do que uma pena expulsiva, aqui se dando por reproduzido o que ficou dito nos art. 26.º a 41.º da contestação.

    L)IMPROCEDERÃO ASSIM AS CONCLUSÕES 4ª 5ª E 6ª DA ALEGAÇÃO DO A.

  3. Os art. 172.º 175.º nº 1 e 3 a) e 176.º n.º 1 todos do E.M.P. não são inconstitucionais por violação dos princípios da fixidez das penas e da proibição de automaticidade dos efeitos das penas, consagrados nos art. 2.º e 30.º n.º 1 e 4 da C.P.R. Na verdade, N)As espécies de penas e os respectivos efeitos têm que estar taxativamente previstos na lei.

    O)A pena de inactividade aplicada ao A...

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