Acórdão nº 0765/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelEDMUNDO MOSCOSO
Data da Resolução02 de Março de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: 1 - A...

, id. a fls. 2, interpõe recurso jurisdicional do acórdão do TCA (fls. 141/149) que negou provimento ao recurso contencioso de anulação que dirigira contra o despacho do MINISTRO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, de 04.01.99 que "lhe determinou a dispensa de serviço da Guarda Nacional Republicana (GNR), passando à situação prevista no n.º 4 do artigo 75.º do Estatuto dos Militares da GNR, nos termos das disposições do artigo 2.º do mesmo estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho e nos termos do nºs 2 e 4 do artigo 94.º do Decreto-Lei n.º 231/93, de 26 de Janeiro e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 75.º referido".

2 - Na alegação do recurso formulou as seguintes CONCLUSÕES: O presente recurso deve ser provido e revogado o acórdão recorrido, porquanto:

  1. O recorrente não praticou falta disciplinar grave que possibilitasse a forma de processo que lhe foi movido, por isso que a sua dispensa do serviço da Guarda Nacional Republicana, como se provou desenvolvidamente na petição inicial e nestas alegações, foi ilegal, injusta, desproporcional e arbitrária; b) O acto discricionário de não punir o recorrente em processo disciplinar, no qual inicialmente fora acusado e notificado da Nota de Culpa, nos termos do Regulamento de Disciplina Militar, ordenando-se que se CONVERTESSE em processo próprio, está viciado de nulidade, de ilegalidade, de vício de desvio do poder, dado que esse processo próprio não foi mandado instaurar para se averiguar se tinha havido o cometimento de infracção disciplinar, apreciá-la e puni-la, se fossem reunidas provas disso e de harmonia com a culpa e a gravidade da falta e sanção que a esta coubesse, mas sim, estabelecendo-se, logo em 22.05.98, no despacho do Comandante do Serviço de Justiça da GNR, antes mesmo da instauração do processo, como já apuradas as faltas cometidas pelo recorrente, a sua gravidade, a sua qualificação, fixando-se logo a forma como seriam punidas: dispensa do serviço da Guarda Nacional Republicana.

  2. O processo não foi criteriosamente organizado, como se escreve no acórdão, não passou de um logro, de uma farsa inútil onde foram na prática postergadas as garantias de defesa, está ferido de nulidade insuprível, de vício formal, maxime de carácter procedimental, como se demonstrou nesta alegação e a simples leitura do processo administrativo revela, tornando nula a decisão administrativa que com base nele foi tomada, impossibilitando à partida qualquer defesa justa e violando o disposto no n°. 3 do artigo 269.º da Constituição da Republica Portuguesa e o princípio que se extrai dos artigos 2.°, 18.°, n.°2, 29.°, n.° 1, 32.°, n.º 10, 47.°, 53.º e 266.° da Constituição.

  3. Por violação do princípio que se extrai dos artigos 2°., 18°., n°.2, 29°, n°. 1, 32°, n°. 10, 47°., 53°. e 266°. da Constituição, deve ser considerada inconstitucional a norma constante do artigo 94°. da Lei Orgânica da GNR, aprovada pelo Decreto-Lei n°. 231/93 de 26 de Junho (com excepção do seu n° 3 e do segmento do n°. 1 referente à dispensa do serviço a pedido do militar) e a que consta do artigo 75°. do EMGNR (aprovado pelo Decreto-Lei n°. 265/93, de 31 de Julho, com excepção das alíneas b) e c) do seu n°. 1.

  4. Está válida e em vigor a decisão de 2 de Junho de 1999 do Tribunal Central Administrativo que decretou a suspensão da eficácia do despacho de 04.01.99 do Sr. Ministro da Administração Interna, ordenando a reintegração do recorrente na Guarda Nacional Republicana.

  5. O acórdão recorrido é nulo nos termos do artigo 668º, nº 1, d) do CPC por erro de julgamento, erro sobre os pressupostos de facto e de direito, erro sobre a apreciação da prova, não especificando na indicação dos factos considerados assentes muitos factos provados documentalmente no processo administrativo e com interesse para a boa decisão da causa, tais como os que constam dos documentos autênticos juntos pelo recorrente ao processo: boa informação dos seus superiores hierárquicos depois da reintegração, classificação na 1.ª classe de comportamento atribuída pela GNR ao recorrente e decisão constante do acórdão do TCA de 2 de Junho de 1999.

  6. No recurso jurisdicional, a decisão a proferir deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da acção de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento da tomada de decisão no tribunal de recurso, devendo o Venerando Tribunal levar em conta a prova documental junta com estas alegações, nos termos do art. 706°, n°1 do CPC.

  7. Na decisão recorrida, o tribunal a quo não julgou devidamente a tese e as posições jurídicas defendidas pelo recorrente no recurso contencioso.

  8. Com a publicação da Lei n°.29/99 de 12 de Maio, as alegadas infracções disciplinares praticadas pelo recorrente deviam ser consideradas como amnistiadas pelo acórdão recorrido nos termos do art.7º. alínea c) da referida Lei a não aplicação da amnistia acarreta a procedência do recurso.

  9. Sem prescindir, a decisão recorrida devia ter reconhecido que o recorrente preenche as condições previstas no art. 2°: do EMGNR e no caso dos autos não estão reunidas as condições justificativas da dispensa do serviço constantes dos arts. 94°. da LOGNR e art. 75°. do EMGNR, devendo o acórdão recorrido considerar que o recorrente deve continuar integrado, como está, no serviço, não estando inviabilizada a manutenção da relação funcional.

  10. A medida sancionatória da dispensa do serviço da GNR aplicada ao recorrente não foi analisada e julgada no acórdão recorrido axiologicamente e à luz dos princípios gerais informadores do direito disciplinar português e do princípio da culpa.

  11. A douta sentença viola os princípios da igualdade, da imparcialidade, da justiça, da proporcionalidade, da protecção dos direitos dos cidadãos consagrados nos artigos 3°., 4°., 5.° e 6°. do Código de Procedimento Administrativo e as seguintes disposições legais: art. 13.º e n.º 2 , 266.° da CRP, o art. 668°.,n°. 1, d) do CPC.

  12. O acórdão merece censura ao não seguir a doutrina já defendida por Marcello Caetano, ao recomendar que a medida de demissão, a mais gravosa da escala das penas disciplinares, deveria ser usada com muita prudência, escrevendo: "Acentua-se até a tendência de fixar na lei os casos em que taxativamente é lícito aplicá-la". (Do Poder Disciplinar, 115).

    Termos em que se impõe o provimento do recurso.

    3 - Em contra-alegações a entidade recorrida sustenta que o Recorrente não "logrou infirmar um único dos pressupostos da decisão do Tribunal "a quo" e, consequentemente, não logra impugnar a rigor a decisão recorrida", pelo que o presente recurso deve ser julgado improcedente.

    4 - O Mº Pº junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 210/211 cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido, no sentido de ser dado provimento ao recurso "apenas no que tange ao vício de forma por falta de fundamentação (que vinha imputado ao acto contenciosamente recorrido e que inquinou a douta decisão do TCA, na parte em que considerou tal vício improcedente e que, por isso, deve ser, nessa parte, revogada)".

    Cumpre decidir: 5 - MATÉRIA DE FACTO: A decisão recorrida deu como demonstrada a seguinte matéria de facto: I - O recorrente era soldado de Infantaria da Brigada 5 e prestava serviço no posto de ....

    II - Na sequência de participação foi instaurado ao recorrente processo disciplinar, sendo no decurso do mesmo, como medida cautelar, transferido para o posto da GNR de ..., ....

    III - Em 9.04.98, o averiguante deduziu a acusação de fls.55 e 56 do PA aqui dada por reproduzida.

    IV - Notificado da Nota de Culpa, o recorrente não apresentou qualquer defesa.

    V - Em 13.05.98, o averiguante elaborou o ‘RELATORIO", de fls. 60 a 63 do PA, aqui dado por reproduzido, onde se conclui, que pela gravidade dos factos, apesar de competente não é exercido o poder disciplinar, submetendo o processo superiormente.

    VI - Em 22.05.98, o Comandante do Serviço de Justiça da GNR, exarou o despacho: "Analisado o processo disciplinar... verifica-se que: 1. - O referido militar violou repetidamente e ao longo de mais de um ano princípios e deveres consagrados no Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, inerentes à sua qualidade de "soldado de lei", designadamente os artigos 2°, n°2, 10°, n°1, 11° e 14°.al. e); 2. - Em 06 de Maio p. p. foi apresentada queixa na Delegação do Ministério Público… pelos mesmos factos, sendo de prever a sua futura divulgação através de órgãos da comunicação social, com reflexos extremamente negativos para a Instituição; 3. - O seu comportamento indicia notórios desvios dos requisitos morais, éticos e militares que lhe são exigidos pela sua qualidade de militar da guarda, encontrando-se assim incurso no disposto no art. 75°, n°1, alínea a) do EMGNR.

    Nestes termos, atendendo à gravidade dos factos (...) sou da opinião que o referido soldado não reúne perfil nem as qualidades legalmente exigidas ao Militar da Guarda pelo que determino a devolução do processo tendo em vista a dispensa do serviço da Guarda, nos termos do art. 94° da Lei Orgânica da Guarda, aprovada pelo Dec. Lei n°231/93, de 26 de Junho.

    ".

    VII - Instruído o processo de "dispensa de serviço", o recorrente foi notificado "dos factos determinantes da perda das condições para poder continuar no activo e na efectividade de serviço e da ausência de qualidades inerentes ao perfil do militar da Guarda", sendo concedido um período para defesa - cf. fls.74 a 76 do PA.

    VIII - No período concedido o recorrente apresentou a sua defesa e requereu a inquirição de testemunhas que arrolou. - cf. fls. 88 a 90.

    IX - Inquiridas as testemunhas, em 4.07.98, o Oficial Instrutor elaborou o "RELATORIO" de fls.110 a 114, aqui dado por reproduzido, do qual se transcrevem alguns dos factos vertidos nas "conclusões": "Ao longo do processo ficou provado que o arguido...

    1 - No...

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